quinta-feira, 14 de outubro de 2021

 

A Bíblia, o puxão de orelha do Papa e as Fake News

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 







A notícia é antiga: um vereador do PSL, lá da capital Rio Branco, ocupou a tribuna do Legislativo acreano para divulgar que o chefe da igreja católica, o papa Francisco anunciou que vai cancelar a Bíblia, e que isso corresponde a chegada do anticristo.

Mesmo sendo alertado por alguns colegas de parlamento de que se tratava de uma notícia falsa, o vereador continuou. Manteve sua indignação  com a atitude do papa e prosseguiu com as críticas. A notícia se espalhou. A ponto de receber dura repreensão do clero daquele Estado.

A atitude do vereador é irresponsável. Ao propagar fake news contra o papa Francisco, revela que o senhor não se preocupa nem sequer em verificar a veracidade das informações que propaga, o que me dá o direito de pensar que o senhor também não se preocupa com a população que o elegeu, disse o padre Mássimo Lombardi, que recomendou ao vereador que verifique melhor as informações antes de disseminá-las.

Esta fake news, entretanto, é mais antiga que a manifestação do tal vereador que depois mostrou-se arrependido de seu ato. Em abril de 2019 já circulava pelas redes sociais a informação de que o papa Francisco, líder mundial da igreja católica, havia determinado o cancelamento da Bíblia. O pontífice teria tomado essa decisão por achar as escrituras desatualizadas. Seu objetivo seria criar um novo livro sagrado, provisoriamente batizado como Bíblia 2000, noticiou  Imprensa.

A frase atribuída ao papa, até o dia 25 de abril de 2019, tinha sido compartilhada mais de 7,5 mil vezes no Facebook, observou o site Lupa, da Folha de São Paulo, na época, que classificou a afirmação como falsa.

De acordo com o Vatican News, órgão oficial do Vaticano tratava-se de uma notícia falsa, reciclada e importada dos Estados Unidos.

O texto foi veiculado originalmente no site humorístico There Is News em abril de 2018. E a versão disponível no Facebook e que ressuscitou agora pelo WhatsApp, é uma tradução literal da mensagem em inglês, porém, nada do que está ali corresponde a realidade, alerta o site original.

Paralelamente às fake news, à desinformação e à ignorância que gravita ao redor da esfera global, o papa Francisco, nos dias atuais, em resposta a todo este imbróglio confessional, brinda aos cristãos sábias lições justamente sobre a Bíblia, que o acusam de querer cancelá-la.

E lá está Francisco na Audiência Geral, informa o Vatican News, como se estivesse puxando a orelha de todos, lembrando que a Bíblia não foi escrita para uma humanidade genérica, mas para nós, os cristãos. Devemos nos aproximar da Bíblia sem segundas intenções, sem a instrumentalizar. O fiel não procura nas Sagradas Escrituras o apoio para a própria visão filosófica e moral, mas porque espera um encontro, disse o papa.

As palavras das Sagradas Escrituras não foram escritas para permanecer presas nos papiros, nos pergaminhos ou no papel, mas para serem recebidas por uma pessoa que reza, fazendo-as brotar no próprio coração. A palavra de Deus chega ao coração, frisou o papa.

A Bíblia não pode ser lida como um romance, observou, citando o Catecismo da Igreja Católica que afirma: A leitura das Sagradas Escrituras deve ser acompanhada de oração, para que seja possível o diálogo entre Deus e o homem. Para a Igreja, a oração é um diálogo com Deus. Aquele versículo da Bíblia foi escrito também para mim, há muitos séculos, para me trazer uma palavra de Deus. Foi escrita para cada um de nós, disse  Francisco.

E acrescentou: Esta experiência acontece a todos os fiéis: uma passagem da Escritura, ouvida muitas vezes, de repente um dia fala-me e ilumina uma situação que estou vivendo. Mas é necessário que eu esteja presente nesse dia, no encontro com essa Palavra. Que eu esteja ali, ouvindo a palavra. Todos os dias Deus passa e lança uma semente no terreno da nossa vida. Não sabemos se hoje encontrará terra árida, selvas, ou terra fértil que faça crescer essa semente. Depende de nós, da nossa oração, do coração aberto com que nos aproximamos das Escrituras para que elas possam tornar-se para nós a Palavra viva de Deus.

Entre as lições extremamente atuais que o papa recomenda está:  aproximar-se da Bíblia sem segundas intenções, sem a instrumentalizar. O fiel não procura nas Sagradas Escrituras o apoio para a própria visão filosófica e moral, mas porque espera um encontro; sabe que aquelas palavras foram escritas no Espírito Santo, e que por isso nesse mesmo Espírito devem ser acolhidas e compreendidas, para que o encontro se realize.

Fico incomodado quando ouço cristãos que recitam os versículos da Bíblia como papagaios. Você encontrou o Senhor naqueles versículos? Não é um problema apenas de memória, mas de memória do coração, aquela o abre ao encontro com o Senhor. Aquela palavra, aquele versículo o leva ao encontro com o Senhor.

Bíblia não foi escrita para uma humanidade genérica, mas para nós, para mim, para você, para homens e mulheres em carne e osso. Homens e mulheres que tem nome e sobrenome. Como eu e você. A Palavra de Deus, impregnada do Espírito Santo, quando é recebida com o coração aberto, não deixa as situações como antes. Muda alguma coisa. Esta é a graça, a força da Palavra de Deus, disse.

Para Francisco, a Palavra inspira bons propósitos. Isso porque ela brota da tradição cristã [que] é rica em experiências e reflexões sobre a oração com a Sagrada Escritura. Veja o caso do método da lectio divina, nascido num ambiente monástico, mas agora praticado por cristãos que frequentam as paróquias.

Trata-se primeiramente de ler a passagem bíblica com atenção, eu diria com obediência ao texto, a fim de compreender o que ele significa em si mesmo. Posteriormente entra-se em diálogo com a Escritura, para que aquelas palavras se tornem um motivo de meditação e oração: permanecendo sempre fiel ao texto, começo a perguntar-me o que ele diz a mim.

Este é um passo delicado: não devemos resvalar para interpretações subjetivas, mas devemos fazer parte do caminho vivo da Tradição, que une cada um de nós à Sagrada Escritura. O último passo da lectio divina é a contemplação. Aqui as palavras e os pensamentos dão lugar ao amor, como entre os noivos que por vezes se olham em silêncio. O texto bíblico permanece, mas como um espelho, como um ícone a ser contemplado. E assim se há diálogo.

Através da oração, a Palavra de Deus vem habitar em nós e nós habitamos nela. A Palavra inspira bons propósitos e apoia a ação; dá-nos força e serenidade, e até quando nos põe em crise, nos dá paz. Em dias ‘maus’ e confusos, assegura ao coração um núcleo de confiança e amor que o protege dos ataques do maligno.

As Sagradas Escrituras são um tesouro inesgotável. É assim que a Palavra de Deus se torna carne naqueles que a acolhem em oração, sublinhou o pontífice. Em alguns textos antigos emerge a intuição de que os cristãos se identificam tão intimamente com a Palavra que, mesmo se todas as Bíblias do mundo fossem queimadas, um ‘molde’ dela ainda poderia ser salvo através da marca que deixou na vida dos santos. Esta é uma expressão bonita, ressaltou.

A vida cristã é uma obra de obediência e ao mesmo tempo de criatividade. Um bom cristão deve ser obediente, mas deve ser também criativo. Obediente porque escuta a palavra de Deus e criativo porque há o Espírito Santo dentro que o impele a levá-la  adiante. As Sagradas Escrituras são um tesouro inesgotável, concluiu o papa, concedendo a todos a sua bênção apostólica.

 Brasilândia/MS, 14 de outubro de 2021.

 

Foto:

https://www.google.com.br/search?q=papa+francisco+biblia.

 

Fonte:

https://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2020/07/17/vereador-le-fake-news-sobre-papa-cancelar-biblia-durante-sessao-no-ac-e-igreja-reage-vergonha.html  Por Iryá Rodrigues, G1 AC — Rio Branco, 17/07/2020.


https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/04/25/verificamos-papa-francisco-biblia/ Por Maurício Moraes, 25/04/2019.

https://osaopaulo.org.br/vaticano/francisco-a-biblia-nao-foi-escrita-para-uma-humanidade-generica-mas-para-nos/  Cf. Audiência Geral. Vatican News, 27/01/2021.

Nenhum comentário:

Postar um comentário