Homenagem aos tropeiros, peões boiadeiros,
cavaleiros e suas cavalgadas.
Carlos Alberto dos Santos Dutra
“Quando a poeira baixava, o barulho do cincerro anunciava a chegada da tropa com o gado, os animais de carga e as traias da comitiva. E nela o experiente tropeiro e seus peões que, depois de uma longa viagem, dava por cumprida mais uma jornada, este verdadeiro herói das estradas”.
--Quem são esses homens que desafiam distâncias? Enfrentam o horizontes para cumprir jornadas? --Que sina é essa alimentada há tempo por tropeiros e invernadas? Herança de pai pra filho, transportando esperança?
E lá se vão os valentes, de madrugada, tocando a tropa. Com seus animais de carga, burros, mulas e bruacas. O cavalo dos arreios, as traias, e a faca na guaiaca. A correia de couro, o peitoral, o arrocho, e o cabresto. No canto da boca, um cigarro de palha... O que não lhe atrapalha..., para o peão pensar. Na saudade e os amores que deixou prá trás.
1-E lá vai Jorge Boiadeiro coragem. Que conhece muito bem essa história. Se apaixonou pela lida e o manejo com o gado ainda piá, em Vera Cruz, lá no interior paulista. Desde o dia 19 de outubro de 1951, quando nasceu, seus olhos já marejavam, ao ver os animais passar.
Aos 15 anos, já em Brasilândia, viu a cidade se emancipar. Enquanto trabalhava com seu pai, numa máquina de arroz, aqui decidiu viver, se instalando no lugar. Na chácara, criando éguas. Comprando e vendendo animais. Logo montou sua tropa, de muares coisa e tal.
E começou a viajar, já comissário de tropa. Anos 70
chegaram, e ele se aquerenciou. Namorou e casou, constituiu sua família. Todos
com gosto na lida: Kleber, Erika, Larisse e o Bruno irmanados em
guarida. Tantas boiadas transportadas, ao lado dos capatazes João Caju,
Trajano, Tuca, Bimba. Oh, saudade.
Entre tantas tropeiradas. Mil e oitocentos bois, em uma única boiada. Maior viagem, lá no Alto Araguaia, que durou 108 dias de estrada.
Hoje, com 72 anos de idade, Jorge Luiz Temporim, para o orgulho dos filhos e netos, ainda conduz boiadas. Não foi uma pranchada que sofreu de uma mula, que lhe fraturou a perna, que o impediria de continuar na lida. E lá vai ele, conduzindo a tropa de seus sonhos. Recolhendo os louros e glórias desta campeirada. Quanto a nós, só resta aqui homenageá-lo.
2-Diz o ditado que a fruta não cai longe do pé. Pois na esteira do pai, Kleber Rogério, popular BIMBA, também seguiu os passos do seu Jorge Boiadeiro. Começou muito cedo a tomar gosto pela lida: conduzir gado com o pai e a peonada.
Filho da terra, brasilandense, em 11 de novembro de 1975 nasceu. Aos seis anos floresceu e já empreendia até pequenas viagens. Que alegria, poder acompanhar a tropa. De quando em vez, os membros da comitiva caçoavam dele. Entre risos, diziam que ele fazia xixi na rede, o que o deixava contrariado. Tudo encarado com alegria e respeito.
Isso até os 15 anos quando fez sua primeira cavalgada completa, levando sua primeira boiada. E assim, pegou gosto pela profissão firmando-se como tropeiro. Aos 22 anos se casou com Márcia Maria. Vieram os Thaís e Diego. Dez anos depois, já em Santa Rita do Pardo, continuou levando boiadas e trabalhando em fazendas.
Foi numa dessas empreitadas que por lá também se acidentou quando o cavalo rodou causando-lhe uma fratura na bacia e órgãos internos afastando-o da atividade por meses. Foi graças ao seu empenho e resiliência, depois de passar por vários procedimentos médicos, conseguiu voltar a montar e a trabalhar naquilo que mais lhe causava prazer na vida: voltou a cavalgar e realizar as viagens levando boiada como sempre fizera. Razão que nos leva a prestar a merecida homenagem como um valente tropeiro deste município de Brasilândia.
3- Outro tropeiro é Élio Jesus dos Santos, filho do lavorista Orisvaldo e da comerciante Ezilda. Nascido em 1961, viu seu pai falecer muito cedo indo então morar na fazenda com sua avó materna Isabel, que o apelidou de Pedro. Foi aí que Pedrinho aos 09 anos começou a gostar de montar a cavalo e conheceu o saudoso Aparício que já seguia a vida de tropeiro com comitiva no estradão.
Aos 11 anos de idade Pedro já viajava junto a comitiva do senhor Aparício que o ensinou muita coisa sobre a profissão. Foram quase 15 anos viajando na sua companhia. Neste tempo casou-se com a Marcinha e teve uma filha, Hellen.
Depois de adquirir onze animais muares, formou uma comitiva em sociedade com Sidney de Andrade conhecido como Jeguinho. Trabalhou também por alguns anos em fazenda dando uma pausa nas viagens do estradão. Voltou a profissão de tropeiro e foi levando gado que passou pela cidade de Paraíso das Águas onde para lá decidiu se mudar.
E seguiu com sua família, permanecendo na atividade como condutor de gado. Hoje já não atua mais nesta profissão, mas ficou a saudade e muitas histórias para contar. Cada viagem, cada pouso, cada amigo que fez pelo caminho deixa marcado o que passou e segue orgulhoso do que viveu. Hoje a comunidade o agracia com essa homenagem.
4-Um tropeiro de renome que merece homenagem póstuma foi Aparício Bonifácio Silva que deixou sua marca por essas estradas desde 1971 quando chegou a Brasilândia vindo de Londrina, no Paraná onde nasceu. Sempre ligado à labuta do campo, logo começou a trabalhar pelas fazendas, entre elas: fazenda Brasília, Formoso, Limoeiro, e fazenda Fátima, com o Sr. Jorge Temporim. Foi na fazenda Boa Esperança, entretanto, que começou a formar suas primeiras tropas, através da doma de burros.
Quando completou 25 anos, casou-se com Odete Cruz da Silva tendo com ela 4 filhos: Edmilson, Elisandra, Eliane e Elizangela. A partir daí firmou-se na profissão, trabalhando como boiadeiro por 32 longos anos, quando veio a falecer de enfarto, no ano de 2005.
Seu Aparício levava uma boiada para Água Clara. Já estava decidido que, em razão dos problemas de saúde, não iria mais tropear pelas estradas. Pois foi nesta ocasião que, sentindo uma dor profunda no peito, caiu de sua mula e, no desvão das distâncias, e sem tempo de ser socorrido, em decorrência do ocorrido, veio a falecer.
Ele havia nascido no dia 27 de junho de 1948. E no dia 3 de fevereiro de 2005, ainda jovem, aos 57 anos de idade, empreendeu sua derradeira viagem, despedindo da profissão, da família e dos amigos, fazendo, contudo, sempre o que mais gostou de fazer. A ele, portanto, também as nossa homenagem até querência do Céu.
5-Outro mestre no manejo da tropa que já se foi, mas que deixou ternas lembranças, foi o senhor Gonçalo Carlos dos Reis, que desde janeiro de 2015, já se encontra na estância do Céu com o Patrão Celestial, quando deixou sua comitiva aos 83 anos de idade.
Pois este senhor, desde menino, onde nasceu no dia 5 de dezembro de 1932, lá nas Minas Gerais, que mostrava que seria bom de laço. Ainda moço, depois de se estabelecer na região de Araçatuba, depois Andradina e Castilho, casou com Francisca Maria dos Reis, tendo com ela cinco filhos, José Carlos (Minhoca), Messias, Osmar, já falecido, Roberto (Neguinho) e Valdeci.
Era um mineiro feliz e amante da natureza. Os filhos ainda lembram do zelo que tinha para com os animais chegando a criar na Fazenda São Jorge, onde trabalhava, a criar três filhotes de onça na sede da propriedade, apenas por puro afeto.
Chegou por estas terras de Brasilândia por volta de 1983 quando começou a trabalhar na Fazenda Cisalpina, do saudoso Luigi Cantone, dedicando-se logo após a suas primeiras comitivas boiadeiras, sempre acompanhado de um menino esperto e alegre, o filho Roberto, popularmente conhecido como Neguinho.
A partir de sua primeira tropa que era formada de 15 animais entre burros e mulas, na profissão se firmou cruzando campos e cerrados, com suas comitivas transportando gado para o senhor Nelson Bertiplaglia, na fazenda Pedra Branca e Taperi. Cruzou estradas também com uma comitiva histórica quando transportou animais para o senhor Isoldino Ferreira, na fazenda Califórnia, chegando ao feito heroico de tocar 320 cabeças de boi desta fazenda até a fazenda Santa Helena, em Naviraí, aqui no Mato Grosso do Sul.
Sim. Seu Gonçalo Carlos do Reis, fez sua profissão em cima de um burro, e domava-o com sabedoria e destreza. Um homem que se orgulhava de nunca ter caído de um animal, mesmo aquele mais xucro pulador.
Nas caçadas que realizava, sempre muito habilidoso, não usava arma de fogo: capturava a presa no laço. Depois de abatida e assada, saboreava com todos a sua volta o valor da amizade, ao som da boa música caipira de raiz, bem ao estilo do homem do campo, dos antigos tropeiros que aos poucos nos escapam da memória, mas que hoje homenageamos.
--Sim, meus amigos, o tempo não para. Assim se fizeram fortes e experientes esses senhores. Tropeiros, peões boiadeiros, cavaleiros e suas cavalgadas, firmando os cascos da tropa, nas trilhas empoeiradas que o asfalto com o tempo cobriu. Mas que ainda assim, insistem e resistem, com gana e garra, pela margem do estradão.
Fazem pulsar o coração da comunidade, vendo esses
heróis bons de laço ainda rijos sobre suas mulas e cavalos. E nós aqui que a tudo
assistimos, resta-nos acolhe-los com um abraço de gratidão e orgulho, saudando
a todos com esta singela homenagem.
Brasilândia/MS, 17 de dezembro de 2023.
Fonte: Com informações fornecidas pela Drª Larisse Temporim. Fotos: Rogner Walter - Agência Anunciar Certo e Álbum de Família. Confira também: Cavalgada (brasilandia.ms.gov.br)
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