quarta-feira, 3 de abril de 2024

Adeus amiga Maria Inês, professora Solidária

Carlos Alberto dos Santos Dutra










Recebo a notícia do falecimento da amiga Maria Inês da Silva, com um aperto no coração. Embora saibamos que a todos nos reserva este destino, no caso desta senhora, algo mais profundo nos revela o legado de seu ser para o aprendizado dos dias que ainda nos restam.

Às voltas com minhas escritas, havia lhe dedicado especial lugar na coleção que estou escrevendo sobre a História e Memória de Brasilândia, no campo de atuação que ela se dedicou ao logo dos anos: a família, a educação e a pastoral. A intenção era homenageá-la em vida, mas assim não quis Aquele que lhe reservou derradeiro encontro com a Vida, antecipadamente; porém, de certa forma, aliviando suas dores e brindando-a com flores.

Mulher ativa e atuante, desde a sua juventude, foi professora ministrando aulas na antiga Escola Bom Jardim. No vigor de sua juventude, lá se encontrava a professora atendendo seus aluninhos, onde mantinha sua turma multisseriada, na condição de professora leiga. Recorda que lá também lecionaram a Profª. Úrsula Galdino, o Prof. José Quintino, e a Profª Edair, filha do Sr. José da Cana, nesta escola dedicada a receber alunos oriundos de sítios e fazendas, num tempo em que as distâncias eram vencidas a pé pelos alunos que enfrentavam a poeira das estradas para chegar à escola.

Em voz compassada e didática, dona Maria Inês recorda que começou a estudar no Ginásio. Lá tinha o Supletivo. Sente uma aura de felicidade e modesto orgulho ao lembrar que entrou com 35 anos na 5ª série formando-se no Magistério. Depois fez Pedagogia em Dracena/SP e pós-graduação no curso de Psicopedagogia em Aparecida do Taboado/MS.

Mulher vencedora naqueles tempos primeiros, era natural de Val Paraíso/SP, tendo nascido no dia 3 de novembro de 1946 numa família de quatro irmãos. Chegou a Brasilândia aos 10 anos de idade, entre 1956 e 1957, residindo com seus pais (Manoel e Benedita) inicialmente numa fazenda, adiante da Fazenda Califórnia, a Fazenda Queluz, aquela que tinha uma luz que brilhava que nem ouro, diziam.

Casou com seu Adenor, no Civil, no Cartório de Santa Rita do Pardo. Ao que parece o tabelião era o Sr. José Ferreira, lembra. A cerimônia religiosa de seu casamento ocorreu muitos anos depois, em Água Clara, numa fazenda, num dia de batizado. Ela era madrinha de muitas crianças da zona rural, e o padre da época realizava missa, batizado e casamento de todo mundo na região. Lembra que o seu sogro pegou o carrinho, colocou a família dentro e se tocou para o local, onde casou a filha e festejou o casamento e batizado dos conhecidos que lá também se encontravam.

Depois de passar algum tempo morando em Panorama/SP, para onde o casal foi em busca de serviço, voltou para Brasilândia, desta vez fixando residência na Fazenda Almeida, do Dr. Anísio Gomes de Almeida, no plantio de café e exploração do gado leiteiro. Morando na colônia da fazenda que reunia mais de uma dezena de famílias, ministrava catequese que também alcançava a todos os moradores da Linha Jardim. Durante os 11 anos que lá permaneceu, já no tempo do padre Lauri Vital Bósio, foi lá que fez sua primeira comunhão.

Na Fazenda Queluz lembra que ministrou durante seis anos aulas como professora leiga antes de vir para a sede do município e começar a dar aula na Escola do Bom Jardim cujo diretor na época era o Prof. Luiz Barbosa. Depois, quando começaram a puxar alunos da rede escolar para a sede do município e a escola foi desativada, eu já havia sido afastada do cargo, conclui.

Com o passar do tempo, mesmo depois de aposentada manteve-se atuante nos assuntos que dizem respeito à educação, a assistência e o trabalho comunitário. Convidada a participar no Conselho Municipal de Saúde, sempre foi um membro atuante e proativo, semeando de forma pedagógica luz e discernimento. Por vários anos foi representante dos usuários como membro titular deste Conselho representando a organização social Pastoral da Criança.

Mas a virtude de maior envergadura que pode ser conferida à dona Maria Inês foi: primeiro, sua preocupação e perfil solidário que a acompanharam desde a juventude. E, segundo, sua sede de saber sempre mais, não esmorecendo devido às dificuldades. Foi o que revelou ao participar do grupo assistencial leigo criado em Brasilândia com o nome de Comunidade Solidária.

Não por ser a mais antiga e idosa do grupo, mas por carregar nos ombros e no coração uma história de vida que é exemplo para muitos. Na época, com 73 anos de idade, ela relembrava a quem se dispunha a sentar e vê-la contar, pausadamente, um pouco de sua trajetória. Imobilizada em um sofá, onde se recuperava de uma enfermidade que lhe impedia de caminhar, pois lhe privou os movimentos da perna, ela permanecia uma pessoa alegre e preocupada com o murmúrio da vida à sua volta.

E lá a encontramos recordando o artesanato, os pomponzinhos e bordados que faziam, o trabalho com cerâmica, linhas e crochê. Lembra com carinho as colegas ReginaMaria Rosa e outras colaboradoras como dona Leonor, a Helena, e uma mocinha nova que não recorda o nome..., ela que sempre foi secretária nas entidades que participou, talvez pela sua formação de professora.

Seus olhos se enchem de lágrimas quando recorda o momento que recebeu a notícia que teriam de desocupar a sala onde atuavam, há tantos anos, praticando o artesanato e colocando seus produtos à venda, promovendo a solidariedade entre os paroquianos e comunidade carente em geral... Dada a ordem para desocupar a sala da Comunidade Solidária e da Pastoral da Criança, junto com o material demolido viu perder-se um pouco da história do trabalho realizado por aquelas anônimas senhoras.

Mas essa mulher guerreira não guardava qualquer rancor, somente boas lembranças dos frutos que colheu no seu tempo de professora, no trabalho com a comunidade. E isso porque seu sonho ainda era maior: desejava se formar em nível superior. O que conseguiu anos mais tarde.

Dona Maria Inês, que havia estudado até a 4ª série, sim, tinha um sonho: concluir os seus estudos. Falou para o marido, e ele achou estranho, pois sua esposa já se encontrava com 37 anos de idade quando externou esse seu desejo. Mas, concordou. E lá seguiu ela, fazendo o trajeto desde a fazenda até a cidade, no ônibus que fazia o transporte dos alunos matriculados a partir da 5ª serie na rede pública municipal.

Durante seus estudos nunca reprovou. Quando chegava o 3º bimestre, já estava com quase todas as matérias com a média exigida, faltando um ou dois pontos para sua aprovação. Lembra que enquanto as outras colegas ficavam em recuperação ou de exame, ficando para trás, ela graças a Deus se formou no Colegial, que naquele tempo era o Magistério, observa.

Seu aprendizado não parou por aí. Em 1988 o casal havia deixado a fazenda e se mudado para a cidade. Concluído os estudos, sempre com brilhantismo, passados dois anos, fez o curso de Auxiliar de Enfermagem, passando em primeiro lugar no processo seletivo na época, começando a trabalhar no Hospital Municipal Dr. Júlio César Paulino Maia, inaugurado naquele ano, tendo sido uma das primeiras enfermeiras que lá trabalhou ao lado das colegas JucelinaCidinhaJoana, entre outras que participaram deste curso na época.

Logo que entrou no Hospital colocaram-na para trabalhar no Berçário, onde trabalhou por dois anos, tendo embalado e zelado por uma centena de crianças que por lá passaram. Ah, como gostava de trabalhar naquele lugar, cuidar dos bebezinhos, mesmo estudando a noite, pois logo ela já estava num novo projeto de vida.

Na gestão do prefeito José Cândido da Silva, ao saber das habilidades da Profª Maria Inês, ele determinou que aquela enfermeira, colega professora, fosse transferida para a Escola Municipal Arthur Höffig. Indiretamente, fez um favor para dona Maria Inês, pois lhe ascendeu novamente o desejo de estudar... E lá foi ela prestar o vestibular aproveitando a bolsa de estudos que a Prefeitura fornecia aos alunos que se dispusesse a qualificar-se com um curso superior... (1).

Relembrar a grande mulher que foi dona Maria Inês, neste momento de pesar e sentimento pela sua partida, é a maior homenagem que podemos fazer. É o que externamos neste momento de tristeza pelo passamento desta virtuosa mulher, professora Maria Inês da Silva, que colocou sempre à frente os sonhos que a tornaram feliz. Descanse em paz, professora solidária.


(1) O final desta e outras histórias encontram-se no livro História e Memória de Brasilândia, Volume III, Cidadania. Este texto foi publicado originalmente em 03 de abril de 2020 no portal https://www.institutocisalpina.org/professora-maria-ines.... E republicado em 03 de abril de 2021. Disponível em DUTRA, C.A.S. Quando eu me chamar saudade, vol.1, 2021, pág. 159. Quando eu me chamar saudade, por Carlos Alberto dos Santos Dutra - Clube de Autores

 

 

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