quinta-feira, 6 de junho de 2024

 

"O Cerrado é o bioma mais azarado do planeta"

João Paulo Vicente


Alguns anos atrás, Nurit Bensusan, coordenadora de biodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA), deparou-se com uma manchete curiosa em uma revista de bordo durante um voo. O título prometia o segredo para aumentar a produção agrícola sem derrubar nenhuma árvore. Ao ler a reportagem, veio a decepção: as árvores eram só as da Amazônia. O segredo? Expandir a lavoura no Cerrado.

O Cerrado é o único bioma presente em todas as regiões do país. Mas desde 1970 é, também, o mais ameaçado, tendo perdido cerca de 50% de sua vegetação original graças, principalmente, à expansão da fronteira agropecuária.

“Eu digo que o Cerrado é o bioma mais azarado do planeta. Pense: é super rico, a savana com a maior biodiversidade arbórea do mundo, contém uma série de espécies endêmicas, mas está no mesmo país que a Mata Atlântica – o bioma mais ameaçado do mundo – e a Amazônia – a floresta tropical mais exuberante”, conta Bensusan. “Se o Cerrado estivesse em qualquer outro país, seria mega valorizado.”

O Cerrado ocupa cerca de 24% do território nacional – quase um quarto do país – e é o único presente em todas as cinco regiões. Há no bioma uma grande variedade de ambientes e paisagens – são 11 fitofisionomias, ou seja, aspectos diferentes de vegetação. “A flora está assentada em diferentes níveis de altitude e diferentes tipos de solo, o que promove uma grande especiação entre grupos de plantas”, diz Marcos José da Silva, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Silva estuda a flora de áreas de preservação no Cerrado há dez anos, com foco especial em regiões de elevada altitude com relevo acidentado, lugares de difícil acesso. Nesses locais, explica o professor, há uma predominância de herbáceas, com uma alta taxa de endemismo. “Embora o bioma como um todo seja muito devastado, nessas áreas nós temos manchas relictuais, uma vegetação secular idêntica à do ano 1500”, conta. “Isso faz com que exista muitas espécies ainda desconhecidas” (...)

(...) Por ocupar 23% do território nacional e fazer divisa com quase todos os biomas, menos o Pampa, o Cerrado possui uma grande variedade de vegetações. Há pelo menos 25 tipos e subtipos de fitofisionomias (...).

“Não é uma informação valorizada, não se tem noção do tamanho disso. Na verdade, há a percepção de que o Cerrado está atrapalhando a economia”, lamenta. “Enquanto isso, não fazemos ideia do que estamos perdendo, nem da magnitude do que estamos perdendo.”

E estamos perdendo rápido. O número oficial dá conta de que 50% da vegetação original do bioma já não existe, mas há estimativas que chegam a 70%. Apenas 20% da área do Cerrado é preservada em grandes fragmentos e 8% é protegida em algum tipo de reserva. Tudo isso em tempo recorde: a maior parte foi desmatada a partir da década de 1970 com a expansão da fronteira agrícola.

“Apesar de termos demorado 500 anos para destruir a Mata Atlântica, acabamos com o Cerrado em 50”, diz Nurit Bensusan, do ISA. O resultado desse processo é que hoje o bioma é considerado um hotspot de biodiversidade, onde há pelo menos 1,5 mil espécies vegetais endêmicas distribuídas em menos de 30% de vegetação original (...).

(...) Ao contrário da Amazônia, o Cerrado é uma região que pega fogo naturalmente (1). Ele depende do fogo para controlar o extrato herbáceo rasteiro da vegetação, e é por isso que suas árvores possuem raízes profundas e cascas grossas para se protegerem do calor. Da mesma forma, a fitofisionomia fragmentada ajuda a fauna a encontrar refúgio próximo em paisagens de mato denso, menos propensas aos incêndios, nas redondezas.

Normalmente, o fogo ocorre em anos espaçados. Com casos recorrentes de incêndios criminosos e a destruição desses refúgios naturais para dar lugar a pastos ou lavouras, o Cerrado queima de maneira mais frequente e por mais tempo. E aí não há adaptação que salve a biodiversidade da região.

“Há um mal-uso do Cerrado onde o lucro é privatizado e o prejuízo é socializado”, diz Aldicir Scariot. “Não estou dizendo que explorar um hectare de Cerrado com pequi vai dar mais dinheiro que plantar soja ou gado. Mas quando você coloca na balança outros componentes socioambientais, a maneira como o bioma vem sendo explorado não compensa.”

Confira também: Kuhlmann que é autor do livro Frutos e Sementes do Cerrado: Espécies atrativas para a fauna, e criador do site Frutos Atrativos do Cerrado. Ao todo, são 4 mil variedades diferentes de frutos no bioma – alimento para aves, mamíferos, répteis e peixes da região.

 

Brasilândia/MS, Dia Mundial do Meio Ambiente/05.Jun.2024.

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