quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A mão (in)visivel do magistrado.

A mão (in)visível dos altos Pretórios
Carlos Alberto dos Santos Dutra




Tem coisas que a gente custa entender. Leio na Imprensa oficial a seguinte manchete: Falta de defensor no recebimento da denúncia anula ação penal contra ex-senador. Essa foi a decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que anulou, desde o recebimento da denúncia, ação penal que resultou na condenação do empresário Mário Calixto Filho às penas de um ano e três meses por formação de quadrilha e à quatro anos e três meses por peculato. A decisão determinou que seu defensor constituído seja intimado para novo julgamento que irá deliberar sobre o recebimento ou rejeição da denúncia.

Para quem é do ramo jurídico até entende que a defesa, neste caso, do ex-senador criminoso, tenha alegado que seu cliente tenha sido intimado apenas no diário oficial para a sessão de julgamento na qual a denúncia foi admitida. A alegação de constrangimento ilegal, uma vez que o empresário não tinha advogado constituído e não foi nomeado defensor para representá-lo, é um recurso admissível, mas isso só revela o formalismo que em certos casos só beneficiam os bandidos e ladrões de colarinho branco.

Mário Calixto, o ex-senador condenado, nada mais é do que o proprietário do jornal Estado de Rondônia e exerceu mandato no Senado Federal de julho de 2004 até março de 2005. Era primeiro suplente do ex-senador Amir Lando (PMDB-RO), substituindo-o quando este assumiu o Ministério da Previdência Social. Portanto, ele não é nenhum coitadinho desvalido que tenha sido prejudicado pela falta de um defensor, ficando assim prejudicado o seu processo que volta a estaca zero.

E olha que o dito senhor não é bandidinho pequeno não: ele responde a vários processos por delitos de imprensa, crime contra a ordem tributária, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, entre outros. Mas a esses, ao que parece a Lei só tende a ajudar a continuar impunes, ou quando muito prolongar esses processos que acabam, com o tempo, fazendo com que seja esquecido o mal que praticaram.

Neste caso o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) faz um contorcionismo verbal e semântico para dizer que o tal empresário foi intimado não para a sessão de julgamento, mas sim para “responder por escrito às acusações”. Em que pese o senhor Calixto tenha sido procurado diversas vezes para ser notificado – não tendo sido encontrado –, e ter tumultuado o quanto pôde para dificultar o andar da ação penal, ainda assim todos os ventos da suprema corte acorrem em seu favor.

E assim, em mais um caso que revela para que servem os laços frouxos da Lei, sobretudo das instâncias mais altas e seus corolários atuais, chegam a conclusão os doutos ministros que houve o cerceamento de defesa do ex-senador, pois os princípios do contraditório e da ampla defesa foram violados. O ministro lembrou que o Supremo Tribunal Federal entende que é dispensável a intimação do acusado para a sessão que decide sobre o recebimento da denúncia, desde que o defensor seja intimado pela imprensa oficial.

Bem sabem os juristas que a sustentação oral é facultada às partes na sessão de julgamento da admissibilidade da denúncia. Neste caso, como o acusado não tinha advogado constituído, um defensor público deveria ter sido nomeado para representá-lo. Concorda-se. Porém, devido uma falha processual –que em nada iria altera os fatos, pois o empresário teria recursos financeiros de sobra para contratar uma advogado, e de má-fé não o fez --, tal situação trouxe prejuízo ao Estado que não pode ver condenado os atos praticados pelo empresário delinqüente posto em julgamento.

Assim, cada vez mais percebe-se que o Direito que flui pelos corredores forenses não pode fixar-se somente no estrito formalismo legal, tampouco ser isolado em campos de concentração legislativa –paridas um dia por senadores como o descrito acima. A estrutura judicial deve ser encaminhada no sentido de desvincular os juízes/ministros do Poder e estabelecer laços permanentes entre eles e a sociedade, a fim de que possam perceber a sua concepção de justiça e representá-la em suas decisões.

Caso contrário permanecerão pérfidos os caminhos da Justiça: morosa e elitista, que afrouxa os laços da complacência à seus pares e os estreita quando o rumos dos ventos sopra sob a classe ignara. É de Friedrich Karl Von Savigny (1779-1861) a frase: O direito nasce com o povo, dele se forma, e com ele desaparece, quando perde suas características. O domínio próprio do direito é a consciência coletiva do povo(1). Haverá algum dia reação sobre essa mão invisível que vem dos altos pretórios e que cada vez mais assume cores sombrias e palpáveis, e fulmina de sentenças os fracos e desvalidos ao proteger os poderosos da terra?

(1) DUTRA, C.A.S. As Ocupações de Terra e a Produção do Direito. São Paulo, Scortecci, 2003, p. 81.


Publicado originalmente em 23 de março de 2012 e republicado em 31 de janeiro de 2018.

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