Um compromisso com a história
Carlos Alberto dos Santos Dutra
O tempo passa e nós vamos ficando velhos, diz a canção do cubano Pablo Milanés, imortalizada pela saudosa la negra Mercedes Sosa. Parece óbvio. Mas num determinado momento a canção nos diz o que parece tão verdadeiro: com o passar do tempo não só deixamos de refletir como ontem, mas a cada conversa, cada beijo, cada abraço, se impõe sempre um pedaço de razão (...) e as velhas discussões vamos perdendo entre as razões.
Quem tem preocupação com a história também vive esse dilema, e a tendência, com a idade, é ir afrouxando os laços e deixando tudo muito rapidamente para trás. Porém, quando saltamos da poesia para a vida concreta, sabemos que existem imperativos, alguns categóricos até, que impõem responsabilidades àqueles que a esta causa resolveram abraçar.
A sala está empoeirada e pelos cantos acumulam-se pilhas de jornais velhos. A secretária, asséptica, e a reciclagem de plantão se apresentam como destino provável, e as espreitam para dar uma destinação quiçá mais útil àquele acervo. Mas aquele saber acumulado resiste ao tempo e suas intempéries. Porém, não se sabe por quanto tempo ainda.
São edições de um periódico de circulação quase mensal chamado Jornal de Brasilândia, o Pioneiro, que tem o mérito de haver incluído os brasilandenses no mundo gráfico criado pelo alemão Johannes Gutenberg, o revolucionário da Imprensa que disseminou a aprendizagem em massa através de pequenas peças de ferro, alumínio e cobre, chamados tipos, móveis, construindo páginas que abriam portas e comunicavam.
E cá estamos nós, 500 anos depois, distantes de 1439, época vivida pelo inventor, autor da primeira Bíblia impressa de 42 linhas no ano de 1987, vendo o esforço de um homem simples, que também se impôs na história e nos destinos da chamada Cidade Esperança. Um três-lagoense, filho de seu Josué e dona Ivone, nascido em 18 de abril de 1954, e que depois que aqui chegou, em 1987, assumiu para si a missão intelectual de reinventar Brasilândia a partir das letras e das páginas de seu jornal.
E lá estava ele, Jamil Fernandes, jovem e sonhador, confiante, interessado, e apegado ao mundo da informação e dos acontecimentos do cotidiano local. Sem saber, ele gerava conhecimento, cultura e entrava para a história. Brasilândia, esta municipalidade ainda deve uma homenagem à altura a esse pioneiro da Imprensa escrita, pelo trabalho realizado por mais de 20 anos à frente do primeiro e único jornal a circular na cidade, do qual era o proprietário e editor responsável.
A pilha de jornais velhos continua lá, sendo comida pelas traças lentamente. O escrevinhador preocupado observa e lamenta não ter podido preservar dignamente aqueles originais. A hemeroteca solicitada ao Poder Público, quando ainda era vereador (2004-2008), sequer foi apreciada pelos escaninhos da municipalidade: Hemero o quê?, caçoaram.
Uma brisa outonal, entretanto, invade a sala e desperta o sonho do escrevinhador. A propósito do ano novo que inicia, ousa estabelecer uma meta, para o espanto de alguns mais próximos: compilar as principais notícias que marcaram a vida de Brasilândia e publicá-las num livro. Digitalizar imagens novas e antigas, juntar testemunhos e escritos de personagens, pioneiros, desbravadores e pessoas comuns, degravar entrevistas extraindo-as de velhas fitas k-7, enfim. E o material estaria finalmente pronto para ser editado. Se lhe derem apoio e espaço.
Num último retoque, lança por fim o autor um apelo aos que deitarem os olhos sobre seus diversos artigo esparramados pela imprensa e redes sociais. Ah, como um feedback torna-se importante para a solitária atividade do escritor.
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A pilha de jornais: Jornal de Brasilândia, Jornal da Cidade, jornal Independente Notícias, jornal Dia a Dia, Folha Costa Leste, entre outros, aos poucos vai diminuindo de tamanho. Serelepe as minúsculas letras, uma a uma saltam das folhas amareladas do papel para as teclas do computador.
Os dedos do digitador, embora cansados, nem de leve assemelham-se ao trabalho realizado por aqueles auxiliares de outrora, no galpão do seu Alonso, onde a gráfica do Jamil funcionava: aquela maravilhosa máquina de construir palavras e modificar vidas: Maninho, Sérgio, Osmar, Márcio, Magno e algumas vezes até este escrevinhador, auxiliava o mestre nesta tarefa de reconstruir cada página do jornal, letra após letra, colocadas cuidadosamente invertidas sobre a prancheta, como se árabe escrevêssemos, o que exigia total perícia daqueles artesões.
Fica o registro, fica a saudade, fica o convite para os que não se olvidam da memória, para a sobrevivência da história...
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