Carlos Alberto dos Santos Dutra.
Todos concordamos que empresas e administrações públicas possam e devam incentivar eventos culturais, porém, sempre envoltos numa cultura de paz.
A propósito dos Rodeios, um Parecer sobre a Utilização de Animais em Rodeios realizado a pedido da Mountarat Associação de Proteção Ambiental, pela advogada Drª Renata de Freitas Martins, há oito anos, permanece atual e pertinente.
A contextualização descrita por ela, sobre a origem dos Rodeios nos ajuda a desmitificar a inserção que esta prática galgou com o tempo no campo da culturalidade, sendo que de cultural não tem nada. Senão vejamos.
No século XVII, logo após a vitória dos Estados Unidos da América na guerra contra o México, os colonos norte-americanos adotaram alguns costumes de origem espanhola e praticadas à época pelos mexicanos, especialmente as festas e a doma de animais, os quais eram rodeados.
Com o passar do tempo, o rodeio foi adquirindo as características que conhecemos hodiernamente, tendo sua prática sido desenvolvida e incentivada nos EUA, no final do século XIX, onde boiadeiros exibiam suas proezas e com isso ganhavam status e apostas, tendo a cidade de Colorado sediado a primeira prova de montaria no ano de 1869 e entre 1890 e 1910 o rodeio surgindo como entretenimento público em vários eventos do Oeste, celebrações de ação de graças e convenções pecuárias.
Apesar da origem norte-americana, até mesmo por lá esta prática não tem sido considerada cultural, havendo, inclusive, cerca de 15 cidades que já a proíbe em seu território, entre elas Fort Wayne (Indiana) e Pasadena (Califórnia). Aqui no Brasil, diferentemente do que dito por muitos, a prática do rodeio nada tem de cultural, tratando-se de uma cópia do modelo norte-americano, já que os primeiros bovinos criados por aqui eram da raça caracu, que são animais pesados e com enormes guampas, sendo impossível sua utilização para fins de rodeios.
A exemplo dos EUA, também já existem diversas cidades brasileiras com legislação específica proibitiva à realização de rodeios em seus limites, como, por exemplo, São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Sorocaba (SP), Guarulhos (SP), Jundiaí (SP), Campinas (SP) etc. Há, ainda, diversas ações judiciais julgadas procedentes, impedindo-se a realização de rodeios nas comarcas onde foram impetradas e/ou se
impedindo a utilização de instrumentos considerados cruéis (sedém, peiteira, esporas etc.), o que na prática também inviabiliza a realização dos cruéis rodeios, tendo-se em vista que o animal, sem o estímulo humano, de fato não pulará ou correrá de forma intermitente.
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Ademais, estudos do FBI mostram que a violência contra animais funciona como um primeiro degrau para futuras violências contra humanos. Quase todos os assassinos em série têm em sua história a prática de maus-tratos a animais. Segundo pesquisas, a violência cometida contra animais, quando feita ou mesmo assistida por crianças, tem consequências psicológicas trágicas, marcando-as por toda a vida. Por outro lado, o afeto que os animais inspiram, quando incentivado, pode despertar no indivíduo sentimentos de amor, zelo e autoestima positiva.
É preciso estar muito alienado do que acontece no mundo para não perceber que o mundo clama por paz. E que para podermos ser responsáveis socialmente, não devemos caminhar na direção oposta...
Mas como eles, infelizmente, continuam acontecendo aqui e acolá, não custa lembrar o quanto estamos atrasados, sobre tudo em nosso Estado e Município. A este propósito, não custa lembrar aos nobres edis locais da oportunidade de, quiçá, copiar o projeto de Lei nº 825, apresentado ainda em 2011 pelos deputados do Estado de São Paulo, que o reproduzo na íntegra na esperança de que um iluminado vereador tome a iniciativa de propor o fim da crueldade contra os animais.
O projeto de Lei estabelece normas e diretrizes a serem seguidas nas festas de peão e rodeios no Estado de São Paulo, sem prejuízo de proibições e sanções previstas em outros dispositivos legais: Municipal, Estadual ou Federal, e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo decreta:
Artigo 1º - Ficam proibidos no Estado de São Paulo os atos de crueldade e maus tratos cometidos contra animais nos
eventos de Rodeio, Festas de Peão e eventos do gênero, sem prejuízo das sanções previstas em outros dispositivos legais:
Artigo 2º - Para fins dos dispositivos constantes no artigo anterior, consideram-se crueldade e maus tratos, toda e qualquer ação ou omissão que implique em sofrimento, estresse físico ou mental, abuso, ferimentos de qualquer natureza, mutilação ou transtornos psicológicos nos animais.
Artigo 3º - Na realização dos eventos, serão garantidas condições que assegurem a proteção e a integridade física dos animais nas etapas de transporte, chegada, recebimento, acomodação, trato, manejo e montaria, nos termos da regulamentação desta Lei, sendo vedada qualquer prática que proporcione sofrimento, crueldade e maus tratos a animais.
Artigo 4º - Ficam especialmente proibidas as seguintes práticas lesivas aos animais:
I – realização de Prova do Laço ao Bezerro, Prova do Laço
em Dupla (“calf roping” e “team roping”) ou Derrubadas (bulldog ou bulldogging);
II – O uso de acessórios como esporas e nazarenas, ou
qualquer prática que implique dor ou desconforto aos animais, com o objetivo de fazê-los correr ou pular,
III – a introdução de qualquer objeto no corpo do animal
ou fazê-lo ingerir qualquer substância que seja estranha à sua alimentação habitual;
IV - O uso de peiteiras e sinos nos animais;
V - O uso de qualquer outro instrumento que cause ferimento ou desconforto nos animais, incluindo aparelhos que provoquem choques elétricos;
VI - O uso do sedém sob qualquer alegação;
VII - O rodeio mirim;
Parágrafo único - Acessórios como cilha ou encilha, barrigueira, cintas e demais peças utilizadas nas montarias, bem como as características do arreamento, não poderão causar injúrias ou ferimentos aos animais, sob qualquer alegação.
Artigo 5º - Verificada a ocorrência de fatos que possam configurar infração legal ou ação ou omissão que importe em atos de crueldade ou maus tratos contra animais, com a inobservância dos preceitos estabelecidos, deverá haver a imediata comunicação às autoridades policiais a fim de ser lavrada a ocorrência.
Artigo 6º - O descumprimento às disposições constantes desta Lei acarretará no pagamento de multa e nas seguintes sanções:
I - à entidade promotora do evento:
a-) multa no valor de 50.000 UFESP's, por animal;
b-) dobra do valor da multa na reincidência;
c-) suspensão temporária do rodeio;
d-) suspensão definitiva do rodeio.
II - ao peão de boiadeiro, ou qualquer outra pessoa que tenha cometido a infração:
a-) multa no valor de 2000 UFESP's;
b-) dobra do valor da multa a cada reincidência;
Parágrafo único: No caso de morte do animal em decorrência de abusos ou maus tratos previstos nesta lei, a entidade promotora do evento deverá pagar multa no valor de 100.000 UFESP’s, independente de outras sanções penais cabíveis.
Artigo 7° - São passíveis de punição as Pessoas Físicas, inclusive detentoras de função pública, civil ou militar, bem como toda organização social ou Pessoa Jurídica, com ou sem fins lucrativos, de caráter público ou privado, que intentarem contra o que dispõe esta Lei.
Artigo 8º – Fica o Poder Público autorizado a reverter os valores recolhidos em função das multas previstas por esta Lei para custeio das ações, ou para Programas Estaduais de controle populacional através da esterilização cirúrgica de animais, bem como Programas que visem à proteção e bem estar dos mesmos.
Artigo 9º - A fiscalização dos dispositivos constantes desta Lei e a aplicação das multas decorrentes da infração ficarão a cargo dos órgãos competentes da Administração Pública Estadual.
Artigo 10 - O Poder Executivo regulamentará a presente Lei.
Artigo 11 – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Justificativa
Constituição Federal: Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
E é evidente que os animais utilizados em rodeios estão a reagir contra o sofrimento imposto pela utilização de instrumentos como esporas, cordas e sedém. A só circunstância dos animais escoicearem, pularem, esbravejarem, como forma de reagir aos estímulos a que são submetidos, comprova que não estão na arena a se divertir, mas sim sofrendo indescritível dor. Desembargador Roberto Nalini, Apelação n.º 0013772-21.2007.8.26.0152, Tribunal de Justiça de São Paulo
No estudo intitulado Espetáculos Públicos e Exibição de Animais, a Promotora de Justiça Vânia Maria Tuglio nos relata dá a exata dimensão da crueldade a que animais são submetidos nesse tipo de evento: O artigo espetáculos públicos e exibição de animais trata do uso de animais para a diversão do ser humano, para tanto, inicialmente, é exposta a legislação aplicável ao tema, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, o Decreto Federal 24.645/34, a Lei de Crimes Ambientais e o Código de Proteção aos Animais do Estado de São Paulo, para, então, concluir-se que a exibição de animais para fins de diversão humana e visando a obtenção de lucro é pratica vedada pela legislação brasileira, pois há nessas práticas a submissão dos animais a caprichos humanos que podem ser entendidos como práticas cruéis.
Em seguida, o texto demonstra o quanto os animais são submetidos a atos de extrema crueldade, principalmente, nos circos e rodeios. Nos circos, animais silvestres são forçados, através de treinamentos cruéis, a mudar sua natureza selvagem e apresentar uma submissão e habilidade que dificilmente teriam sem esses treinamentos. Já nos rodeios, os animais seriam naturalmente mansos, contudo seriam atormentados por instrumentos que lhes causam dor e sofrimento, como exemplo o sedém e as esporas.
Por fim, é apresentada jurisprudência pertinente ao tema, sendo também, defendida a aplicação do princípio da precaução em caso de dúvida se determinada prática causa sofrimento ou não ao animal e, para finalizar, defende-se que a divulgação pela mídia de práticas cruéis contra os animais, através de exibições de imagens de rodeios, por exemplo,configuraria o tipo penal de apologia do crime.
Publicado originalmente em http://carlitodutra.com em 7 de novembro de 2011 e republicado neste Blog em 21 de janeiro de 2018.
e (...)
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