sábado, 6 de novembro de 2021

 

Luigi Cantone, para além dos varjões de Cisalpina


Carlos Alberto dos Santos Dutra



Quinze anos antes da emancipação político-administrativa do município de Brasilândia, um empreendimento de proporções imensuráveis aportou nestas terras trilhadas tão somente pelos indígenas Ofaié que aqui viviam desde antes do início do século.

 

Tratava-se da ousadia de um homem chamado Luigi Cantone. Ele havia chegado ao Brasil vindo da Itália no ano de 1952 logo se dedicando a orizicultura na Fazenda Olímpia que adquirira no tempo que Brasilândia era um distrito de Três Lagoas.

 

Mas este cidadão não se tratava de um homem qualquer. Conhecido mundialmente pelos feitos realizados durante sua juventude, entre os títulos recebidos foi medalha de ouro na modalidade de espada individual nas Olimpíadas de 1948, realizada em Londres, na Inglaterra.

 

Além da esgrima, orgulhava-se em pertencer ao Partido da Social Democracia no país de origem e de ser amigo íntimo de Giovanni Battista Montini, à época, Paulo VI. De família tradicional, estudioso e com formação em ciências agronômicas, Luigi Cantone nasceu em Robbio (Província de Pavia) na Itália, no dia 21 de julho de 1917.

 

Era casado com a senhora Anna Maria Malinverni que até 2007 morava na cidade de Novara, localizada ao norte da Itália. Tinha um grande sonho, o de viver e promover as riquezas naturais do Brasil. E como de fato aconteceu, indo mais longe, naturalizou-se brasileiro na década de 1980.

 

Aqui em Brasilândia, os mais antigos lembram que ele importou da Itália, instalando aqui maquinário de última geração, único no país, destinado ao beneficiamento do arroz, tendo construído um verdadeiro santuário arquitetônico, com galpões de porte admirável em estatura a considerar a época e o lugar onde se encontrava o empreendimento, num pontinho do centro-oeste da América do Sul.

 

No ano de 1957 em um desfile cívico ocorrido na cidade Três Lagoas/MS é possível ver a pujança e o esplendor daquela época, bem como o maquinário,  tratores, colheitadeiras e ceifa motriz da empresa Cisalpina Agrícola, mostrando seus funcionários  -- e possivelmente o próprio Luigi Cantone, em uma das fotos -- sendo aplaudido pelos populares.

 

Em 1980, Luigi Cantone recebeu do antigo órgão do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, o resultado de uma solicitação sugerida por um de seus administradores, com a concretização de um de seus sonhos. Já que a área não havia lhe garantido transformá-la em propriedade produtiva na acepção capitalista do termo, preferiu-a ver transformada numa reserva ambiental. Através da Portaria nº 068/80-P, de 28 de janeiro de 1980, o presidente daquele órgão, Carlos Neves Galluf, declara, então, a área da Fazenda Olímpia, e seus 10.631 hectares, como Refúgio Particular de Animais Nativos.

 

Numa atitude humanista acolheu os indígenas Ofaié, formalizando um contrato com a Funai  que concedia uma área de 110 hectares para usufruto dos indígenas, até o alagamento da região pelo fechamento das comportas da Barragem de Porto Primavera, no rio Paraná, garantindo paz e segurança ao desterro da pequena comunidade indígena que fora transferida de Brasilândia para a longínqua Bodoquena em 1978 e que em 1986 havia retornado ao município de seus antepassados.

 

Ao destinar pequenas frações dessa extensa área aos indígenas, ou às diversas pessoas que procuravam o velho Cantone para praticar o plantio de roças ou para criação de pequena quantidade de gado, ou ainda pelo fato de tolerar o convívio com os posseiros que se instalavam anonimamente dentro de sua propriedade, fez desse homem um cidadão pouco compreendido e por vezes hostilizado pela comunidade local.

 

Desiludido dos negócios e doente Luigi Cantone retornou para a Itália aonde, no dia 6 de novembro de 1997, veio a falecer, aos 90 anos de idade, na cidade de Casalino (Província de Novara), na Itália.


Em 2003, ao ser criado o Instituto Cisalpina de Pesquisa e Educação Socioambiental e Defesa do Patrimônio Cultural de Brasilândia, a ONG local elegeu o nome de Luigi Cantone como patrono da entidade.

Dez anos após o seu falecimento, uma indicação do então vereador Carlito Dutra foi apresentada ao deputado Akira Otsubo que propôs o projeto de lei denominando de Rodovia Luigi Cantone o trecho da antiga avenida Panorama de Brasilândia/MS até a margem do rio Paraná pela antiga rodovia MS 040 que atravessa a área da Reserva Cisalpina, hoje de propriedade da Companhia Energética de São Paulo-CESP transformada em RPPN e que foi federalizada (BR-158).

Foi uma justa homenagem que o Estado de Mato Grosso do Sul prestou a esse pioneiro empresário do município de Brasilândia e precursor do ambientalismo responsável na região do Bolsão Sul-mato-grossense. O projeto foi aprovado e sancionado pelo governador André Puccinelli, no dia 31 de outubro de 2007, através da Lei 3.430 publicada na primeira página do Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul nº 7.085, de 1º de novembro de 2007.

Há 24 anos, o mundo perdeu um visionário, um grande cidadão. E Brasilândia também: o empreendedor Luigi Cantone que naturalizou-se brasileiro para implantar o maior projeto de desenvolvimento agrícola de orizicultura, na década de 1950, que Brasilândia jamais viu. A ele e seus familiares nossas homenagens póstumas.

Brasilândia/MS, 6 de novembro de 2021.


Foto: Luigi Cantone e sua esposa Anna Maria recebem o cacique Ofaié Ataíde Francisco, o padre Lauri Bósio e o agente de pastoral Cecílio, da CPT em Selviria/MS (Foto: Dutra, 1987).

 

Para conhecer mais sobre a história de Luigi Cantone, consulte:

 

https://www.institutocisalpina.org/historia.html

 

DUTRA, C.A.S. História e memória de Brasilândia, Volume 1- Pioneiros, Campo Grande: Life Editora, página 301 a 324. Disponível para download em https://www.institutocisalpina.org/Historia-e-Memoria-de-Brasilandia-V1-2Edicao2020.pdf .



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