Luigi Cantone, para além dos
varjões de Cisalpina.
Carlos
Alberto dos Santos Dutra
Quinze
anos antes da emancipação político-administrativa do município de Brasilândia,
um empreendimento de proporções imensuráveis aportou nestas terras trilhadas
tão somente pelos indígenas Ofaié que aqui viviam desde antes do início do
século.
Tratava-se
da ousadia de um homem chamado Luigi
Cantone. Ele havia chegado ao Brasil vindo da Itália no ano de 1952 logo se
dedicando a orizicultura na Fazenda
Olímpia que adquirira no tempo que Brasilândia era um distrito de Três Lagoas.
Mas
este cidadão não se tratava de um homem qualquer. Conhecido mundialmente pelos
feitos realizados durante sua juventude, entre os títulos recebidos foi medalha de ouro na modalidade de espada individual nas Olimpíadas de 1948, realizada em
Londres, na Inglaterra.
Além
da esgrima, orgulhava-se em pertencer
ao Partido da Social Democracia no
país de origem e de ser amigo íntimo de Giovanni
Battista Montini, à época, Paulo VI. De família tradicional, estudioso e
com formação em ciências agronômicas, Luigi
Cantone nasceu em Robbio (Província de Pavia) na Itália, no dia 21 de julho
de 1917.
Era
casado com a senhora Anna Maria
Malinverni que até 2007 morava na cidade de Novara, localizada ao norte da
Itália. Tinha um grande sonho, o de viver e promover as riquezas naturais do
Brasil. E como de fato aconteceu, indo mais longe, naturalizou-se brasileiro na
década de 1980.
Aqui
em Brasilândia, os mais antigos lembram que ele importou da Itália, instalando aqui maquinário
de última geração, único no país, destinado ao beneficiamento do arroz, tendo
construído um verdadeiro santuário arquitetônico, com galpões de porte
admirável em estatura a considerar a época e o lugar onde se encontrava o
empreendimento, num pontinho do centro-oeste da América do Sul.
No
ano de 1957 em um desfile cívico ocorrido na cidade Três Lagoas/MS é possível
ver a pujança e o esplendor daquela época, bem como o maquinário, tratores, colheitadeiras e ceifa
motriz da empresa Cisalpina Agrícola, mostrando seus funcionários -- e possivelmente o próprio Luigi Cantone, em uma das fotos -- sendo
aplaudido pelos populares.
Em
1980, Luigi Cantone recebeu do antigo órgão do Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, o resultado de uma solicitação
sugerida por um de seus administradores, com a concretização de um de seus sonhos.
Já que a área não havia lhe garantido transformá-la em propriedade produtiva na
acepção capitalista do termo, preferiu-a ver transformada numa reserva
ambiental. Através da Portaria nº
068/80-P, de 28 de janeiro de 1980, o presidente daquele órgão, Carlos Neves Galluf, declara, então, a
área da Fazenda Olímpia, e seus 10.631 hectares, como Refúgio Particular de Animais Nativos.
Numa atitude humanista acolheu os indígenas Ofaié, formalizando um contrato com a Funai que concedia uma área de 110 hectares para usufruto dos indígenas, até o alagamento da região pelo fechamento das comportas da Barragem de Porto Primavera, no rio Paraná, garantindo paz e segurança ao desterro da pequena comunidade indígena que fora transferida de Brasilândia para a longínqua Bodoquena em 1978 e que em 1986 havia retornado ao município de seus antepassados.
Ao
destinar pequenas frações dessa extensa área aos indígenas, ou às diversas
pessoas que procuravam o velho Cantone
para praticar o plantio de roças ou para criação de pequena quantidade de gado,
ou ainda pelo fato de tolerar o
convívio com os posseiros que se
instalavam anonimamente dentro de sua propriedade, fez desse homem um cidadão
pouco compreendido e por vezes hostilizado pela comunidade local.
Desiludido
dos negócios e doente Luigi Cantone retornou
para a Itália aonde, no dia 6 de novembro de 1997, veio a falecer, aos 90 anos de idade, na cidade de Casalino (Província de Novara), na
Itália.
Em
2003, ao ser criado o Instituto Cisalpina de Pesquisa e Educação Socioambiental
e Defesa do Patrimônio Cultural de Brasilândia, a ONG local elegeu o nome de Luigi Cantone como patrono da entidade.
Dez
anos após o seu falecimento, uma indicação do então vereador Carlito Dutra foi
apresentada ao deputado Akira Otsubo que propôs o projeto de lei denominando de
Rodovia Luigi Cantone o trecho da antiga avenida Panorama de Brasilândia/MS até a margem do rio
Paraná pela antiga rodovia MS 040 que atravessa a área da Reserva Cisalpina,
hoje de propriedade da Companhia Energética de São Paulo-CESP transformada em
RPPN e que foi federalizada (BR-158).
Foi
uma justa homenagem que o Estado de Mato Grosso do Sul prestou a esse pioneiro
empresário do município de Brasilândia e precursor do ambientalismo responsável
na região do Bolsão Sul-mato-grossense. O projeto foi aprovado e sancionado
pelo governador André Puccinelli, no dia 31 de outubro de 2007, através da Lei
3.430 publicada na primeira página do Diário Oficial do Estado de Mato Grosso
do Sul nº 7.085, de 1º de novembro de 2007.
Há 27 anos, o mundo perdeu um visionário, um grande cidadão. E Brasilândia também: o empreendedor Luigi Cantone que naturalizou-se brasileiro para implantar o maior projeto de desenvolvimento agrícola de orizicultura, na década de 1950, que Brasilândia jamais viu. A ele e seus familiares nossas homenagens póstumas.
Publicado originalmente em 6 de novembro de 2021.
Foto: Luigi Cantone e sua esposa Anna Maria recebem o cacique Ofaié Ataíde Francisco, o padre Lauri Vital Bósio e o agente de pastoral Cecílio, da CPT em Selviria/MS (Foto: Dutra, 1987).
Para conhecer mais sobre a história de Luigi Cantone, consulte:
DUTRA, C.A.S. História e memória de Brasilândia, Volume 1- Pioneiros, Campo Grande: Life Editora, página 301 a 324.
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