Milton Ducatti: um olhar de saudade pelas estradas de
Brasilândia
Carlos Alberto dos Santos Dutra
Bastou olhar para o seu semblante e ouvir suas primeiras palavras para ver que ele carregava nos ombros a bagagem que os anos foram
acumulando, sem se importar muito com o peso e o seu volume. Desde moço fora
acostumado a transportar em seu caminhão fardos sobre fardos de algodão, arroz, amendoim, café, entre outros cereais, que se perdiam nas alturas de seu veículo fazendo a
carroceria empinar devido ao peso.
E nisso ele se tornou experiente. Assim foi com a vida
e o cotidiano dos anos daquele nonagenário que naquela manhã de sábado
dedicou-se a relembrar sua trajetória, até onde à memória lhe permitia o que
lhe causou alegria e satisfação, sentindo-se novamente empreendedor,
negociante, comprador, vendedor e transportador de outrora.
Em suas mãos, levemente trêmulas, segurava firme uma
fotografia antiga onde ele, Milton
Ducatti, chamado pelos amigos de Miltão,
encontrava-se em frente de seu caminhão carregado de algodão, e dividia a
imagem com seus companheiros, o Júlio
Batista, o Cláudião,
um outro rapaz que não lembra o nome, o Maritaca
(Joaquim Pinto Nunes) e o Anísio de Almeida Borges, secretário de
administração municipal na época.
Nascido no dia 12 de maio de 1931, na cidade de Monte
Azul Paulista, na região de Bebedouro/SP, seu Milton Ducatti tinha como pais: Natalina
Pilão Ducatti e Candinho Ducatti.
Seus avós vieram da Itália no final do século XIX e seu pai começou trabalhando
no Brasil como charreteiro transportando professores para a escola, e depois
caminhoneiro transportando produção agrícola.
Ao lado dos sete irmãos – Matilde, Moacir, Judite, Nei, Nadir, Antônio e Anísio -, seu Milton Ducatti
ajudou a mãe a criá-los, desde muito cedo manifestou fascínio pelos negócios e
o transporte de cereais e mantimentos. Depois de deixar o sitio de 12 alqueires
em Monte Azul e se mudar para outro
sitio de 18 alqueires adquirido em Pompéia,
a família passou ainda pela fazenda Sumatra,
de Ariosto Junqueira, antes de
radicar-se definitivamente em Dracena/SP.
Durante a entrevista que nos concedeu há cerca de um
mês, pode-se perceber a facilidade com que ele lidava com os números, as
cargas, o peso, os valores, as áreas, as distâncias, nomes de fazendas, de
pessoas e de fatos acontecidos no passado. Ele os trouxe para o hoje com extrema clareza,
como se estivesse lendo as páginas de um livro. Essa habilidade aplicou-a na
atividade que passou a desenvolver quando adulto no mundo dos negócios chegando
a financiar muitos pequenos sitiantes dando-lhes oportunidade de realizar o
plantio de algodão, café e arroz na região. Com a família já erradicada em Dracena, sua atividade consistia na
entregava a produção agrícola recolhida aqui no então Mato Grosso destinado ao comércio e cooperativas do estado
paulista.
Ele lembra muito bem de uma das primeiras viagens que
realizou com seu pai pelo então distrito de Xavantina
transportando uma carga de arroz, quando se fazia acompanhar do caminhoneiro Vitório, lá pelas bandas da fazenda do
então prefeito Julião de Lima Maia.
Foi nestas viagens que aprendeu com o pai – verdadeiro desbravador do sertão
--, que viu de perto as dificuldades do agricultor para produzir o cereal que
transportava. Juntamente com seu sogro, que também abriu fazendas, plantou café
(que não deu certo), plantou algodão (que rendeu pouco), por fim dedicou-se sobremaneira no transporte com seu caminhão. E à semelhança do pai, sentia orgulho em dizer
que em seus negócios só pagava com
dinheiro vivo.
Outra lembrança que guarda é a de ter adquirido seu
primeiro caminhão, um Ford antigo
1946. Tratava-se dos famosos caminhões Ford G-700, alemães (de Colônia), e que
tinham motor V-6 a diesel, de dois tempos, sendo que se tornou comum no Brasil,
a partir de 1955 substituir a mecânica desses caminhões pelo V-8 à gasolina. Miltão lembra que estes caminhões
surgiram na época da estrada de ferro da alta paulista quando os trilhos
chegaram a Adamantina. Esses caminhões a
diesel soltavam uma faísca de fogo na hora da partida e fazia um barulho
inconfundível; a Paulista comprou uma penca deles, explica.
Recorda que este caminhão gastava uma semana para ir a Angélica para buscar mantimentos,
sorri. Por estas bandas chegou a adquirir uma propriedade, mas acabou perdendo
todo o seu investimento, pois ao confrontar a escritura no cartório foi-lhe
informado que o documento era falso. Carregou muito arroz da lavoura de 60
alqueires dos pais do Irineu Gaiotte, seu
Armando Gaiotte e dona Ilda, e também da fazenda do Wilson de Arruda na região do córrego Boa Esperança, em
Brasilândia. E lá ia Milton Ducatti
pelas estradas em meio ao cerrado, muitas vezes sem almoço, sem janta, longe
de tudo e de todos, recorda.
Corria o ano 1975, e lá se encontrava hospedado por
alguns meses o caminhoneiro Miltão no
hotel do Joaquim Cândido da Silva que
funcionava onde depois se instalou o Mercado
Lisboa, do comerciante Domingos Cristóvão
Lisboa. Foi nesta época que aquele homem que na juventude gostava de
frequentar bailinhos e muito cedo se dedicou ao trabalho e que estudou somente
até o 4º ano primário como era o costume das famílias de imigrantes tinham de
valer-se da força de trabalho da família para conseguir o êxito econômico
esperado, foi nesta época que ele se consolidou como brasilandense.
De fácil comunicação logo se tornou muito conhecido, nutrindo amizade
com todos. Recorda que durante as viagens que realizava regularmente levou de
carona muitas vezes o então estudante universitário professor José Cândido da Silva que frequentava a
faculdade em Dracena. Os nomes e lugares ainda estão muito vivos na sua
memória. Lembra do Donizeti Vituriano,
falecido recentemente, quando ele ainda era moleque e trabalhava no sitio
vizinho do Júlio Batista. Outra
lembrança mostra que o secretário de finanças do município, Anísio de Almeida Borges possuía um
boteco logo na entrada da estrada chamada de Tora Queimada que dava acesso à fazenda Pedra Bonita.
Sobre os laços de família, com a primeira esposa, Lourdes, teve os filhos José Milton, Jair, Lucas e Fátima. Depois de 24 anos de casado,
separou-se e, já no município de Brasilândia conheceu Eva Alves de Freitas, permanecendo juntos desde 25 de maio de 1977,
sendo que nesta bela união, juntos criaram os filhos Edmilson
e Rodrigo permanecendo eternos namorados.
Seu Milton Ducatti trabalhou como caminhoneiro até os 84 anos de idade, quando vendeu o caminhão e aposentou-se. Na data de nossa entrevista contava com noventa anos de idade, vivia das memórias e sementes dos cereais que plantou e rolaram sob a lona e o rodado de seu caminhão que fez história pelas estradas de uma Brasilândia antiga e que já não existe mais.
História de uma Brasilândia, contudo, que ainda é capaz de chorar a
partida de um grande e generoso cidadão desta terra. Descanse em paz saudoso amigo guerreiro Milton Ducatti.
Foto: Milton
Ducatti e seu caminhão, tendo ao lado Júlio Batista; o Claudião; um empregado
(que trabalhou na máquina de arroz do seu Armando Gaiotti); o Maritaca (Joaquim
Pinto Nunes) e o Anísio de Almeida Borges.
Fonte: A história completa de Milton Ducatti pode ser lida em DUTRA. C.A.S. História e Memória de Brasilândia/MS, Volume IV-Desenvolvimento, Capítulo 2-O mundo urbano e rural que nos rodeia, pág. 138-140. (No prelo).
Grande Carlito Dutra
ResponderExcluirGratidão pela homenagem ao nosso guerreiro...
Tenho muito orgulho de ser filho desse guerreiro...
Gratidão
Gratidão
Honrado em ter podido estar com ele nos seus últimos dias (como saber?) e beber na fonte de uma sabedoria e experiência cada vez mais rara nos nossos dias. Orgulho merecido. Parabéns pelo pai. Abraço.
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