quarta-feira, 17 de novembro de 2021

 

Milton Ducatti: um olhar de saudade pelas estradas de Brasilândia

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

Bastou olhar para o seu semblante e ouvir suas primeiras palavras para ver que ele carregava nos ombros a bagagem que os anos foram acumulando, sem se importar muito com o peso e o seu volume. Desde moço fora acostumado a transportar em seu caminhão fardos sobre fardos de algodão, arroz, amendoim, café, entre outros cereais, que se perdiam nas alturas de seu veículo fazendo a carroceria empinar devido ao peso.

E nisso ele se tornou experiente. Assim foi com a vida e o cotidiano dos anos daquele nonagenário que naquela manhã de sábado dedicou-se a relembrar sua trajetória, até onde à memória lhe permitia o que lhe causou alegria e satisfação, sentindo-se novamente empreendedor, negociante, comprador, vendedor e transportador de outrora.

Em suas mãos, levemente trêmulas, segurava firme uma fotografia antiga onde ele, Milton Ducatti, chamado pelos amigos de Miltão, encontrava-se em frente de seu caminhão carregado de algodão, e dividia a imagem com seus companheiros, o Júlio Batista, o Cláudião, um outro rapaz que não lembra o nome, o Maritaca (Joaquim Pinto Nunes) e o Anísio de Almeida Borges, secretário de administração municipal na época.

Nascido no dia 12 de maio de 1931, na cidade de Monte Azul Paulista, na região de Bebedouro/SP, seu Milton Ducatti tinha como pais: Natalina Pilão Ducatti e Candinho Ducatti. Seus avós vieram da Itália no final do século XIX e seu pai começou trabalhando no Brasil como charreteiro transportando professores para a escola, e depois caminhoneiro transportando produção agrícola.

Ao lado dos sete irmãos – Matilde, Moacir, Judite, Nei, Nadir, Antônio e Anísio -, seu Milton Ducatti ajudou a mãe a criá-los, desde muito cedo manifestou fascínio pelos negócios e o transporte de cereais e mantimentos. Depois de deixar o sitio de 12 alqueires em Monte Azul e se mudar para outro sitio de 18 alqueires adquirido em Pompéia, a família passou ainda pela fazenda Sumatra, de Ariosto Junqueira, antes de radicar-se definitivamente em Dracena/SP.

Durante a entrevista que nos concedeu há cerca de um mês, pode-se perceber a facilidade com que ele lidava com os números, as cargas, o peso, os valores, as áreas, as distâncias, nomes de fazendas, de pessoas e de fatos acontecidos no passado. Ele os trouxe para o hoje com extrema clareza, como se estivesse lendo as páginas de um livro. Essa habilidade aplicou-a na atividade que passou a desenvolver quando adulto no mundo dos negócios chegando a financiar muitos pequenos sitiantes dando-lhes oportunidade de realizar o plantio de algodão, café e arroz na região. Com a família já erradicada em Dracena, sua atividade consistia na entregava a produção agrícola recolhida aqui no então Mato Grosso destinado ao comércio e cooperativas do estado paulista.

Ele lembra muito bem de uma das primeiras viagens que realizou com seu pai pelo então distrito de Xavantina transportando uma carga de arroz, quando se fazia acompanhar do caminhoneiro Vitório, lá pelas bandas da fazenda do então prefeito Julião de Lima Maia. Foi nestas viagens que aprendeu com o pai – verdadeiro desbravador do sertão --, que viu de perto as dificuldades do agricultor para produzir o cereal que transportava. Juntamente com seu sogro, que também abriu fazendas, plantou café (que não deu certo), plantou algodão (que rendeu pouco), por fim dedicou-se sobremaneira no transporte com seu caminhão. E à semelhança do pai, sentia orgulho em dizer que em seus negócios só pagava com dinheiro vivo.

Outra lembrança que guarda é a de ter adquirido seu primeiro caminhão, um Ford antigo 1946. Tratava-se dos famosos caminhões Ford G-700, alemães (de Colônia), e que tinham motor V-6 a diesel, de dois tempos, sendo que se tornou comum no Brasil, a partir de 1955 substituir a mecânica desses caminhões pelo V-8 à gasolina. Miltão lembra que estes caminhões surgiram na época da estrada de ferro da alta paulista quando os trilhos chegaram a Adamantina. Esses caminhões a diesel soltavam uma faísca de fogo na hora da partida e fazia um barulho inconfundível; a Paulista comprou uma penca deles, explica.

Recorda que este caminhão gastava uma semana para ir a Angélica para buscar mantimentos, sorri. Por estas bandas chegou a adquirir uma propriedade, mas acabou perdendo todo o seu investimento, pois ao confrontar a escritura no cartório foi-lhe informado que o documento era falso. Carregou muito arroz da lavoura de 60 alqueires dos pais do Irineu Gaiotte, seu Armando Gaiotte e dona Ilda, e também da fazenda do Wilson de Arruda na região do córrego Boa Esperança, em Brasilândia. E lá ia Milton Ducatti pelas estradas em meio ao cerrado, muitas vezes sem almoço, sem janta, longe de tudo e de todos, recorda.

Corria o ano 1975, e lá se encontrava hospedado por alguns meses o caminhoneiro Miltão no hotel do Joaquim Cândido da Silva que funcionava onde depois se instalou o Mercado Lisboa, do comerciante Domingos Cristóvão Lisboa. Foi nesta época que aquele homem que na juventude gostava de frequentar bailinhos e muito cedo se dedicou ao trabalho e que estudou somente até o 4º ano primário como era o costume das famílias de imigrantes tinham de valer-se da força de trabalho da família para conseguir o êxito econômico esperado, foi nesta época que ele se consolidou como brasilandense.

De fácil comunicação logo se tornou muito conhecido, nutrindo amizade com todos. Recorda que durante as viagens que realizava regularmente levou de carona muitas vezes o então estudante universitário professor José Cândido da Silva que frequentava a faculdade em Dracena. Os nomes e lugares ainda estão muito vivos na sua memória. Lembra do Donizeti Vituriano, falecido recentemente, quando ele ainda era moleque e trabalhava no sitio vizinho do Júlio Batista. Outra lembrança mostra que o secretário de finanças do município, Anísio de Almeida Borges possuía um boteco logo na entrada da estrada chamada de Tora Queimada que dava acesso à fazenda Pedra Bonita.

Sobre os laços de família, com a primeira esposa, Lourdes, teve os filhos José Milton, Jair, Lucas e Fátima. Depois de 24 anos de casado, separou-se e, já no município de Brasilândia conheceu Eva Alves de Freitas, permanecendo juntos desde 25 de maio de 1977, sendo que nesta bela união, juntos criaram os filhos Edmilson e Rodrigo permanecendo eternos namorados.

Seu Milton Ducatti trabalhou como caminhoneiro até os 84 anos de idade, quando vendeu o caminhão e aposentou-se. Na data de nossa entrevista contava com noventa anos de idade, vivia das memórias e sementes dos cereais que plantou e rolaram sob a lona e o rodado de seu caminhão que fez história pelas estradas de uma Brasilândia antiga e que já não existe mais. 

História de uma Brasilândia, contudo, que ainda é capaz de chorar a partida de um grande e generoso cidadão desta terra. Descanse em paz saudoso amigo guerreiro Milton Ducatti.

 

Foto: Milton Ducatti e seu caminhão, tendo ao lado Júlio Batista; o Claudião; um empregado (que trabalhou na máquina de arroz do seu Armando Gaiotti); o Maritaca (Joaquim Pinto Nunes) e o Anísio de Almeida Borges.

Fonte: A história completa de Milton Ducatti pode ser lida em DUTRA. C.A.S. História e Memória de Brasilândia/MS, Volume IV-Desenvolvimento, Capítulo 2-O mundo urbano e rural que nos rodeia, pág. 138-140. (No prelo).

2 comentários:

  1. Grande Carlito Dutra
    Gratidão pela homenagem ao nosso guerreiro...
    Tenho muito orgulho de ser filho desse guerreiro...

    Gratidão
    Gratidão

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  2. Honrado em ter podido estar com ele nos seus últimos dias (como saber?) e beber na fonte de uma sabedoria e experiência cada vez mais rara nos nossos dias. Orgulho merecido. Parabéns pelo pai. Abraço.

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