terça-feira, 9 de novembro de 2021

 O impacto da Pandemia sobre a pobreza.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


Falar sobre o impacto da pandemia sobre uma comunidade exige que delimitemos o espaço geográfico onde ele ocorreu. Se falarmos da África, por exemplo, com certeza o impacto será muito mais severo do que nos continentes do chamado 1º mundo.

Isso porque a pobreza tem cor, tem som e tem cheiro nos diferentes lugares da terra. E não furta ninguém de gritar quando os atinge deixando um rastro de dor naqueles que menos tem, por onde passa.

Nas comunidades pobres do Brasil a doença quando chega não discrimina ninguém, porém sua dor é mais perceptível quando avança em direção àqueles que – como se fossem invisíveis --, não percebemos a nossa volta:

É o cinturão de miséria das grandes cidades, a carência e distância dos povoados e aldeias, a solidão da margem dos rios, a insegurança de casas sobre palafitas ou o interior das matas e cerrados deste imenso país de contrastes.

Através de óculos de alcance ainda é possível perceber uma legião de homens, mulheres e crianças em situação de rua, à mercê da proteção do tráfico e violência como única forma de sobrevivência.

Um olhar mais adiante e lá estão as cadeias públicas e presídios abarrotados de jovens, a maioria deles pobres, negros e indígenas trancafiados por um sistema carcerário que não diferencia homens e mulheres não lhes garantindo condições mínimas de sobrevivência.

À exemplo do que ocorreu no restante do mundo, a pandemia causada pelo vírus Covid-19 foi implacável e a todos submeteu.  Porém, aos mais pobres, devido às carências estruturais históricas, seu impacto foi mais profundo e devastador.

No contato com este mal coletivo que as famílias mais pobres perceberam o quanto elas se encontravam desprotegidas e desamparadas, distantes do centro de onde tudo emana, e deram-se conta.

Somente a partir da divulgação dos primeiros óbitos, entre eles, o de seus familiares e amigos é que começaram a abrir os olhos para o problema que sempre os acompanhou: a exclusão social. E partiram em busca de socorro médico.

Em meio à polêmica midiática e dicotomia divulgada entre o descrédito na ciência e crédito em medicamentos ineficazes, patrocinado pelo próprio governo central, uma legião de cidadãos desassistidos, ainda assim, buscou o tratamento exigido.

Graças ao SUS as portas da dignidade estavam abertas para acolhê-los. Desde o menor posto de saúde do minúsculo município do país até o hospital do grande centro urbano, lá estava todo o aparato clínico para acolhê-los.

Eram enfermeiros, auxiliar de enfermagens, médicos, farmacêuticos, motoristas, serventes, fisioterapeutas, voluntários, atendentes que deram tudo de si para proteger e salvar vidas.

Se por um lado a pandemia retirou do convívio público e coletivo milhares de pessoas, em razão das medidas restritivas sanitárias, por outro lado, fortaleceu os laços familiares e de vida em grupos fazendo-os a repensar suas formas de viver.

A própria doença, o acompanhamento aos internados, o isolamento imposto e os gestos de solidariedade praticados, tudo contribuiu para que o valor da vida fosse repensado e o zelo e o afeto se tornassem o que mais importava nesses momentos.

A cada óbito contabilizado – foram mais de 600 mil mortos no país--, uma família desestruturou-se. Chorou, sofreu, rezou pelo seu ente querido que partiu. Mas acabaram se conformando, dado o forte sentimento de fé religiosa que move o povo brasileiro.

O impacto da pandemia sobre a pobreza, portanto, deixou marcas que os demais, mais abastados, jamais entenderão.  Isso porque em muitos casos esses perdiam tudo. Como se um vendaval lhe arrebatasse a casa, destruindo seus alicerces.

Foram tiradas vidas de quem só tinha ela como garantia para continuar vivendo. Foram mães-chefes de família que deixaram seus filhos na tenra idade, órfãos. Foram filhos que tiveram de enterrar tão cedo os pais, mesmo sem tender direito o que ocorria.

O impacto que a pandemia causou na sociedade, pode-se dizer, mostrou também que o Brasil e sua diversidade tem rosto de esperança e tem voz. Saíram de seus nichos e deram-se as mãos em busca de apoio dando-se a conhecer.

Sobretudo com o advento da vacina, onde a grande maioria, sobretudo os mais idosos, apostou na esperança e vieram receber a 1ª, a 2ª e a 3ª dose do imunizante, sorrindo, viesse de onde fosse.

Se por um lado a pandemia mostrou um divisor de águas entre pobres e ricos; entre os que acreditavam na ciência e os que eram contra ela; por outro lado o combate ao Covid-19 revelou o quanto houve avanço no campo da saúde.

O impacto da pandemia sobre a pobreza em termos numéricos, somente o IBGE pela realização de um novo censo previsto para 2022 certamente poderá contabilizar. Porém, as consequências do desemprego, a recessão e a fome que assola os mais pobres, salta aos olhos e é impossível não percebe-la quando andamos nos mercados e nas ruas. 

Também há de se considerar o quanto de poder de resiliência a população mais despossuída economicamente demonstrou nestes dois anos de sofrimento. E ainda assim foi capaz de superar as dificuldades e adaptar-se às novas realidades existenciais, por mais desafiadoras que fossem.

Em contrapartida, no outro lado da balança, a pandemia garantiu, por mão inversa, ao setor mais abastado da sociedade (os ricos, empresários, industriais, bancos, mídia e governantes) poder locupletar-se ainda mais, perpetuando a injustiça social, através do aumento abusivo de preço dos produtos e serviços, o que prolongou ainda mais a dor e o sofrimento dos mais pobres.

Por fim, cabe lembrar que o impacto da pandemia sobre a humanidade revelou o quanto a vida é tênue e a sobrevivência de cada ser humano depende do esforço criativo de todos. E deixou-nos uma severa lição: a urgência de colocarmos em prática instrumentos e sistemas de equidade que garantam a preservação da vida e a sobrevivência de nossa casa comum, o planeta.

 

Foto: Getty Images. Valor Invest, Globo, 2020. Cf. https://valorinveste.globo.com/mercados/internacional-e-commodities/noticia/2020/10/07/covid-19-pode-jogar-150-milhoes-de-pessoas-na-extrema-pobreza-ate-2021.ghtml

 

Brasilândia/MS, 9 de novembro de 2021.

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