segunda-feira, 11 de março de 2024

 

O Povo Ofaié e o dia do retorno ao lar

Carlos Alberto dos Santos Dutra


Corria o dia 11 de março de 1996, há 28 anos, portanto, e aquelas pessoas, muito cedo, já amontoavam suas tralhas e pertences, postando-se na beira da estrada a espera do caminhão. Um a um iam chegando, carregando nos ombros o resto de suas vidas.

Eram latas de óleo transformadas em copos, panelas encarvoadas pela ação do fogo de chão, roupas surradas fruto da caridade alheia, alguns arcos e colares de contas silvestres, e almas feridas de tanto tempo de exílio e espera de um raio de luz que lhes apontasse à dignidade pela fresta do barraco de sapé.

Mas seus rostos tímidos sorriam numa alegria contagiante e encabulada, como que se desculpando pelo cadinho de felicidade que experimentavam naquele dia histórico de suas vidas. Afinal, foram 10 anos de luta e espera para que pudessem voltar a pisar o solo de seus antepassados.

Depois de tantas andanças, desde Bodoquena, para onde foram transferidos pela Funai em 1978, ao retornarem em 1986, experimentaram verdadeira via crucis como peões em fazendas – São Paulo, Almeida, Pirajuí, Três Morrinhos, Santa Cecília --, até a barranca do rio e Cisalpina de onde ecoou grito Ofaié: Aganíe! Quando foram ouvidos e seus direitos por fim garantidos: estavam a um passo de realizá-lo nas proximidades do córrego Sete, o berço Ofaié, ali, onde tudo começou.

A data da transferência da comunidade Ofaié desde a barranca do Rio Paraná para a Aldeia Anodhi encravada nos 442 hectares adquiridos pela Cesp e doados à Funai, é um marco a ser festejado. Pois foi a partir da conquista desta área contigua ao território tradicional Ofaié que a identificação e delimitação da área da Terra Indígena Ofaié Xavante, pela Funai, se concretizou.

Mais que um pedaço de terra a esses pioneiros caçadores e coletores da margem direita do Rio Paraná, a retomada a seu antigo território, permitiu aos Ofaié proclamar ao mundo sua existência e obter o reconhecimento da parte do Estado como povo, como entidade étnica, pondo por terra velhas teses antropológicas e históricas que os davam como extintos.

Hoje, a comunidade Ofaié, ao lado de seus patrícios Guarani Kaiowá e Ñhandeva, que vivem na Aldeia Anodhi, em Brasilândia/MS, experimenta um novo tempo, cuja autoestima e a confiança em si mesma foi resgatada e revitalizada. Vive novas práticas e valores cultivados pela juventude das gerações que dia após dia florescem no rumo da sustentabilidade e autodeterminação.

Novos tempos e horizontes que os colocam, hoje, mais do quer nunca como sujeitos de seu próprio destino e história. Parabéns Povo Ofaié.

Brasilândia/MS, 11 de março de 2024.

Mudança de Bodoquena (Miranda) para Brasilândia


Acampamento Ofaié no Posto Fiscal Cisalpina - Balsa do Rio Paraná

Área cedida por Luigi Cantone aos Ofaié (Fazenda Cisalpina)


Mudança da Fazenda Cisalpina para a Aldeia Anodhi


Inauguração da Aldeia Anodhi doada pela Cesp

Grupo de Trabalho Identificação Terra Indígena Ofaié Xavante





Nenhum comentário:

Postar um comentário