O Povo Ofaié e o dia do retorno
ao lar
Carlos Alberto dos Santos
Dutra
Corria o dia 11 de março de 1996, há 28 anos, portanto, e aquelas pessoas, muito cedo, já amontoavam suas tralhas e pertences, postando-se na beira da estrada a espera do caminhão. Um a um iam chegando, carregando nos ombros o resto de suas vidas.
Eram latas de óleo
transformadas em copos, panelas encarvoadas pela ação do fogo de chão, roupas
surradas fruto da caridade alheia, alguns arcos e colares de contas silvestres,
e almas feridas de tanto tempo de exílio e espera de um raio de luz que lhes apontasse à dignidade pela fresta do barraco de sapé.
Mas seus rostos tímidos
sorriam numa alegria contagiante e encabulada, como que se desculpando pelo cadinho de
felicidade que experimentavam naquele dia histórico de suas vidas. Afinal, foram 10 anos de
luta e espera para que pudessem voltar a pisar o solo de seus antepassados.
Depois de tantas andanças,
desde Bodoquena, para onde foram transferidos pela Funai em 1978, ao retornarem
em 1986, experimentaram verdadeira via crucis como peões em fazendas – São
Paulo, Almeida, Pirajuí, Três Morrinhos, Santa Cecília --, até a barranca do rio e Cisalpina
de onde ecoou grito Ofaié: Aganíe! Quando foram ouvidos e seus direitos por fim
garantidos: estavam a um passo de realizá-lo nas proximidades do córrego Sete,
o berço Ofaié, ali, onde tudo começou.
A data da transferência da
comunidade Ofaié desde a barranca do Rio Paraná para a Aldeia Anodhi encravada
nos 442 hectares adquiridos pela Cesp e doados à Funai, é um marco a ser
festejado. Pois foi a partir da conquista desta área contigua ao território tradicional
Ofaié que a identificação e delimitação da área da Terra Indígena Ofaié
Xavante, pela Funai, se concretizou.
Mais que um pedaço de terra
a esses pioneiros caçadores e coletores da margem direita do Rio Paraná, a
retomada a seu antigo território, permitiu aos Ofaié proclamar ao mundo sua
existência e obter o reconhecimento da parte do Estado como povo, como entidade étnica, pondo por
terra velhas teses antropológicas e históricas que os davam como extintos.
Hoje, a comunidade Ofaié, ao lado de seus patrícios Guarani Kaiowá e Ñhandeva, que vivem na Aldeia Anodhi, em Brasilândia/MS, experimenta um novo tempo, cuja autoestima e a confiança em si mesma foi resgatada e revitalizada. Vive novas práticas e valores cultivados pela juventude das gerações que dia após dia florescem no rumo da sustentabilidade e autodeterminação.
Novos tempos e horizontes que os colocam, hoje, mais do quer nunca como sujeitos de seu próprio destino e história. Parabéns Povo Ofaié.
Brasilândia/MS, 11 de março
de 2024.
Inauguração da Aldeia Anodhi doada pela Cesp
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