Quaresma é tempo de prestar atenção
Carlos Alberto dos Santos Dutra
Um texto divulgado pela Santa Sé ainda no ano de 2012, no tempo do saudoso Papa Bento XVI, refletia sobre o acontecimento chamado Quaresma. Em que pese esta seja uma data no calendário cristão que a sociedade
nem sabe direito o que é e como ele é construído (mas sabe muito bem aproveitar
o feriado que o antecede e prepará-la para o
consumo da Páscoa), urge, por derradeiro, ainda refletir-se um pouco mais sobre este tema.
O texto assinado pelo então Benedictus XVI reflete sobre uma passagem
bíblica pouco explorada por nós católicos. “Prestemos atenção uns aos
outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras” (Heb 10, 24). Pois
é com essa preocupação que, nesta última semana da Quaresma, às vésperas da
Páscoa, proponho discorrermos sobre o que o Papa chamou de "o cerne da vida
cristã: o amor".
--Mas como falar de amor num mundo tão cheio de ódio e violência gratuita,
mundo onde todos caminham de pedras nas mãos e correm o risco de ser assaltados
e mortos a cada instante em cada esquina?
O sumo pontífice parece não se importar com o grito do cidadão e segue sua
homilia dizendo que esse tempo de Quaresma "é propício para renovarmos,
com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho pessoal e
comunitário de fé. Trata-se de um percurso marcado pela oração e a partilha,
pelo silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal".
Mas ele, o Papa, se importa mais do que pensamos. Ele ouve o grito do povo lá
fora, e vê com óculos de alcance, muito além de nós: a mãe famélica e doente no
mais fundo da África, a criança órfã e mutilada na guerra interminável do
Oriente, a criança e o jovem usado e abusado, consumido e corrompido pela droga
e rio de sangue provocado pela disputa e combate a esse estado de coisas. Ele
ouve, curva-se sobre si, e chora.
Mas encontra forças, também para orar. Recorre neste tempo de penitencia
e oração, apresentando-nos a bela Carta aos Hebreus: “Prestemos atenção uns
aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras” (10, 24). "Esta
frase aparece inserida numa passagem onde o escritor sagrado exorta a ter
confiança em Jesus Cristo como Sumo Sacerdote, que nos obteve o perdão e o
acesso a Deus. O fruto do acolhimento de Cristo é uma vida edificada segundo as
três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade".
Neste artigo falaremos rapidamente da primeira parte do versículo 24,
onde está escrito: “Prestemos atenção”. A expressão nos quer falar da
responsabilidade que devemos ter com o próximo, com o irmão.
A exegese nos mostra que o primeiro elemento é o 'convite'
(prestar atenção). "O verbo grego usado, explica o texto, é
'katanoein', que significa observar bem, estar atento, olhar
conscienciosamente, dar-se conta de uma realidade. Encontramo-lo no Evangelho,
quando Jesus convida os discípulos a 'observar' as aves do céu, que não
se preocupam com o alimento e, todavia, são objeto de solícita e cuidadosa
Providência divina (cf. Lc 12, 24), e a 'dar-se conta' da trave que têm
na própria vista antes de reparar no argueiro que está na vista do irmão (cf.
Lc 6, 41). Este verbo no dia de hoje nos convida a fixar o olhar no outro (...)
e a estar atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e indiferente ao destino
dos irmãos".
Isso porque vivemos um mundo cada vez mais preocupado com o que é
excêntrico e extravagante, mais preocupado com o silicone que nos torna belos e
o celular que nos conecta ao mundo, pouco importando o sofrimento que passa a
nossa volta. Não falo dos problemas sociais, políticos ou econômicos que nos
consomem e nos diminuem a cada ano, falo do que diz respeito à condição humana,
da falta de solidariedade e de fraternidade.
Diz o texto ministerial que, "com frequência, prevalece a
atitude contrária: a indiferença, o desinteresse, que nascem do egoísmo,
mascarado por uma aparência de respeito pela 'esfera privada'. Por isso neste
tempo da Quaresma ressoa, com vigor, a voz do Senhor que chama cada um de nós a
cuidar do outro. Também hoje Deus nos pede para sermos o 'guarda' dos nossos
irmãos (cf. Gn 4, 9), para estabelecermos relações caracterizadas por recíproca
solicitude, pela atenção ao bem do outro e a todo o seu bem".
O que nos moveu nestes 40 dias e 40 noites de oração, jejum e
penitência, sem dúvida, deve ter sido a humildade de coração e a experiência
pessoal do sofrimento que podem, precisamente, revelar-se fonte de um despertar
interior para a compaixão e a empatia: “O justo conhece a causa dos pobres,
porém o ímpio não o compreende” (Prov 29, 7). "O fato de 'prestar
atenção' ao irmão inclui, igualmente, a solicitude pelo seu bem espiritual".
E aqui, recorda o Papa, um aspecto da vida cristã bastante esquecido: "a
correção fraterna, tendo em vista a salvação eterna".
Serve-nos de alento as palavras da Sagrada Escritura: “Repreende o
sábio e ele te amará. Dá conselhos ao sábio e ele tornar-se-á ainda mais sábio,
ensina o justo e ele aumentará o seu saber” (Prov 9, 8-9). "O
próprio Cristo manda repreender o irmão que cometeu um pecado (cf. Mt 18, 15).
O verbo usado neste caso para exprimir a correção fraterna – elenchein –
é o mesmo que indica a missão profética, própria dos cristãos, de denunciar uma
geração que se faz condescendente com o mal (cf. Ef 5, 11)".
A Quaresma nos faz lembrar também a tradição das obras espirituais de
misericórdia da Igreja, entre elas, a de “corrigir os que erram”. É
importante recuperar esta dimensão do amor cristão. "Não devemos ficar
calados diante do mal. Penso aqui --confessa o Papa--, na atitude daqueles
cristãos que preferem, por respeito humano ou mera comodidade, adequar-se à
mentalidade comum em vez de alertar os próprios irmãos contra modos de pensar e
agir que contradizem a verdade e não seguem o caminho do bem".
Diz o apóstolo Paulo: 'Se porventura um homem for surpreendido
nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi essa pessoa com espírito de
mansidão, e tu olha para ti próprio, não estejas também tu a ser tentado'
(Gl 6, 1). "Neste nosso mundo impregnado de individualismo, é
necessário redescobrir a importância da correção fraterna, para caminharmos
juntos para a santidade".
Um mundo renovado exige dos cristãos, por conseguinte, um renovado
testemunho de amor e comprometimento com o Outro. Oxalá este apelo de conversão
ressoe forte junto a todos na celebração da Páscoa, razão de ser da Quaresma
que vivemos.
É mano
ResponderExcluirQue bom divulgar o significado da quaresma
Pois nessa quaresma tem muito mais casas noturnas cheias de baladas do que igrejas com fiéis orando...
Lembro quando era pequeno que na quaresma não podíamos ir no clube Apolo dançar
O respeito e a importância da quaresma era vivido por quase todos ...
Parabéns mano por essa publicação para que não nos esqueçamos da importância desse período de oração .
Bjs
Obrigado mano. Feliz Páscoa.
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