Era uma vez um pirilampo
encantado
Carlos Alberto dos Santos Dutra
(Carlito)
--Mamãe, estou com frio. A voz, em tom de murmúrio, parecia falar com a silhueta das mãos estendidas que era projetada na parede, ao fundo daquela placa de trânsito na beira da estrada.
Tal qual uma criança perdida
de seus pais, enquanto a tarde declinava, sonhava ainda vê-los vindo em seu
socorro para aquecê-la do frio e da solidão que sentia.
Só que as luzes dos faróis
dos veículos, cada vez mais velozes, já não lhe permitia ver imagens familiares, a exemplo daquelas que sua mãe lhe ensinara com as mãos desenhando figuras
imaginárias sob a luz da lua, num tempo que já vai longe.
De súbito, desperta de seu
esquecimento e não se vê mais uma criança entre fraldas e cueiros, aquecida e
querida por um par de olhos maternal. O que sente é uma espada de dor que a transpassa pelas costas provocada pelo frio que lhe invade o corpo e a alma.
Não. Não mais se encontra
entre os seus e seus afetos. Olha ao seu redor e não encontra mais nada,
somente o silêncio da noite e o rumor dos veículos e sua pressa. Percebe, então, que está terrivelmente só e perdida naquele lugar.
Leva a mãos à cabeça comprimindo com os dedos a fronte, e busca lembrar: --Lembrar o que?, se pergunta. --Quem
sou eu? --Como vim parar aqui? --Para onde vou? Qual será o meu fim? Angústia e
medo lhe tomam de assalto sufocando-lhe o peito e impedindo-a de respirar.
Tem vontade de gritar, mas
já não tem forças. Levantar e acenar, no meio da noite, também
lhe é tarefa impossível pois seu corpo todo dói, sobretudo os braços e a ponta
dos dedos encarangados de frio. Assim, só lhe resta olhar para o Céu.
A noite avança e o ruído dos
carros dão lugar ao canto dos pássaros noturnos, a bulha das águas do rio que
adiante corre, o som dos grilos, os pirilampos e o coaxar das rãs que habitam as áreas úmidas do lugar que integram a sinfonia rural própria da noite, e que são audíveis somente
quando o silêncio que habita em nós e ao redor se cala.
Seu corpo está gelado. Ainda assim, acomoda-se em meio a vegetação rasteira e viçosa que circunda a placa de
trânsito que lhe dá abrigo. Se recosta ali e, sentindo o calor da mãe terra, e quiçá o rumor de asas celestes, adormece.
Adormece e sonha. Sim,
sonha. Porque sonhar não é proibido a nós humanos, à semelhança dos pássaros
quando se veem libertos de suas gaiolas e prisões, dos maus tratos e do
esquecimento dos seus.
Sim, ela sonha com aquele
vestido floreado, cheio de rosas vermelhas e fundo verde que usou no dia do aniversário de uma de suas filhas. Num outro momento já se encontra correndo
pelos campos floridos cheios de cachos de pompons brancos como o algodão que seus pais colhiam em sua faina diária.
E assim, a noite ruma em direção à aurora. É quando o frio já não lhe paralisa mais o corpo e uma sensação de conforto lhe faz companhia. O sol já havia nascido e lhe iluminava a face tornando-a brilhante e com o rubor radiante de uma juventude que já foi sua.
A estrada, em todo o seu percurso estava coberta de
rosas, da mesma cor do vestido que usara um dia. E toda enfeitada de flocos brancos de
algodão que a transformava numa espécie de anjo.
Sentindo-se menina novamente, levanta-se e sai trilhando aquela estrada, colhendo uma rosa aqui
outra acolá. Saltitante, sorri, parecendo uma criança que voltava para casa para
abraçar a família depois de uma travessura realizada por aí.
E assim o fez. Entrou correndo
em casa e diante daqueles olhares aflitos, dos pais e dos irmãos maiores, correu ao seu encontro de braços aberto e disse
a todos: --Eu estou aqui. Eu estou bem e feliz. E entregou a eles um ramalhete de rosas
pedindo que fizessem o mesmo, um dia, a seus filhos e netos, desculpando-se.
--O nome desta mulher? Cada um
de nós hoje pode pronunciá-lo em segredo em suas orações: Elvira, com saudade e emoção... Mas, como
saber se este pirilampo encantado não anda por aí saltitante e feliz dentro de nossas próprias casas e dentro de nossos corações?
Brasilândia/MS, 14 de agosto
de 2024.
Foto: Um
menino correndo em uma estrada de terra com os braços estendidos. | Foto
Premium (freepik.com)
Cf. https://carlitodutra.blogspot.com/2022/07/homenagema-dona-elvira-e-sua-nova.html
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