quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

 

Relembrando a Fanfarra Municipal de Brasilândia.

Carlos Alberto dos Santos Dutra




 

A história da FAMBRA, Fanfarra Municipal de Brasilândia, se confunde com a história do município, pois esteve sempre presente nos grandes momentos cívicos e comunitários da cidade. Desde antes de sua fundação, no ano de 1983, na administração da prefeita Neuza Paulino Maia e, depois, a partir de 1989, sob o impulso do prefeito José Cândido da Silva, a Fanfarra Municipal sempre prestou relevante serviço à municipalidade despertando a música e o sentimento de patriotismo a crianças e jovens que, ao longo de seus mais de 40 anos de existência, passaram por ela.

Uma rápida olhada no álbum de fotografia do passado e lá encontramos um jovem brasilandense integrante da banda num desfile cívico de 7 de setembro de 1965, ano da emancipação do município que se desvinculava de Três Lagoas, com seu bumbo cuja inscrição Fanfarra de Brasilândia plasmada sobre a pele leitosa do instrumento, já demonstrava a força criativa e musical desta cidade, sob o zelo do primeiro prefeito José Francisco Marques Neto. 

Roda o moinho do tempo e, ao lado de seus coordenadores, instrutores e maestros, o que os munícipes viram ao longo da história era a presença da FAMBRA em eventos cívicos e culturais, promovendo a arte, a disciplina e a formação de jovens para o futuro. Com o mérito de não fazer qualquer tipo de distinção étnica, econômica, social ou confessional, sempre promoveu dezenas de jovens brasilandenses alimentando sua autoestima e incentivando os dotes musicais e artísticos de cada um, graças ao empenho e dedicação das administrações pública e seus dirigentes.

As páginas dos periódicos locais sempre deram muita divulgação às apresentações da Fanfarra Municipal de Brasilândia, até mesmo porque, mantida pela municipalidade, sempre esteve presente nos eventos oficiais, festividades e comemorações, marcando presença e abrilhantando a arte e o orgulho de ser brasilandense. E sempre conquistando diversos prêmios estaduais e regionais, o que justificava o empenho de cada administração municipal que sempre buscou equipá-la com instrumentos e uniformes que a projetaram no cenário artístico levando alto o nome de Brasilândia.

Entre os coordenadores e maestros que dirigiram a FAMBRA é impossível não lembrar o nome daqueles que colocaram este símbolo da cultura local na posição de destaque valorizando o que foi, por muito tempo, o grande orgulho dos brasilandenses, escreveu o Jornal de Brasilândia por ocasião do 39° aniversário da cidade. Na oportunidade o periódico enalteceu os maestros que passaram pela FAMBRA, entre eles o maestro Jehú Vieira Serrado, lembrando quando este, à frente da fanfarra simples de Brasilândia competiu brilhantemente com uma das maiores fanfarras do Brasil, a FACMOL, de Pereira Barreto. 

Inicialmente sob a batuta do grande maestro Jehú Vieira Serrado e direção do professor de música, Mário Nelson da Silva; depois dirigida pelo maestro Alcides Magalhães e coordenação de Edvanir Aparecida Boldoni Borges; depois, Marcos Alves Juremeira e coordenação de Miguel Régis de Oliveira; e depois pelo maestro Carlos Alberto Nascimento...

E assim foram passando os anos. Entre os prêmios conquistados, encontramos um registro em 20 de novembro de 1999, quando a FAMBRA conquistou um honroso 2° lugar no Concurso de Bandas e Fanfarras realizado na capital do Estado. Notícia mais recuada que mereceu destaque na imprensa data de 1991 foi quando, o então prefeito municipal, Prof. José Cândido da Silva comemorou em praça pública o 1º aniversário de fundação da FAMBRA. Ele quis dizer, com certeza, aniversário de refundação, uma vez que foi em sua gestão, iniciada em janeiro de 1989, que a banda assumiu o rosto de fanfarra simples. 

Nesta ocasião o prefeito lembrou que a música era de todas as artes a que mais enobrece e aquela que melhor traduz os anseios de nossa alma. Até os povos de civilização rudimentar a cultivam, quer para recreio do espírito, quer para incentivo na luta. Não a desdenham tampouco nos seus ritos religiosos. Antes, e a história o confirma, fez sempre parte dos cerimoniais sacros (...). Estou certo que a Fanfarra Municipal de Brasilândia-FAMBRA, concorre grandemente para elevar o nome de nossa cidade. E concluiu em tom professoral: Que Euterpe, deus da música, vele sobre este punhado de abnegados que, embora roubando algumas horas de seus afazeres ou de seus ócios, se propõe a dotar esta terra desse melhoramento, orgulho de todos nós. 

Sem dúvida a FAMBRA representa orgulho para todos os brasilandenses, sendo uma colecionadora de prêmios, tendo recebido inúmeros títulos e se apresentado em diversas cidades do Estado. Em 1999 consagrou-se campeã no Estado de Mato Grosso do Sul, em evento realizado na Capital, Campo Grande, conquistando o 1º lugar na categoria Juvenil, tendo também conquistado o 1º lugar no âmbito das Fanfarras e 1º lugar de Maestro, Prof. Marcos Alves Juremeira. Na ocasião a FAMBRA inaugurou orgulhosa os equipamentos novos:  dois saxofones, três cornetões, seis cornetas e um carrilhão, adquiridos pela administração da época. 

Foi um tempo de ouro onde se acumulavam títulos. Em 2000 a FAMBRA participou na cidade de Goiânia-GO, do 8º Concurso Nacional de Bandas e Fanfarras Cidade de Goiânia, evento que reuniu as 35 melhores bandas e fanfarras de todo o Brasil. Na categoria Juvenil que contou com a participação de sete fanfarras, a FAMBRA conquistou honroso segundo lugar, algo que veio coroar o trabalho da equipe e da comissão coordenada pelo senhor Miguel Régis de Oliveira, tendo como Instrutor Regente, o maestro Marcos Alves Juremeira, lembrou a secretária de Promoção Social na época, Márcia Regina do Amaral Schio, hoje prefeita municipal de Brasilândia. O evento que teve repercussão nacional, chegou a ser manchete no Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão. 

Sim. Aquele tempo de ouro pode estar voltando. É o que a harmonia dos sons e o talento musical dos artistas de Brasilândia já percebem circular, tocados pela brisa dos novos tempos no ar. Abrir os canais do diálogo com o governo federal e estadual, e buscar a captação de recursos e incentivo para se investir numa atividades cultural que faz parte do DNA desta Cidade Esperança -- o talento musical --, é a redençãoÉ a certeza de que valeu a pena esperar. E acreditar que, parafraseando o poeta Fernando Pessoa, tudo vale a pena se a alma não é pequena,   

Dia 27 de fevereiro, quinta feira, às 18:30 (MS) todos estão convidados a participar na Câmara Municipal de Brasilândia de uma Audiência Pública sobre os recursos da Política Nacional Aldir Blanc-PNAB que trará luz e sonoridade aos antigos sonhos da FAMBRA, promovendo-a, à semelhança de uma Fenix, possibilitando-a abrir suas asas para vê-la renascida e transformada quiçá em uma Banda Marcial, o que há muito já estava a merecer esta graduação.


Brasilândia/MS, 26 de fevereiro de 2025.


Fonte: Confira o restante desta história em História e Memória de Brasilândia, Vol. 2-Patrimônio, pág. 115-122.



quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

 

Rodovia Luigi Cantone, a estrada Parque de Brasilândia
Carlos Alberto dos Santos Dutra










Corria o ano de 2007 e, por indicação da Câmara Municipal de Brasilândia/MS, na condição de vereador, solicitei à Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul a apresentação de um Projeto de Lei denominando de Luigi Cantone o trecho de cerca de 18 km da então Rodovia MS-040 que atravessava toda a extensão da área de 22.866 hectares da Reserva Cisalpina, na época de propriedade da Companhia Energética de São Paulo-CESP e em via de se transformar numa Reserva Particular de Proteção Natural-RPPN. 

Conferia-se, assim, a justa homenagem que o Estado de Mato Grosso do Sul prestava ao pioneiro empresário italiano naturalizado brasileiro do município de Brasilândia e precursor do ambientalismo responsável na região do Bolsão sul-mato-grossense. 

A causa foi abraçada pelo brilhante e dedicado parlamentar, líder do PMDB na Assembleia Legislativa do Estado à época, Deputado Estadual Akira Otsubo, a quem coube apresentar o Projeto de Lei, em cuja minuta colaborou na sua redação o Instituto Cisalpina de Pesquisa e Educação Sócio Ambiental, patrono da propositura apresentada pelo então vereador Carlito Dutra. 

O Projeto recebeu o nº 149/2007 tendo sido lido, analisado e aprovado em tempo recorde, e sancionado pelo então Governador do Estado, André Puccinelli, no dia 31 de outubro de 2007, através da Lei nº 3.430, e publicada na primeira página do Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul nº 7.085, de 1º de novembro de 2007. 

A Lei Estadual 3.430, de 31/10/2007, assim, denominou Rodovia Luigi Cantone o trecho da Rodovia MS-040 com início na cabeceira da ponte sobre o rio Paraná até o início do perímetro urbano do município de Brasilândia-MS, onde essa rodovia se encontra com a Avenida José Estevam da Silva Filho. 

No ano seguinte, esta rodovia foi federalizada por força da Portaria nº 170, de 03 de julho de 2008, do Ministério do dos Transportes/DNIT (DOU de 17/07/2008), que incorporou à BR 158/MS (ligando na sua maior extensão o Estado do Pará até o Rio Grande do Sul) sob jurisdição federal os trechos das rodovias estaduais MS 395 (em 60,9 km) e MS 040 (em 19,5 km) no Estado de Mato Grosso do Sul. 

Tudo consubstanciado no Extrato de Transferência de Patrimônio nº 01/2009, no qual o estado de Mato Grosso do Sul “transferiu parte do patrimônio constituído da Rodovia MS 395 (...) e parte do patrimônio constituído da Rodovia MS 040, no trecho Brasilândia/Divisa SP-MS, numa extensão de 18 km (...) incorporados à malha rodoviária federal na BR 158 MS, através da Portaria nº 170, de 03/07/2008, do Ministério dos Transportes”. 

Desde então, nos anos que se seguiram, o Instituto Cisalpina veio buscando o entendimento dos órgãos estadual e federal no sentido de ver efetivada e definitivamente implantada a nomenclatura desta rodovia neste trecho em obediência à Lei Estadual que a denominou Rodovia Luigi Cantone. 

Em 13 de março de 2013 o Instituto Cisalpina recebeu o Ofício nº 217/13, do Deputado Federal Vander Loubet comunicando ter encaminhado correspondência ainda em 29/09/2011, ao Sr. Marcelo Miranda, então coordenador do DNIT em Campo Grande "indagando sobre a existência ou não de óbices quanto á denominação da rodovia Luigi Cantone, em trecho que especifica", e na sequência comunicava estar oficiando o atual Superintendente Sr. Euler José dos Santos "para que se manifeste sobre o anterior ofício e o atual". 

A questão apresentada à época foi reiterada através de ofício indagando ao superior do DNIT "se existe algum óbice para a mantença da denominação de LUIGI CANTONE à rodovia correspondente ao trecho acima descrito ao tempo da MS-040, agora incorporada ao Patrimônio da União à BR-158". Na oportunidade solicitou o Deputado Federal Vander Loubet, a informação "se era preciso aguardar algum outro ato que sacramentasse de vez essa incorporação já materializada". 

De sorte contrária, aventou ainda o Deputado Federal pelo Mato Grosso do Sul, "por evidente que a nossa pretensão é a de formalizar Projeto de Lei nesse sentido, ou seja, garantir o nome de Luigi Cantone ao trecho da atual BR-158, de aproximadamente 20 km, entre a ponte Brasilândia/Paulicéia até o perímetro urbano de Brasilândia-MS". 

Razão pela qual, na época, foi reiterado o pedido, através de carta aberta, novamente solicitando informações sobre o andamento daquele pleito. O pedido que aqui novamente ganha lume através do presente artigo, prende-se ao desejo da comunidade local, pelas mãos do DNIT, ver colocadas placas educativas e de sinalização alertando os motoristas para o risco de atropelamento de animais e acidentes neste trecho onde a estrada transpassa essa verdadeira Área de Preservação Ambiental mencionando também a nomenclatura oficial da supracitada rodovia.



Brasilândia/MS, 20 de fevereiro de 2025. Publicado originalmente em http://institutocisalpina.org/rodovia_luigi_cantone.html, em 20 de fevereiro de 2019.

 

Zé são-paulino: a alegria e o adeus
Carlos Alberto dos Santos Dutra

Tem pessoas que passam pela vida da gente; outras ficam guardadas no fundo do coração. São imagens, gestos e sons, frutos de nossos encontros e que absorvemos no cotidiano das relações com os amigos e parentes, e até de nossos desafetos que, nem sabemos o porquê, vão se aninhando e se aquerenciando em nosso peito e acabam posseiros para sempre, nutrindo nosso carinho, respeito e bem querer.

José Sebastião Sobrinho era uma dessas pessoas. Conhecido como Zé são-paulino, por razões óbvias, o conheci logo que aqui cheguei, no ano de 1986. Homem honrado, à moda antiga, de palavra e que primava pela honestidade, era querido por todos. A família que o perdeu naquela sexta feira, dia 15 de fevereiro de 2014, de triste memória, só tem de se orgulhar deste patriarca cujo trabalho e a alegria sempre foram a sua maior virtude. É exemplo para todos.

No campo das ideias, por ser petista de carteirinha, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, ao lado de Irineu de Souza Brito. Entusiasta das reuniões e militância daqueles bons tempos, quando a estrela ainda defendia com bravura os pequenos em face da ditadura, quando a frestinha da liberdade e da justiça recém começava a aparecer, mesmo aqui, na longínqua Brasilândia-MS. Eta! militância de garra, quanta saudade!

Particularmente travei com ele amizade desprendida e, ao mesmo tempo, engajada. De aparência juvenil e de falar fluente, sob a aba do chapéu, poucos lhe davam valor à distância. Mas, depois de conhecê-lo e ouvir de perto sua voz, descobriam que ali, atrás daquelas feições frágeis, se escondia um grande homem e um coração imenso. Sobretudo para os que mais precisavam e os que buscavam a ajuda que nunca faltava.

Certa feita, no auge da luta dos índios Ofaié com a poderosa CESP e uma enchente que inundou as margens do rio Verde e Paraná, em 1999, foi Zé São-paulino que abriu os braços para colher o desterro dos primi ocupandi desta comunidade. E lá estava ele, zeloso, abrindo uma exceção junto ao seu patrão, na fazenda Santa Cecília, lá para os lados da Três Morrinhos, cedendo uma área para alojar os índios, mesmo que tivéssemos à época de lavrar um contrato de arrendamento para a exploração agrícola, para que os indígenas pudessem plantar arroz, diga-se de passagem, uma das melhores colheitas que os Ofaié tiveram naquele ano.

Homem disposto e desprendido nos seus negócios e sábio na lida e a vida no campo, foi o orgulho e a alegria de sua família. Mesmo depois do infortúnio daquele acidente que marcou seu coração com uma cicatriz e lhe tirou o brilho da vida, preocupação e arrependimento que carregou até seus últimos dias. Fica a saudade e a alegria para aqueles que o viram sempre solícito, otimista e esperançoso; sempre buscando inteirar-se das notícias e dos acontecimentos ligados às lutas do povo e às conquistas do partido dos trabalhadores, demonstrando ser um cidadão engajado, desses que já não se fazem mais.

Passados 11 anos de sua partida, há de descansar em paz o amigo Zé são-paulino. Com as condolências e sentimentos daqueles que o conheceram à seus familiares. Partiu, com certeza, sereno e confiante esse nosso militante, de lutas e de sonhos, levando consigo a nossa dor e saudade, para a querência do Céu. Amém.

Brasilândia/MS, 17 de fevereiro de 2025.


domingo, 16 de fevereiro de 2025

  

O voluntariado e a limpeza do rio Verde

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

O que faz um grupo de pessoas se mobilizar em torno de uma causa nobre? Que mistério encerra a condição humana que é capaz de se desprender para se dedicar a realizar algo grandioso? 

Consultamos o alto de nossos brios e laços do coração para entender o porquê pessoas praticam semelhante gesto de filantropia e altruísmo quando o objeto de suas ações não se destinam a uma pessoa ou algo minimamente palpável? 

Ainda mais um gesto gratuito e desinteressado feito em favor de quem comprovadamente nada de material pode dar em troca. Algo semelhante a dar esmolas ou agasalho a um mendigo que bate à nossa porta, cujos nossos olhos repousam e seu hálito de abandono nos sensibiliza. 

Ainda que este gesto último corra o risco de, um dia, ser reconhecimento e o beneficiado possa vir a externar alguma gratidão por ter recebido a benesse, tal situação aqui não ocorre: a oferta se dirige a um ser despido de humanidade e ornado somente com as cores que a mãe natureza o criou e desenhou; reveste-se, pois, de dimensão meramente cósmica e ontológica.

Mas eles estavam lá, solícitos e dispostos, lançando seus barcos nas águas, sem se importar muito com o número daqueles que aderiam àquela ousadia. Todos imbuídos de um vigor e alegria que contagiava os que se encontravam nas margens daquele rio chamado Xiurú, na linguagem Ofaié rio escuro, em razão de suas águas de outrora deslizarem rasas sobre as pedras que lhe davam um colorido turvo, o que tornava aquele rio em alguns pontos perigosos e de forte correnteza. 

Hoje, suas águas deslizam mansas, imperceptíveis, por conta da represa da barragem da hidrelétrica de Porto Primavera que transformou o caudaloso rio Paraná e rio Verde num grande e estático lago de milhares de quilômetros que cobriram casas, ranchos, olarias e matas de suas margens, que contornam a saudosa lembrança dos ribeirinhos e pescadores. 

Os barcos a motor e a remo partem rio abaixo e rio acima, e seus condutores devidamente equipados com seus salva-vidas, carregam sacos plásticos recolhendo o lixo acumulado e deixado por pescadores, banhistas, acampamentos e turistas que circulam pelas águas e margens desse rio. 

A experiência de outros anos de limpeza dava a certeza de ali encontrar: latas de cerveja e refrigerante, garrafas de vidro e plástico, trapos de roupas, restos de comida, sofás velhos boiando nas águas, até fraldas descartáveis e preservativos, frascos de remédios e tantos outros objetos lançados ao rio e levado pelas águas que jazem acumulados nas barrancas deste rio. 

Tudo é recolhido com obstinado zelo pelos voluntários, também por via terrestre, pela margem do rio, sendo o material conduzido e diligentemente trazido até o atracadouro da Jaboticabeira ali sendo colocado em caçambas para ser posteriormente descartado ou reciclado. 

Naquele domingo a natureza estava em festa. Recebia o fiel grupo dos amigos integrantes da Associação dos Pescadores e o grupo Curva de Rio, para prestar homenagem àquele manancial de vida e realizar o belo trabalho de limpeza que o grupo repetia todos os anos, sempre de forma voluntária e graciosa. 

Expressão de gratidão ao rio pelo muito que ele tem feito àqueles que por ali passam e buscam o frescor de suas sombras, que buscam paz e o silêncio das águas, para o seu lazer, a pesca e recolher o alimento saboroso de suas águas: o peixe, podendo ali mesmo ser preparado e degustado sem cerimônia alguma, como uma dádiva de Deus. 

Gesto também que é uma forma de chamar a atenção da comunidade brasilandense e da região, sobre a importância da conservação dos mananciais de águas, desde os pequenos córregos até os encorpados rios, que precisam de proteção e cuidados, sobretudo as suas nascentes e matas ciliares. 

A ação deste grupo voluntário é uma bênção para os que amam a natureza. E para os demais, um lenitivo para os descuidados e desatentos para a importância de se manter o rio Verde vivo. É nestas águas que sobrevivem os rebentos neste berçário de vida essencial para a continuidade e fartura da pesca e, por conseguinte, para sobrevivência do homem. 

Parabéns Associação dos Pescadores, Grupo Curva de Rio, voluntários e participantes, entidades e instituições públicas como as Secretarias Municipais da Prefeitura Municipal de Brasilândia que deram o suporte e apoio para que este evento solidário ocorresse repleto de êxito, o que a natureza agradece.


Brasilândia/MS, 16 de fevereiro de 2025.

Foto: https://www.facebook.com/jeffinhoson.brasilandia

Associação de Pescadores e Curva de Rio

 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

 

O lamento da Árvore da Onça

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

Lá está ela, cansada de seus longos anos. Muitos contemplaram seus antepassados, por entre o cerrado dos sertanistas que chamavam esta Copaíba (Copaifera langsdorffii), de Árvore da Onça e Pau Óleo da Folha Miúda. Era uma centelha de vida. Agora ela corre o risco de morte e desistir de vez da vida, ainda que contra a vontade. 

Já não têm forças seus galhos para socorrer e dar abrigo aos pássaros do rigor da chuva e do impetuoso vento que lhe açoitava o tronco. O vigor de outrora transformara-se numa lembrança, uma saudosa sombra talvez. 

A ocupação antrópica à sua volta, aos poucos foi ceifando seus rebentos pequenos, ramos parentes ligados a uma rede altiva de linhagem verde e majestosa que cobria a distância da paisagem a perder de vista. Agora, tudo ao seu redor se tornou escasso e solitário. 

O que restou da antiga Copaíba são as marcas visíveis da antracnose e resinose, doenças fitossanitárias silenciosas que provocam a morte de sua seiva, definhando os tecidos de seu lenho. 

O que resta, sentencia o técnico ambiental dedicado que a analisa, é a inexorável podridão geral da bitola de seus galhos. A saia adensada do seu corpo inclina-se para a direita e suas folhas, a poucos metros do chão, precipitam-se sobre o terreno em declive. 

Sem qualquer preocupação de preservação ambiental, loteamentos imobiliários são traçados a partir de planilhas todo cifras do alto de escritórios de engenharia, com raras exceções, pouco se importando com a terra e a vida verde que do papel grita para ouvidos moucos. 

A majestosa Copaíba será removida e pouco ou nada poderá ser feito. Um gesto intempestivo do técnico que o lamento assiste, entretanto, parece semear uma réstia de alento e esperança àquela espécie. 

Ele pede ao proprietário do lote, onde a árvore se encontra, que aguarde mais uns dias, para que as sementes desta espécie cumpram o seu ciclo natural e sejam liberadas ao vento, permitindo serem recolhidas e plantadas. 

E assim, a natureza possa ver os filhos dessa mãe nascer, crescer e saber de seu gesto heroico de resistência e adeus. 

Igual a essa Copaíba, dezenas, centenas de árvores são removidas em lavouras, florestas plantadas, assentamentos, loteamentos, jardins e praças, todos os dias e noites. 

A mão que toca aquele tronco sólido que pode ter o dobro da idade do homem que pede a sua supressão, há de sentir a força que vem da terra e fazê-lo produzir, permitindo dela nascer outras tantas Copaíba que, enfim, restarem.

Para o técnico em Agropecuária, Jorge Luís da Silva. 

Brasilândia/MS, 12 de fevereiro de 2025.




segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

 

O menino e a alegria de seu Teixa e dona Tina.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 








Diz o ditado que “o trabalho dignifica o homem”. A frase cunhada pelo sociólogo Max Weber sempre foi um lema para aquela família que, mesmo sem conhecer o economista alemão falecido em 1920, contemporâneo de seus ancestrais, sempre soube enfrentar o desafio das intempéries e o devaneio dos homens, suas guerras e lutas intestinas. 

Agora, o clima é de paz e segurança nutrido pela lembrança das águas e a abundância do mar que abranda sua fúria e descansa calmo no espraiado da areia. Tudo ao redor é graça e beleza que permite a leveza dos passos descalços alcançar o frescor da vida e a felicidade de se estar em casa e ter um lar. 

O olhar da mãe contempla aquele menino de olhos azuis e pele muito clara, num tom próximo ao rosado, que sorri e corre entre as rosas do quintal da casa. Dona Albertina, sempre preferiu rosas à outras flores, embora a todas elas dedicasse atenção e cuidado. Parecia que elas entendiam o seu jeito de ser e viver.  

Ao lado do esposo, cultivava uma vida simples, comum a maioria dos imigrantes do seu tempo, e que se encontravam espalhados por aquele imenso país chamado Brasil que os acolheu indistintamente, mesmo que tivessem de alojar-se em lugares distantes num cantinho daquela imensidão de terras sertão a dentro. 

Um apito alto e retumbante a faz despertar do presente e, numa onda de nostalgia e saudade que lhe percorre a espinhas, se descobre nos braços do vento que a embala sustentada pela quilha do navio que avança. Deixa para trás, por entre as brumas, as lembranças do avô Christian Landgraf, da mãe Antônia Landgraf Braun e do pai Fernando Braun 

Albertina Landgraf Braun Höffig, alcunhada ainda pequena com o nome de Tina, parece ver, pelos olhos do  esposo, o passado de insegurança e medo que já não existe mais. Seu Cristiano Höffig, que recebeu o apelido de Teixa na fazenda Criciumal, em Pirassununga, cidade onde nasceu, ainda guarda na memória a profissão de cuteleiro do pai, Floriano Louis Höffig, que herdou do avô Augusto Höffig, na distante Zossen, Brandemburgo, Alemanha. 

Pirassununga foi uma das cidades do interior paulista que mais recebeu imigrantes alemães, suíços e austríacos que se instalaram na região como trabalhadores nas plantações de café, e que aos poucos foram incorporados à população local, a ponto de os descendentes das gerações seguintes esquecerem por completo o idioma alemão. 

O navio já não avança mais pelas águas da insegurança e não há mais medo à sua frente. O menino Arthur Höffig, nascido no dia 21 de maio de 1912 não recorda o temor da 1ª guerra que abalou o mundo durante a sua infância. O braço firme do pai, em seus sonhos, com certeza o fez crescer forte, à semelhança de um cutelo forte, de cabo de madeira e aço bem afiado para desvendar o mundo e transformá-lo num homem. 

O menino que corre à sua frente e é observado pela sua irmã Ondina já não se encontra mais aqui. Tampouco os olhos daquela mãe perfumada e carinhosa para afagar o cabelo de seu menino. Dona Tina faleceu em 1984, aos 94 anos de idade, porém, ainda em tempo de dar seu último adeus ao filho Arthur, falecido no dia 28 de abril de 1983 em Cornélio Procópio. 

Hoje, a família Höfig festeja a memória dos feitos de um menino que não desistiu de sonhar. Libertou suas asas planando sobre o passado hostil deixando-as livres para voar. O filho do cuteleiro Cristiano Höffig, tornou-se professor, aviador, servidor público, agricultor e pecuarista; fundador de instituições, cidades, fazendas e empresas, cujo nome é ostentado em ruas e avenidas, prédios, bustos e portais de cidades, tudo em sua homenagem. 

Seu Teixa e dona Tina, têm razões de sobra para festejar no céu, com alegria e júbilo, os feitos de seu pequeno grande Arthur: ele cresceu e causou, enquanto viveu, toda a alegria que um pai e mãe poderiam desejar. 

Aqui em Brasilândia, este pioneiro construtor da cidade, e que em 10 de fevereiro de 1950, aos 37 anos de idade, teve a ousadia de fundar a empresa que hoje aniversaria é o grande homenageado e merecidamente saudado. 

Os sonhos do menino Arthur perenizaram no tempo pelos laços de sangue dos que herdaram a fibra cuteleira do avô e bisavô empreendedor e patriarca desta marca que pode, sim, ser com orgulho pronunciada: Agropecuária AH!

Brasilândia/MS, 10 de fevereiro de 2025. 

Homenagem aos 75 anos da Agropecuária AH. 

Fonte: História e Memória de Brasilândia, Vol. IV – Desenvolvimento, pág. 125s, e Vol. I - Pioneiros, pág. 122s; Site da Árvore Genealógica Hofig; Pirassununga | imigracaoalemasp. 

 

 

O mestre, a música e as begônias.
Carlos Alberto dos Santos Dutra



Durante a vida cruzamos com pessoas de todo o tipo. Existem aquelas triviais que no corre-corre do dia a dia cumprimentamos no portão de nossa casa ou indo e voltando para o serviço. São pessoas que pouco sabemos e por educação as cumprimentamos desejando apenas um sonoro bom dia ou boa tarde. E só. 

Do portão para dentro de nossas casas, ou na intimidade de nossos diálogos, muito pouco sabemos ou falamos sobre elas. E na maioria dos casos isso não é importante, pois a relação que travamos com elas são superficiais e não adentram a derme de nossas emoções e sentimentos. Não existem laços maiores que nos unem, a não ser o fato de serem nossos semelhantes, cristãos ou não, merecedores de nossa atenção e respeito.

Existem, entretanto, outras pessoas que pelo simples fato de vê-las, já nos toca o coração. Não, não estou falando de desvalidos, pedintes e excluídos que batem à nossa porta pedindo um pedaço de pão. Não, não estou falando daqueles vendedores de sonhos ou pregadores de produtos outros, para o estômago ou a alma, que insistem, nos finais de semana, em nos oferecer um agrado ou conforto, a custo de algum trocado ou minuto de atenção.

Falo daquelas pessoas que um dia marcaram nossas vidas, e ao vê-las, nos faz pulsar o peito. Às vezes, não foram uma, nem duas vezes, mas várias vezes, dias e anos, que se fizeram presentes e nos fizeram nutrir sobre elas especial respeito e carinho. Algo inexplicável, divino, talvez, que nos inspira naquele momento – ao vê-la --, e saudá-la, entusiasticamente.

Pois bem, com ele foi assim. E olha que nem bem o conhecia direito e eis que recebo a notícia que ele se vai, já se foi. Não, não falo de uma partida definitiva para o cosmo ou para além. Falo da distância física, de alguns quilômetros, entre uma cidade e outra, que passaram a nos separar de alguém muito especial e querido.

Nesta altura do texto, o leitor já está ansioso para saber quem é a pessoa. Pois bem, direi em seguida. Não sem antes falar de sua importância para nossa comunidade no tempo em que aqui esteve. O tempo que aqui ele também foi aluno e professor. O tempo que aqui plantou e floresceu também...

Sim, não sou sabedor de uma milésima parte de sua vida. Apenas meus olhos contemplavam sua passagem, suas ações e seu sentimento que transparecia nos gestos, num relance, instantâneo, quase imperceptíveis. Mas o suficiente para marcar presença e deixar plasmar a aura de luz que irradiava aos que se encontravam a sua volta.

Sim, pode ser que poucos percebessem isso, mas havia sim uma aura de luz a sua volta. Apesar de aparentar pouca idade, o tempo vivido mostrava o quanto aprendera com o passar dos anos, aqui e além mar. Por outras terras, por outros sois, nascentes e candentes com paz de espírito e meditação.

Tal qual um monge, lá está nossa personagem dedilhando liras. Dedos contorcidos. E não sem dor, fazem desprender do pinho a música celeste, sublime, que encanta a alma e alegra as molduras do universo.

Sim, lá está o nosso mestre com mãos de fada a promover a cura, espalmadas, silenciosas, profissionais e profundas, recompondo a vida, aliviando dores, cativando a saúde por vezes debilitada de quem o procurava. Verdadeiro maestro regendo a orquestra da natureza, saudando a flor, conclamando o amor, num simples gesto de um douto e modesto professor.

Sim. É este homem que nos acostumamos a vê-lo entoando e cantando salmos e canções que nos tocavam a alma, nas celebrações, nos eventos de toda a ordem que abrilhantou pelos quatro cantos da comarca. Muitas vezes escondidos nos planos e o brilho dos flashes e luzes artificiais. Sim, é este homem, de luz própria, que, hoje, queremos homenagear.

Mestre da medicina alternativa capaz de aliviar a dor e distorções da saúde de nossa gente. Mestre na música de sensibilidade capaz de alegrar os anjos do céu e da terra. Mestre da palavra que marcou presença e serviço nos cerimoniais da vida civil e particular. Mestre do comprometimento social ao engajar-se em prol da natureza, fundando e dirigindo entidades e associações.

Mestre da caligrafia, cuja suavidade e beleza das formas encantavam os olhos e a mente dos leitores, dando vida a trilha das letras, serelepes sobre o papel. Mestre da solidariedade ao dedicar-se, com altruísmo e modéstia, às entidades de filantropia e apoio à saúde e ao bem estar do cidadão a qualquer tempo.

Pois bem. Este é o cidadão que, para cumprimentá-lo pela manhã ou à tarde, agora, teremos que fazer uma pequena viagem de alguns quilômetros até o estado de São Paulo.

Mas, enquanto isso, se não for possível saudá-lo, ainda que pelo WhatsApp, podemos elevar a Deus uma prece de agradecimento a este senhor e sua esposa que conosco conviveram e nos brindaram com seus dons, espiritualidade, exemplo de vida e a riqueza de um jardim de begônias, cujo perfume ficou para trás, no coração de cada um de nós.

Assim como em outros tempos de partida e de chegada experimentado pelo mestre, ele sempre permanecerá por aqui, onde conquistou um rol de amigos e admiradores. Sei que vais, mas sei também que vais ficar, meu irmão.

Obrigado Mário Nelson da Silva pela amizade. Desejamos todo o sucesso neste seu sempre novo desafio como profissional, pai de família e cidadão. Temos certeza que tua trilha será coroada de êxito e bênção. Grande abraço.

Publicado originalmente em 24 de setembro de 2019.

Fonte: https://www.institutocisalpina.com/o_mestre_a_musica_e_as_begonias.html

 

domingo, 9 de fevereiro de 2025

 

Hospital Municipal Dr. Júlio César Paulino Maia:  37 anos de história.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

O dia 8 de outubro de 1988 não foi um dia comum para os brasilandenses, num tempo em que sua população ainda era de poucos fogões. 

Há dois anos já me encontrava por aqui e pude presenciar o colorido que envolvia este dia. Os mais antigos haverão de recordar com mais propriedade, sobretudo os personagens que ainda não soçobraram pela ação do tempo. 

A prefeita da época, Neuza Paulino Maia, tendo como secretário Municipal de Obras, seu filho, o engenheiro Marco Antônio Paulino Maia e secretário Municipal de Saúde, o médico Dr. Paulo Carlos Veron da Motta, o descerramento da placa aconteceu com pompa e circunstância; placa inaugural que até hoje se encontra no hall de entrada sob o pórtico de acesso ao interior deste pioneiro e único hospital de nossa cidade.  

Fato curioso para aquele tempo é que, no dia de sua inauguração, pode se observar a presença de representantes da comunidade indígena Ofaié no evento. Elas foram trazidas desde a barranca do rio Paraná por este escrevinhador, então  indigenista do CIMI, especialmente para participar da inauguração. 

Para os anais da história, registre-se que o convite partiu da própria prefeita que demonstrava à época, estremo cuidado e zelo a esta comunidade autóctone, dispensando atenção a esses indígenas que há pouco haviam retornado do exílio e buscavam abrigo em sua terra natal. 

Registre-se que prefeita municipal chegou a envidar esforços junto ao Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, que tinha à frente na época o historiador Hildebrando Campestrini, para ver publicado o livro “Ofaié, morte e vida de um povo”, primeiro registro sobre a história dos Ofaié de Brasilândia, onde esta prefeita fez questão de dedicar as palavras: “Com esta obra, a Prefeitura Municipal de Brasilândia resgata a memória de seus primeiros habitantes e devolve ao povo desta terra a dignidade e o respeito que lhe são devidos”. 

Nos primeiros cinco anos de existência deste hospital, seu corpo clínico era formado pelos médicos Dr. Jordoval Lima, Dr. Paulo Carlos Veron da Motta, Dr. Antônio de Pádua Thiago, Drª. Selma Regina Pereira, Dr. Cézar Gonçalves e Dr. Antônio Carlos Monteiro, contratados em 1993. 

A partir de 1997, passou a contar com um total de 16 profissionais na área de enfermagem e um quadro funcional de 35 servidores. Atuavam na instituição nesta época os médicos: Dr. Vanderley Gonçalves Coubassier, ginecologista e obstetra; Dr. Antônio de Pádua Thiago, pediatra e anestesiologista; Dr. José Echeveria Rueda, clínico geral; Dr. Douglas Henry Borges, pediatra e anestesiologista; Dr. Oswaldo Pereira, médico legista; Dr. Ivan L. Daur de Medeiros, ginecologistas e obstetra, entre outros. 

Depois, fixaram-se como médicos: Dr. Issan Farez; Dr. Samuel Peclat de Oliveira; Dr. Jordoval de Lima (que retornou a Brasilândia em 2007); Dr. Katsumi Hiraide; Drª Ana Maria Tamashiro; Drª Maria Aparecida Marques; Drª Patrícia Abud Chinaglia; Drª. Marisa dos Santos Feiten, ginecologista, entre outros. 

No ano de 2003, por força da Lei nº 2.014/03, o uso do imóvel Hospital Municipal Dr. Júlio César Paulino Maia e seus bens foram cedidos com permissão de uso para à Associação Beneficente Dr. Júlio César Paulino Maia, permanecendo até os dias atuais. Na época o hospital dispunha de 20 leitos sendo 11 do SUS e 09  para convênios, com 02 apartamentos particulares. 

Quanto às finanças do hospital, no ano de 1997 a entidade sobrevivia com apenas R$ 15 mil reais mensais, valor já naquela época insuficiente para honrar a folha de pagamento dos funcionários que chegava a casa dos R$ 8 mil reais mensais, além de despesas com aluguel da casa dos médicos plantonistas, a compra de medicamentos, alimentação e combustível para o transporte de pacientes. 

No ano de 1998, num relatório de atividades da Secretaria Municipal de Saúde, o hospital registrava ter realizado durante o ano 5.133 consultas médicas; 502 exames de ultrassom; 73 partos normais; 86 partos cesáreos; 1.345 internações hospitalares, e 90 cirurgias. Nesta época, o Secretário Municipal de Saúde, era o Dr. Alberto Kobayashi e a prefeita Marilza Maria Rodrigues do Amaral; foi quando se estabeleceu em definitivo a municipalização da Saúde que permanece até os dias atuais (...).


O restante desta história sobre os pioneiros da Saúde em Brasilândia pode ser conferido no livro História e Memória de Brasilândia/MS - Volume III – Cidadania, páginas 142-147 que ainda espera o apoio cultural (um patrocinador) para ser impresso e distribuído graciosamente à população.

Por ora, ele pode ser consultado na Biblioteca Municipal Professora Abadia dos Santos, de Brasilândia. Ou adquirido em História e Memória de Brasilândia/MS Volume 3-Cidadania, por Carlos Alberto dos Santos Dutra - Clube de Autores.


Abaixo, o Quadro dos Dirigentes da Associação Beneficente Hospital Dr. Júlio César Paulino Maia, de Brasilândia que atuaram até o ano de 2021. 


Fonte: Livro de Atas/Cortesia Marcilene Lopes Pereira

 

sábado, 8 de fevereiro de 2025

 

O Guardião das Sementes Crioulas.

Carlos Alberto dos Santos Dutra.



O asfalto ficou para trás. E a poeira da estrada por um bom trecho acompanhava o olhar daquele jovem que desvendava amiúde o interior daquele torrão ainda desconhecido.

Cana, muitos pés de cana de açúcar de um lado da estrada contrastavam com a outra margem daquela via, que mais parecia uma linha, muito reta, costurando as bordas do progresso e da civilização.

Eram sítios e chácaras, vestígios de um antigo assentamento, onde pequenos lavradores desafiavam o vento e o deserto verde à sua frente, buscando produzir o alimento que o tanque de combustível não come.

Os agricultores iam chegando. O assentamento Regência, no município de Paulicéia-SP, naquela manhã era o centro da terra e das atenções. Não, não havia jornalistas ou imprensa no local para relatar essa ousadia. Eventos dessa natureza não costumam ser bem-vindos aos olhos dos empresários, donos das terras e dos meios de comunicação social, como se dizia antigamente.

Mas o coração da vida pulsava e a esperança estava plantada ali. Tinha nome e sobrenome. Razão suficiente para angariar simpatia, apoio e homenagem de ação de graças.

Aos olhos do homem simples, que se contenta com o pouco que Deus lhe dá e o muito que isso representa, aquele encontro era como uma oportunidade de falar e denunciar, conclamar e reivindicar. Mas, acima de tudo, brindar e celebrar; festejar a caminhada e a parceria alcançada. Por isso estavam ali.

E foi assim que seu José Luiz das Chagas, sua família, vizinhos e amigos daquele assentamento abriram as portas do seu santuário para apresentar a todos o seu maior tesouro. Relíquia já partilhada desde há muito por aqueles que um dia disseram: --basta ao alimento de papel. Plantas transgênicas,  chega! Agrotóxicos, nunca mais! Queremos vida saudável. Queremos semente que geram vida saudável.

E lá estava o jovem Christian, coordenador diocesano das Comunidades Eclesiais de Base-CEBs da Diocese de Marília-SP; o padre Severino, expoente da Comissão Pastoral da Terra no Estado de São Paulo; o padre Domingos e seu carisma e violão presidindo a celebração, ao lado do pastor da Igreja Batista e este diácono escrevinhador, todos saudavam aquele dia de luz.

Em meio as palestras, discursos, músicas e poesias, o tema das sementes crioulas foi conquistando os corações daqueles, ainda distantes e pouco envolvidos com o candente tema da vida. Vida em abundância que insiste brotar de uma natureza em luta, fonte de todos os recursos cada vez mais dilapidados. 

E a maior de todas as lições que nos foi ensinada pelos nossos pais..., mas que logo esquecemos: guardar uma parte da colheita de hoje para o próximo plantio de amanhã.

Eis o segredo, o tesouro escondido e protegido pelos guardiões das sementes. A ciência de saber selecionar cada espécie mais produtiva e reservá-la para o plantio cada safra sob o império do sol.

Sim, recorda a professora Izabel Castanha Gil--a vida moderna alterou os nossos hábitos. O aumento da população e a rotina urbana nos distanciou da produção de nossos próprios alimentos, o que nos impõe usar cada vez mais a razão e a sensibilidade. Grandes desafios requerem pequenas soluções que irradiam e transformam o todo.

Seu José Luiz, com lágrimas nos olhos desabafa sobre o desalento que vê: --o inconveniente das monoculturas que favorecem as pragas e estimulam o uso de venenos. Tudo isso custa caro e, apesar do aumento da produção e da produtividade, a agricultura industrializada que conhecemos hoje, não garante a mesa farta para todos. Se a gente não planta, a cidade não janta.

É verdade, confirma o padre Severino--a ciência tem dado respostas no rumo da produção com tecnologias cada vez mais sofisticadas, porém, tudo isso é insuficiente, pois as novas sementes produzidas são manipuladas geneticamente, perdendo as características originais. Além do mais vivemos um mercado injusto que requer seja mudado.

A causa é justa. E o cultivo das sementes crioulas se apresenta como resposta virtuosa ao império da máquina que alimenta gente e bicho, tudo igual. Porque para o agricultor, o cultivo direto e as trocas amistosas, é mais que simplesmente colocar a semente no chão. Trata-se de uma visão de mundo que valoriza a harmonia entre a natureza, a saúde e a solidariedade.

Durante aquele belíssimo encontro, rico em experiências vividas pelos participantes e partilhadas no diálogo entre os produtores, acadêmicos e instituições ali presentes, a mesa servida era farta com produtos da roça, esbanjando o vigor da natureza, fruto de sementes que expressam a biodiversidade do lugar onde nasceram e oferecem-se, uma vez colhidas e guardadas, como um precioso banco de germoplasma para a presente e futuras gerações.

Parabéns seu José Luiz, familiares e amigos, entidades e apoiadores deste evento. Obrigado pelo convite. A pajada dita lá no seu santuário segue AQUI numa modesta homenagem.

 

Homenagem ao Sr. José Luiz
Guardião das Sementes Crioulas

1-Amigos aqui presentes
Peço licença um momento:
Algo no meu pensamento
Me diz aqui pra falar.
Nesta hora homenagear
Um homem que com razão
Chamado de guardião
Das sementes que conhece
Elevo a Deus uma prece
Agora que celebramos
Abre a alma do paisano
Que nesta hora saúda
Pedindo aos Céus sua ajuda
Para estes rostos contentes
Festejando a semente
Crioula, plantada no chão.
Não por acaso, irmão:
Esforço de algum vivente
Que pôs a mão no batente
Algo como uma Oração.

2-A vida seguia em frente
Para o roceiro Luiz
Parece, foi Deus que quis:
Sua vida abençoar
E com Ele poder contar
Parceiro de fé e luta
Por ser homem de labuta
Vivia do leite e gado
Depois, viu o campo semeado:
Arroz, feijão, amendoim,
Urucum, vassoura, aipim.
Isso sem falar no queijo
E os doces benfazejos
Primorosamente feitos
Mãos da patroa, perfeitos
Que ao lado do seu Luiz
Tinha uma família feliz
Sem botar nenhum defeito.

3-Mas lá no fundo existia
Uma ânsia de crescer
Diversificar pra valer
Toda a sua produção.
E lá vai o nosso irmão
Seu Luiz no Sindicato
Delineou novo formato
Agricultura familiar
E um novo despertar
Rumo à agro ecologia
O raiar de um novo dia
Ver o sítio sustentável
Com manejo, admirável
E todos que se achegavam
Com ele já festejavam
A luta que começava
Na semente que plantava
Crioula, para o futuro:
Um alimento mais puro
Que a todos alegrava.

4-Um novo tempo surgiu
Parido no Assentamento
Regência, e seus rebentos
Que nasceram no caminho
Partilhados com carinho
Tornaram verde a paisagem
Estudos, palestras, viagens
Verdadeiro movimento
Que levou conhecimento
Ao governo estadual
O apoio municipal
Que soube estender a mão
E aprender a lição
De propor vida saudável
Como política viável.
Sem falar das entidades:
Paróquia, universidade
Parceiros e apoiadores
Assentados, lavradores
Setores da sociedade.

5-Sim, a terra é nossa casa!
Disse certa vez seu Luiz
E hoje destampa a raiz
Daquele sonho primeiro
Quando ainda era roceiro
E já cuidava o terreno:
Alimentos sem veneno
Sementes crioulas pra vida
Nossa terra prometida
Transgênico: nunca mais
Agrotóxicos, ficou pra trás.
Deus te abençoe e te guarde
Siga a vida sem alarde
Confie no Deus pequeno
Pois nosso Pai Nazareno
Sabe sempre o que faz:
E se achou que és capaz
De tamanho compromisso:
Que não te falte serviço
Neste santuário de paz.

 

Publicado originalmente em Paulicéia-SP, em 19 de agosto de 2019.

Fonte: https://www.institutocisalpina.com.br/os_guardioes_das_sementes_crioulas.html