sexta-feira, 15 de julho de 2022

Testa sem rugas é sinal de indiferença

 

Testa sem rugas é sinal de indiferença
Carlos Alberto dos Santos Dutra.



Em tempo de paz é fácil escrever coisas poéticas, falar de flores e pássaros ao cair da tarde. Mas como disse Bertolt Brecht, em alguns momentos falar de flores é quase um crime... pois significa silenciar sobre tantas injustiças.

Os tempos sombrios que vivemos, cumpre lembrar, não nos permitem uma linguagem sem malícia, e tampouco uma testa sem rugas, que pode ser sinal de indiferença. Porque, completa o nosso dramaturgo alemão, aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.

O tema soa como um alerta, que há tempo vem sendo dado, falado e bradado aos quatro ventos: nosso manancial de água está se esgotando e em breve vamos disputar manu militari por milímetros de água. E os governantes e a sociedade civil, ao que parece, ainda não caíram na real e permanecem apenas num suposto discurso politicamente correto.

Os mananciais de água potável literalmente não caem do céu. Eles brotam da terra, do esforço e sensibilidade dos homens que ouvem o acalanto das matas e o sonido dos rios. Por isso devemos preservar as fontes de vida, nascentes e olhos d'água que ainda querem chorar e brotar vida.

Alguém pode estar achando que isso é papo de ecologista utópico e que tudo isso é balela da esquerda que é contra o desenvolvimento. Enquanto ele come e bebidança e ri... e fica feliz com o que tem.

Mas, como lembra o nosso poeta, novamente ele: --Como é que posso comer e beber, se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? --Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede?.

Sei que esse senso de justiça não alcança a todos e o eco de minhas palavras - como as de Bertolt Brecht -, correm o risco de ser levadas pelo vento ou consumidas pela ideologia bélica em voga que nos afasta uns dos outros cada vez mais.

Florestas protegem mananciais, isso sabemos. Por isso, insisto, sobretudo com os mais jovens que estão de olhos muito abertos e atentos para a loucura praticada por seus pais e padrinhos, governantes e seus empreendimentos, comensais da morte, que não se fartam com o crescimento... até quando?, impedindo a todos de pensar e decidir.

No caso da urbe local, modestamente, ouso conclamar com a voz que ainda nos resta: que se envidem esforços públicos e privados na preservação das matas ciliares e margens dos córregos e rios que nos rodeiam e que aos poucos estão se despedindo de nós.

Córrego da Aviação e Córrego Jardim, cujas nascentes pedem socorro, eles estão gotejando o líquido precioso pelas encostas descampadas desde o centro da cidade, e nos pedem licença para se revigorar e avançar em direção ao Reassentamento Pedra Bonita, Santana e Santa Emília, com um mínimo de dignidade, até cair nos braços da Reserva Cisalpina e o imenso lago do Rio Paraná que corre em direção ao mar...

A realidade demonstrada na gravura acima sobre a crise da água em São Paulo há cinco anos, pode estar mais perto do que pensamos. Mesmo antes das rugas de nossas testas começarem a aparecer.

Brasilândia/MS, 15 de julho de 2022. Publicação adaptada em DUTRA, C.A.S. Diálogos impertinentes, 2020., p. 170.

 

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