Testa sem rugas é sinal de
indiferença
Carlos Alberto dos Santos Dutra.
Em tempo de paz é fácil escrever
coisas poéticas, falar de flores e pássaros ao cair da tarde. Mas como disse
Bertolt Brecht, em alguns momentos falar de flores é quase um crime... pois
significa silenciar sobre tantas injustiças.
Os tempos sombrios que vivemos,
cumpre lembrar, não nos permitem uma linguagem sem malícia, e tampouco uma
testa sem rugas, que pode ser sinal de indiferença. Porque, completa o nosso
dramaturgo alemão, aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível
notícia.
O tema soa como um alerta, que há
tempo vem sendo dado, falado e bradado aos quatro ventos: nosso manancial de
água está se esgotando e em breve vamos disputar manu militari por
milímetros de água. E os governantes e a sociedade civil, ao que parece, ainda
não caíram na real e permanecem apenas num suposto discurso politicamente correto.
Os mananciais de água potável
literalmente não caem do céu. Eles brotam da terra, do esforço e sensibilidade
dos homens que ouvem o acalanto das matas e o sonido dos rios. Por isso devemos
preservar as fontes de vida, nascentes e olhos d'água que ainda querem
chorar e brotar vida.
Alguém pode estar achando que
isso é papo de ecologista utópico e que tudo isso é balela da esquerda
que é contra o desenvolvimento. Enquanto ele come e bebi, dança e ri... e fica feliz com o que tem.
Mas, como lembra o nosso poeta, novamente ele: --Como é que posso comer e
beber, se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? --Se o copo de água
que eu bebo, faz falta a quem tem sede?.
Sei que esse senso de justiça não
alcança a todos e o eco de minhas palavras - como as de Bertolt Brecht -, correm o
risco de ser levadas pelo vento ou consumidas pela ideologia bélica em voga que nos afasta
uns dos outros cada vez mais.
Florestas protegem mananciais,
isso sabemos. Por isso, insisto, sobretudo com os mais jovens que estão de
olhos muito abertos e atentos para a loucura praticada por seus pais e
padrinhos, governantes e seus empreendimentos, comensais da morte, que não se fartam com
o crescimento... até quando?, impedindo a todos de pensar e
decidir.
No caso da urbe local,
modestamente, ouso conclamar com a voz que ainda nos resta: que se envidem
esforços públicos e privados na preservação das matas ciliares e margens dos
córregos e rios que nos rodeiam e que aos poucos estão se despedindo de nós.
Córrego da Aviação e Córrego
Jardim, cujas nascentes pedem socorro, eles estão gotejando o líquido precioso
pelas encostas descampadas desde o centro da cidade, e nos pedem licença para
se revigorar e avançar em direção ao Reassentamento Pedra Bonita, Santana e
Santa Emília, com um mínimo de dignidade, até cair nos braços da Reserva Cisalpina e o imenso lago do
Rio Paraná que corre em direção ao mar...
A realidade demonstrada na gravura acima sobre a
crise da água em São Paulo há cinco anos, pode estar mais perto do que pensamos. Mesmo antes das rugas de nossas testas começarem a
aparecer.
Brasilândia/MS, 15 de julho de 2022. Publicação adaptada em DUTRA, C.A.S. Diálogos impertinentes, 2020., p. 170.
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