A lavadeira, o esquecimento e a Rua Xavantes.
Carlos Alberto dos Santos Dutra
Tarefa de pesquisador é gratificante, porém árdua. Na maioria das vezes desprezado por não satisfazer uma necessidade prática, existencial e presente ao cidadão, é tido como distante no tempo e, por conseguinte, dispensável. Mas ele está lá, fuçando, esmiuçando pelas estradas do tempo, trazendo à lume a informação, o conhecimento, a história, perscrutando a verdade.
A utilidade de seu achado, pode ser entendido como escassa, quase inútil. Mas os frutos são longevos, como plantar tâmaras. E o seu contentamento em descobrir aquele tesouro escondido é a sua maior recompensa, é o que o conforta e lhe regozija.
Pois as duas palavrinhas intrigantes estavam lá, desafiando o historiador: Rua Xavantes, estava escrito. O enunciado inserido fazia parte de um anúncio do pioneiro Jornal de Brasilândia, edição do dia 7 de setembro de 1991 cujo título era: Procura-se roupa para lavar, onde a senhora Laurinda Miranda dos Santos oferecia seus préstimos para lavar e passar roupa em sua casa.
O que chamou atenção do pesquisador, entretanto, não foi o fato da anunciante se dispor a trabalhar em casa laborando neste inestimável serviço a custo de alguns trocados, provavelmente para reforçar a renda familiar, prática, aliás, tão comum aos menos favorecidos da sociedade, numa atividade cada vez mais rara.
Trabalho digno, com certeza, que garantia a mantença de muitos chefes de família, mulheres, e seus filhos, avós e netos, numa Brasilândia ainda de poucos fogões, num tempo onde as oportunidades de emprego e geração de renda se encontravam distantes do alcance da mão para a grande parcela da população que vivia à margem da sociedade e que aprendeu muito cedo a subsistir das sobras.
Trinta anos passados, esta profissão - a de lavadeira e passadeira em casa - está praticamente extinta. Devido aos avanços da tecnologia que permitiu aos cidadãos de quase todas as classes sociais ter em casa uma máquina de lavar ou um tanquinho elétrico e, igualmente, em razão da implantação de diversos programas de auxílios sociais nas três esferas de governo, que conferiu dignidade a muitos ajudando a soerguê-los.
Mas o que chamou a atenção do pesquisador foi mesmo o nome da rua onde essa senhora declinava ao público residir: Rua Xavantes, nº 674, próximo a AAB, informava o periódico local. Ele (o historiador) não se recordava de haver existido tal rua em Brasilândia, por isso perseguiu aquela ideia. O que o levou a percorrer dois caminhos: o primeiro, deitar os olhos sobre o mapa atual da cidade em busca dessa rua, e, uma vez nada encontrando, recorrer às edições mais antigas deste mapa que deu origem a cidade em busca de tal logradouro.
Consultado o mapa da Boa Esperança Comércio, Terras e Pecuária S. A. - COTERP, que traçou as primeiras ruas do patrimônio da Cidade Esperança, planejado pelo fundador Arthur Höffig, nada foi encontrado. Acompanha, então, o traçado delineado pelas mãos do engenheiro Ídolo Guastaldi e o tal nome, igualmente não é mencionado. Tratava-se, portanto, de um enunciado de conotação indígena recente e que não remontava o passado histórico da cidade, o que pode até ser entendido em razão da mentalidade da época.
Ao consultar alguns moradores, entretanto, obtem a informação de que a rua Xavantes existiu sim, porém poucos sabiam informar sobre ela. Resta-lhe, por fim, consultar o Legislativo municipal aventando a hipótese de que que possa ter havido a substituição do nome desta via por outro, suspeita o pesquisador. Afinal, a indicação que se tem é que o referido logradouro, hoje, se apresenta com outra denominação: Rua dos Associados.
De fato, a citada rua coincide com a descrição: logradouro público situado na região leste da cidade, entre os prolongamentos das ruas: Aviação e Ídolo Guastaldi. Tratava-se, sim, da Rua dos Associados instituída pela Lei nº 859/94, que foi sancionada pela prefeita da época, Neuza Paulino Maia, em 11 de maio de 1994.
A esperança do pesquisador reside agora na consulta que se propõe a fazer nos registros da Câmara Municipal de Brasilândia, buscando encontrar o Projeto de Lei que deu origem à Lei que denominou o logradouro em apreço.
A informação, por fim, foi confirmada, porém, sem maiores detalhes declinados na ata da sessão em que o tal Projeto de Lei foi aprovado e tampouco na justificativa da proposição apresentada pela chefe do Executivo local da época. Mencionava apenas tratar-se de um trecho localizado entre as ruas da Aviação e Ídolo Guastaldi, como o descrito no corpo da lei aprovada.
Um testemunho vivo, entretanto, semeia luz à questão. Tratava-se da senhora Elvira antiga moradora de Brasilândia cuja residência fazia fundos com o logradouro denominado Rua Xavantes, que se buscava elucidar. E lá se encontrava ela, toda contente por estarem construindo uma casinha nova para ela por um grupo solidário da cidade coordenado pelo construtor e benfeitor Coxiba.
Dona Elvira confirmou que aquela rua se chamava Xavantes e que dona Laurinda era sua vizinha, uma antiga moradora desta rua. Outras pessoas, depois, confirmaram este fato.
Homenagear os primeiros habitantes de Brasilândia – os lendários Xavantes, hoje sabemos serem eles os Ofaié --, é uma das ações que ainda carece de ser executada pelo poder público local. Só para exemplificar, ao contrário do que ocorre aqui, na sua terra natal, esses pioneiros já são lembrados em diversos municípios do Estado.
Em Campo Grande eles são nome de rua (no bairro Tiradentes, loteamento Marçal de Souza); em Anaurilândia, o Posto Fiscal da SEFAZ tem o nome de Ofaié (Rodovia MS-480); em Nova Andradina, um imponente monumento ostenta da praça central daquela cidade um arco e flecha Ofaié, imortalizando a presença destes indígenas no lugar, chegando esta comunidade ter um dia municipal – dia 20 de abril – dedicado a esta comunidade.
Também a EMBRAPA/MS conferiu o nome de BR-41 Ofaié a uma cultivar de trigo produzida pelo melhoramento genético da empresa; além dos Ofaié serem motivos de danças e apresentações (em Parintins na festa do Boi Garantido/AM) e nos painéis de mosaico montados na Travessa do Liceu e outras ruas do Rio de Janeiro (ateliê cosmonauta Mosaicos como motivos Ofaié), além de ter merecido dos Correios um selo e carimbo com o seu nome em sua homenagem, entre outros.
Mas ainda há tempo de recuperar este feito para a memória de Brasilândia. Através de sua municipalidade (poder Executivo e Legislativo) é possível reparar esta imperdoável lacuna na história, devolvendo aos pioneiros indígenas Ofaié esta honraria cívica, inscrevendo seus nomes em definitivo na heráldica desta terra.
Texto publicado originalmente em DUTRA, C.A.S. História e memória de Brasilândia, Volume 4-Desenvolvimento, 2022, pág. 107.
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