sábado, 16 de novembro de 2024

 

Esperar o Dia do Senhor e amar um pouco mais.

Carlos Alberto dos Santos Dutra



A primeira leitura deste domingo (33º Domingo do Tempo Comum-Ano B) nos é apresentada pelo profeta Daniel (12,1-3) que nos fala de um tempo sombrio e de angústia como nunca houve, desde que começaram a existir nações.

Cenário que se completa com a descrição do Evangelho de Marcos (13,24-32) onde Jesus revela os sinais que antecedem a vinda do Filho do Homem, no final dos tempos.

Jesus diz ao discípulos: Naqueles dias, depois da grande tribulação, o sol vai escurecer, a lua não brilhará mais, as estrelas começarão a cair do céu e as forças do céu serão abaladas.

E tudo começa (ou tudo termina) com a grande tribulação, figura utilizada na Bíblia para falar das guerras entre os povos (Joel 3,9-11 e Apocalipse 19,19), as pragas, a fome e os desastres naturais (Apocalipse 16,8-11); os falsos profetas (Mateus 24,9 e Apocalipse 13, 5-7), entre outros sinais de desordem cósmica e social.

Todo esse cenário, pela Bíblia, é sinal do início do final do tempo de Deus. Segundo Daniel, pode durar 7 anos, mas a noção do tempo de Deus em relação a nós pode ser muito diferente (2 Pedro 3,8). Não é disso que Jesus está falando.

Por isso Jesus profere palavras tranquilizadoras aos apóstolos: O céu e a terra passarão mas as minhas palavras não passarão. Quanto aquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos, nem o Filho, mas somente o Pai.

Isso significa, podemos deduzir, que não devemos nos preocupar com as previsões sobre o futuro, sobre quando isso vai acontecer. A ideia é estar atento aos sinais, mas não viver com ansiedade e dúvidas no coração.

Para nos acalmar e nos tranquilizar é que Jesus afirma que o céu e a terra passarão, ou seja, a natureza e a terra do jeito que conhecemos elas têm o seu curso e suas leis, e não durarão para sempre, devido à ganância dos homens.

Só a palavra de Deus permanece para sempre, eternamente. Querer saber quando será o final dos tempos é desconfiar da providência divina. É apostar no mundo e afrouxar os laços com Deus. Quando nos preocupamos demais com o dia de amanhã e com o nosso futuro, esquecemos de viver e contemplar o Cristo, aqui e agora, presente na nossa vida.

Viver o tempo de confiança em Deus é o antídoto contra o tempo da tribulação. Tal qual Daniel profetizou: nesse tempo, teu povo será salvo, todos os que se acharem inscrito no Livro. Portanto, preocupemo-nos em viver o Evangelho da caridade, do amor, da paz e da justiça para com o próximo, para alcançar o Reino dos eleitos de Deus.

Só a nossa prática diária de obediência e seguimento aos valores do Evangelho nos garantirá a salvação quando a tribulação chegar. Somente os que tiverem sido sábios brilharão como o firmamento, e os que tiverem ensinado a muitos homens os caminhos da virtude brilharão como as estrelas por toda a eternidade.

Porque a eternidade é o lugar do amor, onde a tribulação não alcança. Por isso, se não amarmos, se vivermos no egoísmo, e não nos preocuparmos com o bem dos outros, ali, junto de Deus, não poderemos ficar. Triste.

Se não tivermos praticado o bem, ao contemplarmos a Divindade, reconheceremos que não fizemos a escolha certa, conforme o Evangelho, e junto de Deus não será possível estar. Muito triste.

Por isso não devemos perder a esperança. Confiemos na misericórdia do Senhor. E que desmorone o velho mundo do egoísmo, da ganância, da exploração, da injustiça, da corrupção, da mentira, do jogo de interesses particulares ou grupais na política, em detrimento dos pobres, dos pequenos, dos humildes.

Eis que Deus nos abraça com seu projeto de Reino libertador. Nisso cremos firmemente. E Ele espera por nós, nos estende a mão e ouve a nossa prece. Porque Ele nos quer a todos, como eleitos, junto dele. Amém.

 

Brasilândia/MS, 17 de novembro de 2024.

 

Fonte: 33º Domingo do Tempo Comum, Deus Conosco Dia a Dia, Ano 23, nº 275, Ano Litúrgico B, 17 de novembro de 2024; Pe. Edson Oliveira, Liturgia Diária, Canção Nova. 17.Nov.2024;

Imagem: Paróquia Divino Salvador » Vereis o Filho do Homem … com grande poder e glória (Mc 13,24-32)

 

 

 

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

 

Relembrando o 1º Fórum do Meio Ambiente de Brasilândia.

Carlos Alberto dos Santos Dutra




A preocupação com o Meio Ambiente, via de regra, não é institucional, sobretudo nos pequenos municípios onde os recursos e esforços são, no mais das vezes, dirigidos para a geração de emprego e renda, pauta imperativa de todos os administradores a cada eleição.

Os avanços que se obtém no campo ambiental, no que tange a sua preservação e conservação, no mais das vezes, nasce e toma impulso pelas mãos da sociedade civil, os setores mais esclarecidos e segmentos organizados que ousam propor políticas públicas necessárias para serem colocadas em prática pelos gestores nas três esferas da governança.

Na minúscula Brasilândia, cá no Mato Grosso do Sul, isso não seria diferente. Em termos cronológicos, a cidade teve de esperar 38 anos, desde a sua emancipação político-administrativa ocorrida em 1965, para ver os alcaides que se sucederam dirigirem seu olhar para a questão ambiental. 

E tudo por força e iniciativa das organizações não-governamentais que, de forma coletiva e participativa, romperam com o silêncio ecológico que pairava até então sobre o país, despertando para um novo horizonte, no ano de 2003.

Foi quando em Brasilândia o tema do meio ambiente começou a ser debatido também oficialmente no município. O encontro chamou-se 1º Fórum do Meio Ambiente de Brasilândia e ocorreu no dia 15 de outubro de 2003 nas dependências da Câmara Municipal. Promovido pela secretaria municipal de Agricultura, Desenvolvimento Econômico e Turismo-SEMADET em parceria com o Instituto Cisalpina de Pesquisa e Educação Sócio Ambiental, ONG criada em Brasilândia no dia 5 de junho de 1989. 

Este foi o primeiro evento desta natureza realizado no município e fez parte dos preparativos para a Conferência Estadual e Nacional do Meio Ambiente programada para ser realizada nos dias 5 a 7 de novembro de 2003 (etapa estadual) e de 28 a 30 de novembro (etapa nacional), realizadas respectivamente em Campo Grande e Brasília-DF.

A parceria entre a prefeitura e a pioneira ONG ambiental, na avaliação do secretário municipal de Agricultura na época, Gilberto da Silva, só veio enriquecer e ampliar as discussões do Fórum que teve como lema Vamos cuidar do Brasil e contou com a assessoria de técnicos da secretaria de estado de Meio Ambiente-SEMA, acolhendo todas as sugestões e propostas que foram encaminhadas pelos delegados à Conferência Estadual e, depois, à Nacional.

É bom lembrar que este 1º Fórum além de eleger delegados para representar Brasilândia na Conferências Estadual, elencou uma série de reivindicações ambientais que foram aprovadas para serem apresentadas na Conferência Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul. Por essa razão ele foi considerado como a 1ª Conferência Municipal de Meio Ambiente, coincidindo com a realização da 1ª Conferência Infanto-Juvenil para o Meio Ambiente que teve sua primeira edição nacional em 2003.

Dos 15 delegados eleitos neste 1º Fórum, oito participaram da 1ª Conferência Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, que ocorreu nos dias 5, 6 e 7 de novembro de 2003, no Centro de Convenções Rubens Gil de Camilo, no Parque dos Poderes na Capital do estado, Campo Grande e que reuniu mais de 600 delegados. Por Brasilândia, participaram como delegados neste evento histórico para o meio ambiente de Brasilândia: João Brito de Souza; Ivette dos Santos Bueno; Aparecida Ferreira dos Santos; Paulo César Galiani; Jair Bezerra Xavier; José Carlos Chieregato; Júlio Cézar Moraes do Amaral, e Carlos Alberto dos Santos Dutra.

Sobre a participação dos delegados de Brasilândia na 1ª Conferência Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, que contou com a presença do governador do Estado, José Orcírio Miranda dos Santos, do secretário de Meio Ambiente, Márcio Portocarrero, e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, assim noticiou a imprensa na época:

Brasilândia marca presença na Conferência de Meio Ambiente. Nesta ocasião, a ministra concedeu uma audiência a alguns representantes de organizações não governamentais, oportunidade em que o presidente do Instituto Cisalpina, de Brasilândia, Prof. Carlito, entregou em mãos um documento contendo cópia do abaixo-assinado com mais de 560 assinaturas que foi apresentado à CESP no dia 24 de outubro, e que reivindica a participação da população de Brasilândia nos destinos e manejo da Reserva Cisalpina/Flórida.

Segundo o Jornal de Brasilândia da época, outra vitória de Brasilândia, além de ter conseguido uma audiência com a ministra entregando em mãos o documento Pró-Cisalpina, o município também conseguiu eleger entre os mais de 600 delegados presentes na Conferência Estadual, o presidente do Instituto Cisalpina, como 2º suplente de delegado para representar o Estado em Brasília. O município de Brasilândia, na época, contou com o apoio e o voto das delegações de Três Lagoas e Santa Rita do Pardo. A diferença de votos que impediu o candidato de Brasilândia participar como titular da vaga foi de apenas cinco votos.

Registre-se que seis delegados escolhidos em Brasilândia para viajar até Campo Grande [para participar da Conferência] desistiram de viajar e acabaram por prejudicar o município (...), mencionou o jornal, destacando que na região do Bolsão, valeu mesmo foi a articulação prévia que os municípios de Chapadão do Sul, Cassilândia e Aparecida do Taboado fizeram e que garantiu a esses municípios cinco vagas entre as 49 vagas que o Estado teve direito.

Entre os pedidos apresentados à Ministra do Meio Ambiente Marina Silva constava o desejo da comunidade brasilandense de ver aquela propriedade (o complexo Flórida-Cisalpina que possui mais de 20 mil hectares) transformada em uma área protegida de domínio público, do tipo Unidade de Conservação, numa das modalidades de Unidade de Uso Sustentável a ser estudada, mas que contemple os anseios e respeite a vocação ribeirinha da população. Além de garantir a participação da comunidade nas decisões que dizem respeito à área, essa modalidade deverá compatibilizar a conservação da natureza, com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. (continua)

 

Brasilândia/MS, 15 de novembro de 2024.

 

Fonte: História e Memória de Brasilândia/MS - Volume III – Cidadania, Página 71 - Capítulo 1 – Assistência, Saúde e Cidadania. Volume à espera de patrocínio cultural para ser distribuído gratuitamente aos munícipes. Disponível na Biblioteca Municipal Professora Abadia dos Santos e em História e Memória de Brasilândia/MS Volume 3-Cidadania, por Carlos Alberto dos Santos Dutra - Clube de Autores

 

 

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

 

O Reino de Deus está entre nós

Carlos Alberto dos Santos Dutra







O Evangelho desta quinta-feira (32ª semana comum) nos é apresentado por Lucas 17,20-25 e nos chama atenção para a inquietude daqueles que creem sobre o momento em que chegaria o Reino de Deus. A pergunta dos fariseus ainda ecoa através do espaço até os dias atuais.

A resposta de Jesus é elucidativa. Com palavras simples e valendo-se dos sinais que a natureza nos dá, aplaca a dúvida e provocação dos poderosos do seu tempo e também dos nossos corações.

Vejamos o que Jesus diz: O Reino de Deus não vem ostensivamente. Ou seja, o Reino de Deus vem silenciosamente. Não se manifesta grandiosamente (embora o seja), no sentido que os fariseus e doutores da lei esperavam.

Para os dias de hoje, equivale dizer, o Reino de Deus não há de se manifestar pautado nos valores sociais, políticos e econômicos que norteiam a sociedade do lucro e do consumo em que vivemos.

Impossível  não observar que a nossa volta pulula anúncios e chamados para a chegada deste Reino proposto Jesus Cristo desde todo o início dos tempos na história da salvação.

Quem de nós já não foi abordado, para não dizer interpelado, a abraçar este que está aqui, ou está ali, como alerta Jesus no Evangelho. No mercado das religiões a fé se tornou produto que é disputado por milhares que se arvoram depositários desta Boa Nova que o mundo carente de Deus clama e espera.

Para desfazer toda dúvida e implodir a pretensão e soberba dos que se consideram donos da fé e enviados para arrebanhar os fiéis crentes conduzindo-os a uma data e local determinado que prega Jesus em breve voltará..., o evangelista Lucas frisa as palavras de Jesus: Nem se poderá dizer, está aqui, ou está ali, porque o Reino de Deus está entre vós.

Importante lembrar que para os escribas e fariseus e a maioria do povo judaico, Jesus Cristo não era o filho de Deus. Nunca foi aceita tal filiação. Talvez aqui se entenda o porquê de Jesus Cristo ter dito o Reino de Deus está entre vós. Uma espécie de lamento: Dias virão em que desejais ver um só dia do Filho do Homem e não podereis ver. Pela perda de oportunidade daquele povo de ter estado tão próximo, por tanto tempo, ao lado da presença física do Salvador -- o Reino de Deus --, e não perceber.

Então. Quando o reino de Deus virá, afinal? Valendo-se do exemplo das forças da natureza Jesus manifesta o seu poder e alcance ao chamar atenção dos fieis para explicar onde e quando o Reino há de se manifestar.

No seu dia, ele diz, o Filho do Homem deverá vir como o relâmpago que brilha de um lado até o outro do céu. Melhor sinal para demonstrar a grandiosidade desta vinda gloriosa, e explicar o Reino de Deus, impossível. Senão vejamos:

Quem já não refletiu sobre o significado do relâmpago? A experiência que temos diante deste fenômeno da natureza pode ser comparada com a vinda do Reino de Deus.

A princípio o relâmpago sempre é entendido como um sinal, sinal de tempestade, de chuva, prenúncio de raio e trovão. Denota perigo e temor. Mas é um evento imprevisível, não sabemos onde e quando descerá do céu.

Mas nem por isso o temor toma conta de nós. Mesmo que fiquemos às escuras durante a tempestade, a luminosidade dos relâmpagos nos encanta e fascina.

Assim acontece com o Reino de Deus, maior que o temor é o sua luminosidade, seu poder de nos transformar. O Reino de Deus nos encanta e nos move em sua direção. Ele tem o seu tempo e a sua hora para nos moldar e preparar. Por isso o Reino não deve ser buscado desesperadamente como uma obsessão e ser entendido como oposição ao que estamos vivendo e praticando na vida.

Por isso Jesus diz que o Reino de Deus estás no meio de nós. Para percebê-lo é preciso fazer silêncio para ouvi-lo e apreciar os sinais, as luzes e as graças que do alto descem sobre todos nós todos os dias. Isso porque Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos (Mateus 18,20).

 

Brasilândia/MS, 14 de novembro de 2024.

 

Fonte: 32º Semana Comum, Deus Conosco Dia a Dia, Ano 23, nº 275, Ano Litúrgico B, 14 de novembro de 2024; Pe. Edson Oliveira, Liturgia Diária, Canção Nova. 14.Nov.2024; Papa Francisco. Evangelho de Hoje, https://m.youtube.com/watch?v=DYCd9ors-cU;

Imagem: Encontrando a Dios en lo Ordinario: Una Mirada a Lucas 17,20-25 - Hogar Irma Fe Pol

 

sábado, 9 de novembro de 2024

 

A hipocrisia, a simplicidade e o gazofilácio.

Carlos Alberto dos Santos Dutra





Duas mensagens marcam as leituras neste 32º Domingo do Tempo Comum. Os que mais repartem são os que menos têm. A mulher de Serepta (1Reis 17, 10-16) e a viúva do Templo de Jerusalém (Marcos 12, 41-44) são exemplos disso.

As leituras nos mostram também que quem ajuda é o mais beneficiado, a começar pela felicidade que o gesto de dar traz a quem doa. 

Todos nós já experimentamos essa sensação. Como ficamos felizes em saber que nossa boa ação e atenção à alguém trouxe felicidade e bem-estar, seja a um conhecido ou desconhecido. Equivale dizer que já somos aqui, naquele momento, recompensados, recebendo uma aura de gratidão que nos invade e conforta o coração.

E o resultado é que ficamos em paz e confortado por ter feito o bem, mesmo quando o nosso gesto não é entendido pelos que estão a nossa volta. Isso porque o mundo está cheio de sábios e doutores da lei, prontos para nos apontar o dedo denunciando os nossos supostos erros. 

Mas, o Evangelho de hoje vem em nosso socorro. E dirige uma palavra para aqueles que nos repreendem e não aprovam o nosso gesto fraterno.

Ah! Mas como dói saber que aquilo que fazemos espontaneamente e de coração, às vezes não é entendido e suscita a resistência de pessoas que amamos e que estão no seio de nossa própria família, nossa comunidade de fé.

É sobre este tema que as leituras de hoje gravitam e nos inspiram: o tema da hipocrisia e da vaidade, o tema da humildade e da gratidão, o tema da sinceridade e a confiança em Deus. Temas que nos fazem refletir sobre como estamos prestando nosso culto a Deus. Ele é verdadeiro e sincero de nossa parte?

Mas como saber? Que caminho tomar? 

Pela leitura da Palavra de Deus depreende-se que ao Senhor não interessa manifestações grandiosas e ritos externos cheios de brilho e apelos visuais para chamar Sua atenção.

Neste ponto Jesus Cristo é explicito. Falando há 2 mil anos para a mentalidade daquele tempo, o Evangelho revela que Jesus não aprova a prática dos fariseus: as roupas vistosas, ser cumprimentado nas praças, ocupar os primeiros lugares dos banquetes. Tudo para demonstrar que estavam, assim, mais próximos de Deus que os demais.

Contra isso Jesus alerta: Tomai cuidado com aqueles que sabem tudo de Deus, os doutores da lei que, cheios de si se acham melhores que os outros. Cuidado com os que fazem longas orações para devorar as casas das viúvas, tirando-lhes os poucos trocados do seu sustento para manter seus privilégios e caprichos. Contra estes, a sentença é imperativa: Eles receberão a pior condenação.

Portanto, a vaidade e a hipocrisia humana, herança farisaica, nunca foi do agrado de Jesus, nem ontem, nem hoje. Isso porque essa prática revela uma oração e um louvor mais preocupado com a aparência externa, para que todos vejam o quanto somos admirados por Deus. Mas Jesus sabe que o nosso Deus não vê o externo e sim a interioridade, vê o que carregamos no nosso coração.

Então. Nós, como cristãos, como haveremos de viver e agir? Qual a receita que o Evangelho nos dá neste domingo?

Podemos dizer que para prestar o culto verdadeiro e sincero a Deus devemos colocar em prática o que o próprio Cristo nos ensinou: felizes os que vivem com simplicidade e com sinceridade a sua fé; felizes os que estão a cuidar dos pobres, praticando a caridade, semeando esperança e dedicando uma palavra e um abraço ao irmão necessitado de respeito e carinho...

Acima de tudo, acolher com gratidão os desafios que a vida impõe a cada um de nós, com fé e confiança, fazendo o melhor de si, prestando o seu culto a Deus no cotidiano, durante o labor, de forma simples e verdadeira. 

Os pobres de coração sabem muito bem prestar o seu culto a Deus. É isso que nos mostram a viúva de Serepta e a viúva no Templo de Jerusalém diante do gazofilácio.


Brasilândia/MS, 09.Nov.2024.


Fonte: 32º domingo do Tempo Comum, Deus Conosco Dia a Dia, Ano 23, nº 275, Ano Litúrgico B, 10 de novembro de 2024. Imagem: A viúva pobre - Instituto Hesed.

Gazofilácio – Era uma urna ou cofre que ficava na entrada do Templo de Jerusalém e recebia as oferendas para o culto. As esmolas (moedas) ao serem depositadas soavam, percebendo-se quem depositava maior ou menor quantidade. A viúva pobre ao depositar apenas duas moedas foi observada por Jesus que transformou aquele gesto em lição salvífica para todos que ali estavam.

sábado, 2 de novembro de 2024

 

Dona Maria Japonesa, a família, o trabalho e os sonhos.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

 

Toshie Yahata Gonçalves era uma Nikkei, conhecida como dona Maria Japonesa. Era filha de japoneses e embora tenha nascido no Brasil, fora registrada no Koseki Tohn (Registro Familiar Japonês) onde consta ela ter nascido no dia 27 de outubro de 1921, data original de sua certidão de descendência japonesa. Seu registro no Brasil, entretanto, deu-se seis anos depois ao ser registrada no distrito de Glicério, comarca de Penápolis/SP, com a data de 4 de novembro de 1927, divergindo do documento original apresentado ao escrivão à época.

Casada com o servente de pedreiro Alguinel Ferreira Gonçalves, com quem teve oito filhos, viveu na barranca do rio Paraná, no município de Brasilândia/MS, ao lado do esposo e da família praticamente por toda a vida, dedicando-se à agricultura e a atividade oleira.

Sua história começa pelas lembranças que guardava da região de Cafelândia/SP, de forte presença japonesa, onde ela passou a infância e contava para seus filhos e netos a trajetória de sua vida. Morava numa colônia agrícola formada por japoneses que haviam se instalado desde o tempo da imigração, onde milhares deles desembarcaram no Brasil dedicando-se ao plantio e colheita do café.

Tempos difíceis, recorda, nos anos que antecederam a segunda guerra mundial, quando seus pais, Taro Yahata e Mitsu Yahata vieram para o Brasil fugidos do confronto e se dedicaram à agricultura. Montaro Yahata e Umeno Yahata eram seus bisavôs paternos, e Kiochi Ymai e Niuko Ymai, seus bisavôs maternos.

No distrito de Glicério/SP, estudou até a segunda série. Seu pai era um homem rigoroso e queria que a jovem Toshie aprendesse a língua ancestral que era ensinada nessa colônia pelos próprios moradores, contou ela certa vez. Neste período existiam nas colônias agrícolas muitas escolas primárias destinadas a atender os filhos dos imigrantes japoneses. Com a proximidade da guerra, tais escolas foram fechadas pelo governo, com severas restrições ao uso da língua, inclusive com o confisco de bens de estrangeiros.

Dona Toshie conheceu aquele que viria a ser seu esposo, Alguinel Ferreira Gonçalves, no dia em que ele foi prestar serviço para o japonês Taro Yahata, pai da moça, lembra a neta Sandra Ferreira Gonçalves: Após uma semana de trabalho ele pediu minha avó em namoro, mas o pai dela não consentiu, pois japonês só podia se relacionar com japonês. Foi quando meu avô fugiu, como se diz, ‘roubando’ a noiva, minha avó.

E sumiram no mundo, passando de cidade em cidade até chegar em Três Lagoas no ano de 1969, seguindo para olaria dos Viana. Depois, chegaram na barranca do rio Paraná, isso lá pelos anos 1977 e 1978, onde ali permaneceram por 20 anos vivendo da terra, até a chegada da CESP e fazer ‘aquilo’ que ela fez, lamenta a neta. Foi nesta época que seu Alguinel, esposo de dona Toshie veio a falecer, no dia 27 de junho de 1999, deixando os filhos Nelson, Clarice, Vera Lúcia, Wilson, Mauro (†1985), Celso, Sérgio e Tiane.

Com a inundação das terras, olarias e casas da barranca, pelas águas da Hidrelétrica de Porto Primavera, os oleiros, agricultores e pescadores foram todos transferidos para reassentamentos rurais, de mão de obra atingida e dos que praticavam atividade ceramista. Deslocada para o Reassentamento Novo Porto João André, lá se instalou a viúva Toshie e seus filhos que um a um já haviam partido, tomando rumo na vida, deixando-a cada vez mais só. Ela ali permaneceu na rua 21, lote 18, onde administrou por longo período a sua Cerâmica Yahata.

Sobre os seus sonhos, sempre guardou segredo. Recorda a neta Sandra em uma de suas conversas, pois sempre falou muito pouco sobre sua intimidade. Mas o que mais lhe importava era a família, valor que ela sempre preservou: herança cultivada desde o tempo de seus pais e avós lá do Japão. Só que a vida nem sempre corresponde aos nossos sonhos e ela teve de amargar a saudade e a distância de seus irmãos e irmãs, quando não o preconceito que os separou pelo fato de ter sido a única da família que se uniu e casou com alguém diferente de sua cultura e ascendência oriental.

Este sonho, entretanto, persistia, e jamais pode esconder de quem a conhecia mais de perto: reencontrar a família que um dia foi sua e que hoje vivia na capital paulista. Todos haviam progredido e se encontravam bem estruturados na vida, e isso a deixava feliz.

Um dia ela arrumou-se toda e viajou até eles, chegando a visitar um de seus irmãos. Mas infelizmente, recorda a neta com tristeza, depois de mais de 20 anos sem ver esse irmão querido, não se sentiu bem-vinda e voltou para casa decepcionada. Mesmo assim, nunca parou de falar no restante dos irmãos e na irmã caridosa que a visitava com frequência, o que foi sempre grata.

Já em idade avançada, quando as forças começaram a lhe faltar para tocar o seu negócio, arrendou sua olaria para seu Antônio, um comerciante de quem obteve muitos dissabores no cumprimento do que fora acordado, tendo que recorrer à Justiça para obter o imóvel de volta.

Nos últimos anos dedicava-se com paciência e alegria a lidar com umas poucas cabeças de vacas que ela mesma cuidava e ordenhava todos os dias. Pessoa de fino trato, simples, educada e de uma honestidade nunca vista, ao lado do carinho e humanidade que irradiava; todo isso a tornava querida e admirada por todos que a conheciam.

Silenciosa e gentil, ao estilo oriental, nas suas relações e negócios seus gestos inspiravam em todos sempre confiança e respeito. Uma mulher de honra e fé pública, guerreira, praticamente anônima, mas que causava orgulho e encantamento àquele que se dispusesse dialogar com ela alguns minutos. Mulher que nunca desistiu da vida e do trabalho. Enquanto teve forças viveu e fez brotar vida à sua volta. Só parou quando as dificuldades financeiras chegaram: foi quando adoeceu.

Dona Maria Japonesa, como era carinhosamente chamada, faleceu no dia 1º de novembro de 2016, aos 95 anos de idade, segundo seu registro original do Japão, deixando 8 filhos, 28 netos, 38 bisnetos e 4 tataranetos; e uma dezena de amigos que ainda hoje nutrem por essa vovó eterna saudade daquele sorriso meigo, encabulado, algo como se um anjo tivesse passado por aqui.

 

Brasilândia/MS, 1º de novembro de 2024.

Fonte: A expressão Nikkei significa descendentes nascidos fora do Japão; japoneses que vivem no exterior ou, ainda, simpatizantes da cultura japonesa. 

Este artigo foi escrito em parceria com a neta Sandra Ferreira Gonçalves e publicado inicialmente em 03.Dez.2019, em https://www.institutocisalpina.org/dona-maria-japonesa-a-familia-o-trabalho-e-os-sonhos.html, e em DUTRA, C.A.S. Quando eu me chamar saudade. Vol. 1, 2ª Ed. Brasilândia, Edição do Autor, 2023, pág. 132-134.