sábado, 28 de agosto de 2021

 

Celina e Sebastião: entre overloques, verduras e bênçãos de Orixás.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 A história de dona Celina dos Santos Paes e seu Sebastião Ramos Ferreira que vivem juntos há mais de 40 anos não tem nada de comum, sendo de toda singular. Quem os vê na rua, com seu jeito simples cheios de humildade, não percebe o quanto de sabedoria e altruísmo pedalam em suas bicicletas.

Demonstrando profundo amor ao próximo, gentis e sorridentes, oferecem frutos de vida em forma de hortaliças que a natureza nos brinda e faz chegar como bênçãos às nossas mãos: verdadeiro presente de Deus. E mesmo não sabendo de suas historias guerreiras e vencedoras, os saudamos e somos gratos por estarem quase todos os dias cruzando nossas ruas, enfeitando e nutrindo nossas mesas do verde saudável que tanto nos faz bem.

Pois bem, depois de suas andanças pela capital paulista, quis o destino que se achegassem a nossa comunidade, aquerenciando-se por Brasilândia no ano de 1990. Ela, dona Celina, filha de Francisco Virtuoso dos Santos, pernambucano, e Amália França Duarte, alagoana, ambos já falecidos, nasceu em 26 de abril de 1949, na cidade de Álvaro de Carvalho/SP, cidade próxima a Marília/SP, sendo oriunda de uma família de quatro irmãos. E ele, seu Sebastião, filho do seu Osvaldo e dona Cléria, ambos mineiros, já falecidos, nasceu na cidade de Poté/MG no dia 2 de outubro de 1948, e vem também de uma família de 4 irmãos.

Por um acaso da sorte ou desejo dos céus, os dois, vindo de pontos tão distantes acabaram se conhecendo no burburinho da cidade de São Paulo quando, cada um deles deixou sua cidade natal e foi rumo à cidade grande. Dona Celina saindo ainda pititica (pequenina, como ela mesma diz) de sua cidade natal junto com seus pais e indo se instalar na vila Boa Vista, em Cajamar, no coração de São Paulo.

Tão logo chegou a juventude, e ela começou a trabalhar na profissão de overloquista, tendo se dedicado a costura de máquina e ao overloque, conta com os olhos cheios de brilho demonstrando orgulho do que fazia. Quando chegou a Brasilândia, lembra que foi chamada por algumas senhoras que haviam adquirido máquinas de overloque, para ser monitora e ensiná-las como lidar com a máquina ainda desconhecida por aqui. Anos depois, lembra que chegaram as máquinas industriais da Promoção Social instaladas no barracão do PROCAP: não cheguei a trabalhar lá, mas vi aquelas máquinas todas... ah eu adorava trabalhar com overloque.

Seu esposo, sentado a seu lado, enquanto se recupera de longa data, de uma cirurgia e pinos colocados em sua perna e bacia, observa a sua companheira. É ela que faz todas as roupas da lida diária e as das atividades religiosas que administra, diz ele. É a roupa que eu tenho - completa dona Celina  com um sorriso de felicidade, como se revelasse ao mundo o seu maior tesouro.

Morando na zona Leste da capital, na região da Penha, depois de fazer diversos cursos práticos no ramo da costura, começou a trabalhar na atividade de overloquista, permanecendo nesta atividade por 25 anos. Frequentou os bancos escolares muito pouco, até o 1º ano de Grupo, à semelhança do companheiro que também estudara, lá em Minas Gerais, somente até o 1º ano. Sebastião fora para São Paulo aos 17 anos de idade em busca de trabalho, e por acaso do destino, veio a estudar e trabalhar muito próximo onde ela, dona Celina, morava e estudava.

Dona Celina, já mulher feita, um dia casou, mas logo se divorciou, libertando, assim o coração para o Sebastião, que conheceu em São Paulo e com quem se uniu em 1982 e vive a seu lado até os dias de hoje. Ele fala com orgulho das três profissões registradas em sua carteira de trabalho: sou marceneiro, operador de caldeiras e prensista. Trabalhou em diversas empresas. Só na empresa Etti, na Cajamar, eu trabalhei 12 anos; trabalhei na Mendes Júnior; na construtora Rodrigues Lima; naquela obra do metrô, até na Barra Funda, do alicerce até correr o metrô eu estava lá trabalhando na sua construção.

A história de dona Celina e de seu Sebastião revela também a dimensão humanitária e espiritual do casal quando a religião entrou e modificou suas vidas. Atividade mediúnica que ela manifestou havia começado aos 23 anos de idade quando, ao consultar um médico espírita descobriu sua habilidade e dom, o que lhe foi revelado ao fazer o rito da iniciação no culto aos Orixás. Liderança espiritual que passou a desenvolver até chegar a Brasilândia em 1990, quando trouxe seu diploma e estátua de Iemanjá instalando o seu Centro de Estudos da Doutrina e dos Fenômenos Espirituais de Umbanda, conforme reza o estatuto da entidade.

Movida pelos mais altos sentimentos de caridade e doação, sente-se feliz em poder, além de benzer pessoas, ajudar os que mais precisam, porém, confessa que gostaria de poder ajudar mais ainda os outros, principalmente as criancinhas sofrendo, fornecendo remédios, roupas, alimentos, doces para a infância desvalida.

Orgulhosa de sua descendente africana, estende a mão para o companheiro Sebastião enquanto seus olhos percorrem a entrada de seu modesto templo, bem junto ao portão, do lado direito, onde se encontra um pequeno quarto fechado onde guarda no seu interior mistérios e oferendas à divindade guardiã das aldeias, das cidades e das casas.

E lá está ela toda paramentada com roupas coloridas que ela mesma confecciona, dançando e reverenciando em homenagem a vida e as entidades espirituais que protegem sua residência e a humanidade. Houve um tempo - ela recorda -, que um grupo de pessoas frequentava o Centro de Umbanda, mas elas [os participantes] não se manifestavam publicamente (...), pois acham que isso era feio, que era errado.

Seu Sebastião sorri para a esposa e, com um olhar singelo e iluminado observa dizendo que tem muitas coisas erradas que a gente sabe, mas cada um deve viver a sua vida (...), e deixar que Deus o ajude, conclui com sabedoria. 

A tarde declina e era como se os guias Boiadeiro, Preto Velho e Caboclos já circulassem por ali. O som bonito e cadenciado do atabaque cuja batida já podia ser ouvido de longe, até às 10 horas da noite, como determina a Federação, observa, adentra de manso e transforma o ambiente a nossa volta exalando o cheiro da terra, da vida, dos bons espíritos e da felicidade. Como que abençoando a cidade e o casal, nosso irmão, Celina e Sebastião.

Brasilândia, 28 de agosto de 2021.

 

A história de dona Celina e de seu Sebastião continua. E os detalhes da vida desta yalorixá sacerdotisa poderão ser conferidos no livro "Historia e Memória de Brasilândia/MS", volume 5-Poderes, que em breve há de circular entre nós.

 

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