Celina e Sebastião:
entre overloques, verduras e bênçãos de Orixás.
Carlos Alberto dos
Santos Dutra
A história de dona Celina dos Santos Paes e seu Sebastião Ramos Ferreira que vivem juntos há mais de 40 anos não tem nada de comum, sendo de toda singular. Quem os vê na rua, com seu jeito simples cheios de humildade, não percebe o quanto de sabedoria e altruísmo pedalam em suas bicicletas.
Demonstrando
profundo amor ao próximo, gentis e sorridentes, oferecem frutos de vida em forma de
hortaliças que a natureza nos brinda e faz chegar como bênçãos às nossas mãos: verdadeiro
presente de Deus. E mesmo não sabendo de suas historias guerreiras e vencedoras,
os saudamos e somos gratos por estarem quase todos os dias cruzando nossas
ruas, enfeitando e nutrindo nossas mesas do verde saudável que tanto nos faz bem.
Pois bem, depois de
suas andanças pela capital paulista, quis o destino que se achegassem a nossa
comunidade, aquerenciando-se por Brasilândia no ano de 1990. Ela, dona Celina, filha de Francisco Virtuoso dos Santos,
pernambucano, e Amália França Duarte,
alagoana, ambos já falecidos, nasceu em 26 de abril de 1949, na cidade de
Álvaro de Carvalho/SP, cidade próxima a Marília/SP, sendo oriunda de uma
família de quatro irmãos. E ele, seu Sebastião, filho do seu Osvaldo
e dona Cléria, ambos mineiros, já
falecidos, nasceu na cidade de Poté/MG no dia 2 de outubro de 1948, e vem também
de uma família de 4 irmãos.
Por um acaso da
sorte ou desejo dos céus, os dois, vindo de pontos tão distantes acabaram se conhecendo
no burburinho da cidade de São Paulo quando, cada um deles
deixou sua cidade natal e foi rumo à cidade grande. Dona Celina saindo ainda pititica (pequenina, como ela mesma diz) de sua cidade natal
junto com seus pais e indo se instalar na vila Boa Vista, em Cajamar, no
coração de São Paulo.
Tão logo chegou a
juventude, e ela começou a trabalhar na profissão de overloquista, tendo se dedicado a costura de máquina e ao overloque,
conta com os olhos cheios de brilho demonstrando orgulho do que fazia. Quando
chegou a Brasilândia, lembra que foi chamada por algumas senhoras que haviam
adquirido máquinas de overloque, para ser monitora e ensiná-las como lidar com
a máquina ainda desconhecida por aqui. Anos depois, lembra que chegaram as máquinas
industriais da Promoção Social instaladas no barracão do PROCAP: não cheguei a trabalhar lá, mas vi aquelas
máquinas todas... ah eu adorava trabalhar com overloque.
Seu esposo, sentado
a seu lado, enquanto se recupera de longa data, de uma cirurgia e pinos
colocados em sua perna e bacia, observa a sua companheira. É ela que faz todas as
roupas da lida diária e as das atividades religiosas que administra, diz ele. É a roupa que eu tenho - completa
dona Celina com um sorriso de
felicidade, como se revelasse ao mundo o seu maior tesouro.
Morando na zona Leste da capital, na região da Penha, depois de fazer diversos cursos práticos
no ramo da costura, começou a trabalhar na atividade de overloquista, permanecendo
nesta atividade por 25 anos. Frequentou os bancos escolares muito pouco, até o
1º ano de Grupo, à semelhança do
companheiro que também estudara, lá em Minas Gerais, somente até o 1º ano. Sebastião
fora para São Paulo aos 17 anos de idade em busca de trabalho, e por acaso do destino, veio a estudar e trabalhar muito próximo onde ela, dona Celina, morava e estudava.
Dona Celina, já mulher feita, um dia casou,
mas logo se divorciou, libertando, assim o coração para o Sebastião, que conheceu em São Paulo e com quem se uniu em 1982 e
vive a seu lado até os dias de hoje. Ele fala com orgulho das três profissões
registradas em sua carteira de trabalho: sou marceneiro, operador de caldeiras
e prensista. Trabalhou em diversas empresas. Só na empresa Etti, na Cajamar, eu
trabalhei 12 anos; trabalhei na Mendes Júnior; na construtora Rodrigues Lima;
naquela obra do metrô, até na Barra Funda, do alicerce até correr o metrô eu estava lá trabalhando na sua construção.
A história de dona Celina e de seu Sebastião revela também a dimensão humanitária e
espiritual do casal quando a religião entrou e modificou suas vidas. Atividade
mediúnica que ela manifestou havia começado aos 23 anos de idade quando, ao
consultar um médico espírita descobriu sua habilidade e dom, o que lhe foi revelado ao fazer o rito
da iniciação no culto aos Orixás. Liderança
espiritual que passou a desenvolver até chegar a Brasilândia em 1990, quando
trouxe seu diploma e estátua de Iemanjá instalando o seu Centro de Estudos da Doutrina e dos
Fenômenos Espirituais de Umbanda, conforme reza o estatuto da entidade.
Movida pelos mais
altos sentimentos de caridade e doação, sente-se feliz em poder, além de benzer
pessoas, ajudar os que mais precisam, porém, confessa que gostaria de poder ajudar mais ainda os outros, principalmente
as criancinhas sofrendo, fornecendo remédios, roupas, alimentos, doces para a
infância desvalida.
Orgulhosa de sua descendente
africana, estende a mão para o companheiro Sebastião
enquanto seus olhos percorrem a entrada de seu modesto templo, bem junto ao
portão, do lado direito, onde se encontra um pequeno quarto fechado onde guarda
no seu interior mistérios e oferendas à divindade guardiã das aldeias, das cidades e das casas.
E lá está ela toda
paramentada com roupas coloridas que ela mesma confecciona, dançando e
reverenciando em homenagem a vida e as entidades espirituais que protegem sua
residência e a humanidade. Houve um tempo - ela recorda -, que um grupo de
pessoas frequentava o Centro de Umbanda, mas
elas [os participantes] não se manifestavam publicamente (...), pois acham que isso era feio, que
era errado.
Seu Sebastião sorri para a esposa e, com um olhar singelo e iluminado observa dizendo que tem muitas coisas erradas que a gente sabe, mas cada um deve viver a sua vida (...), e deixar que Deus o ajude, conclui com sabedoria.
A tarde declina e era como se os guias Boiadeiro, Preto Velho e Caboclos já circulassem
por ali. O som bonito e cadenciado do atabaque
cuja batida já podia ser ouvido de longe, até
às 10 horas da noite, como determina a Federação, observa, adentra de manso e transforma o ambiente a nossa volta exalando o cheiro da terra, da vida, dos bons espíritos e da felicidade. Como que abençoando a cidade e o casal, nosso irmão, Celina e Sebastião.
Brasilândia, 28 de
agosto de 2021.
A história de dona Celina e de seu Sebastião continua.
E os detalhes da vida desta yalorixá sacerdotisa poderão ser conferidos no livro "Historia e Memória de Brasilândia/MS", volume 5-Poderes, que em breve há de
circular entre nós.
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