segunda-feira, 30 de agosto de 2021

 

Verdeano Mendonça de Siqueira: lembranças da barranca do rio Paraná e os frutos da terra.

Carlos Alberto dos Santos Dutra





Relacionar-se e colher os frutos da terra exige mais do que vocação. Exige persistência e sabedoria. Sobretudo para domar a terra, conter as águas e colher os frutos que dela brotam.

Tarefa que aquele senhor sempre soube o quanto isso lhe era necessário e importante para a sobrevivência da família. Até mesmo, porque carregava no nome o verde da natureza e das plantas que cultivava.

Assim foi com seu Verdeano Mendonça de Siqueira, desde quando seu pai, Camilo Pedro de Siqueira, sua mãe, dona Luzia Mendonça de Siqueira e aquela família de 13 irmãos acolheu aquela criança promissora que nascia.

O dia era 14 de abril de 1932 e lá pelas bandas de Alagoas, a história daquele menino e seus irmãos estava apenas começando. Foi quando seus pais resolveram mudar para o interior do sudeste. Vocação de agricultor, a família instalou-se inicialmente na região de Adamantina, depois Santa Mercedes, no lado paulista.

Foi ali que Verdeano passou a sua infância e juventude, sempre trabalhando com a família, plantando e cuidando da lavoura que o pai mantinha, aprendendo tudo o que precisava saber para, depois, seguir a tradição de lidar com sabedoria a terra.

O empenho e gosto pelas coisas da roça, plantio, capina, colheita, transporte e o verde, cheiro do campo era tanto, que aquele jovem não teve tempo nem para ir à escola regular: ele estudou apenas dois meses em Junqueirópolis.

E o curioso é que ele acabou se tornando um mestre das plantações por onde passou. Coisa de dar inveja a muito engenheiro agrônomo que vinham de longe para receber suas lições práticas sobre o seu jeito de cultivar o arroz, o algodão e o quiabo cuja produção sempre foi farta e vigorosa na barranca do Porto João André quando para lá mudou.

Antes de adentrar as terras do então estado de Mato Grosso, o jovem Verdeano morou em Panorama, sendo que de lá, atravessou o rio Paraná para provar a fartura de água e terras de sua margem direita, quando pisou firme na barranca, pela primeira vez, no ano de 1966.

Quando a grande enchente do rio Paraná, inundou as terras de suas margens, ele já se encontrava plantando roças, perfeitamente instalado ao longo da estrada 2, km 4, nos limites da fazenda Cisalpina.

Antes, porém, no ano de 1960 casou com Felisbela Alves de Siqueira, uma alagoana nascida em 20 de maio de 1942, e que veio para Panorama na época em que seus pais também vieram do nordeste. Juntos o casal teve os filhos Milton, Hilton, Sumá, Selma e Nilton Valério.

Nos últimos anos, após deixar Panorama em 1990, quando se separou, depois de ter morado por algum tempo nas proximidades no reassentamento Novo Porto João André, instalou-se definitivamente num sitio no assentamento Pedra Bonita onde continua até os dias de hoje cuidando de suas roças, plantando, colhendo e entregando legumes aos produtores que os revendem em feiras na cidade de Brasilândia.

É aqui, neste lugar abençoado que seu Verdeano relembra os grandes acontecimentos de sua vida desde que aqui chegou, quando começou a trabalhar, inicialmente como proprietário de olaria. Isso era normal naquele tempo, produzia tijolos, sendo que o barro era farto e oriundo das fazendas que estavam sendo abertas na época.

A mão de obra que era utilizada era a dos próprios moradores da barranca, sitiantes, filhos de pescadores, que tocavam roça e também mantinham seus barreiros para produzir tijolinhos. Os animais (cavalos e jumentos) eram utilizados para tocar a maromba (amassador do barro), tijolo que, depois, era vendido para o estado de São Paulo, sendo transportado através das balsas do porto João André (para Panorama) e porto Cisalpina  (para Paulicéia).

Seu Verdeano recorda que na barranca deste rio, nos tempos de fartura, plantou além do arroz e algodão, cultivou também grandes lavouras de quiabo, cenoura, batata doce, entre outras hortaliças nas terras férteis e alagadiças que beiravam aquele manancial de água do velho Paranazão.

Quando ocorria enchentes ele recorda que todos precisavam sair do lugar. Numa dessas, dentro de casa ficou com água na cintura. Tinha umas casinhas, que eram de um peão, num lugar mais baixo: cobriu tudo até a metade das telhas pelas águas. A população, tudo saía. Não ficava ninguém. Era porco, galinha, cabrito. Nós levava tudo para o lugar alto dentro da fazenda Cisalpina, fugindo da água, num espigão lá. Depois, quando a água baixava, voltava tudo, mas demorava, às vezes, uns trinta dias. Era muito sofrimento.

A força das águas não causava prejuízo somente às casas e às lavouras, também atingia os oleiros. A água tomava conta das roças e das olarias, derretia os tijolos; se o tijolo estava feito, perdia. Recorda também das cobras e dos muitos cabritos que as cobram mataram. Diz que nestas horas as casas ficavam todas cheias de água e ele andava de bote dentro da roça colhendo cachos de banana.

Era como se seu Verdeano estivesse revivendo cada momento daqueles: a gente carregava a criação de bote, depois voltava, trazendo a criação de volta, no mesmo lugar. Tinha de refazer o mangueiro que desmanchava, que a água tinha desmanchado, era um prejuízo total. Na enchente descia muito guapé: ‘guapé’ é um mato que cria dentro d’água - explica - e enroscava na cerca aquele guapé. Aí as cercas, com o peso da água, desmanchava, caía tudo, perdia tudo. Depois que baixava a água, consertava os arames, fazia a cerca tudo outra vez.

Sobre suas plantações, observa com orgulho o fato de ter colhido naquelas terras da barranca abóbora com mais de 30 kg. Colhi muita abobora e quiabo lá. Arroz? Nunca comprei arroz quando plantava lá. Feijão também, nunca comprava. Colhi muita coisa lá. Só não colhi amendoim, que foi lá em Santa Mercedes.

Hoje, com 89 anos de idade, ele não vive somente das recordações daqueles tempos áureos que não voltam mais. Encontra forças nas lutas que também empreendeu por lá. Extremamente lúcido, ele permanece muito ativo, tocando a vida e continua plantando legumes aos quais entrega para terceiro vender na cidade.

E lá está seu Verdeano, no portal de sua morada, no assentamento Pedra Bonita, olhando a sua volta o que o homem anda fazendo com a natureza e o verde que lhe emprestou o nome. Respira fundo e agradece ao Sol estar cumprindo os ensinamentos e a vocação que recebeu de seus pais, de como lidar com respeito a terra. E ter sido um dos pioneiros que também contribuiu com o desenvolvimento econômico de Brasilândia, merecedor de todas as homenagens.

 

Brasilândia/MS, 30 de agosto de 2021. 



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