terça-feira, 24 de agosto de 2021

 Tio Pedro: o Papai Noel da infância de Brasilândia

Carlos Alberto dos Santos Dutra

 






A sala está escura e aos poucos os primeiros estalos e flashes sobre a tela branca iluminam a mente daqueles olhinhos brilhantes atentos aos letreiros que surgiam e inundavam corações. Aquilo era verdadeira paixão diária. Todos os trocados ganhos do pai, Antônio Alpino ganhos por auxiliá-lo na padaria Modelo que a família mantinha e o açougue do nono Pedro Alpino, tinham um endereço certo: a bilheteria daquele cinema encantado que embalou sua juventude.

Sempre muito alinhado, para o orgulho da mãe, Maria Bellote Alpino e sem dúvida, dando uma pontinha de inveja nos demais irmãos, Vanderlei, Douglas, Antônio e Leda, e lá estava o jovem esbelto, de terno e gravata, Pedro Alpino Netto, depois de voltar do trabalho, dirigindo-se ao cinema, demonstrando beleza e despertando o suspiro dos primeiros madrigais por onde passava.

Mas sua atenção estava voltada não para os estudos, pois concluiu apenas o 4º ano primário, mas para os filmes de bang bang que o empolgavam: era o Tarzã; o Rim Tim Tim; o Fantasma, entre outros que se tornaram seus maiores professores  E tantas outras aventuras que o faziam viajar no espaço e no tempo, para lugares distantes da cidade paulista de Marília onde nascera no dia 14 de março de 1938, por vezes chegando a colocar, em pensamento, os pés na terra de seus antepassados, a Itália.

Sant’Andrea, recorda (...). Esse era um nome que sempre lhe vinha à mente, como o badalo de um sino no alto do monte. Sobretudo agora, quando a idade avançada já o alcança e as recordações todas afloram no descompasso dos dias (...). A terra de seus avós e pais, que de lá vieram de navio para o Brasil numa difícil travessia ocorreu no início do século passado e aqui construíram suas vidas e fizeram história.

Esse  parece ser o trecho de uma estrada ainda não percorrida na busca de suas origens, de suas raízes, o que é alimentado e estimulado pela esposa Creuza Aparecida que insiste para que este sonho de viajar não esmoreça (...).

Na ordem dos irmãos Pedro era o segundo e a ele cabia entregar o pão que seus pais produziam na padaria (...). Era um tempo em que esse serviço era feito a cavalo. E lá ia o jovem Pedro Alpino, com apenas 12 anos de idade, contente, muito cedo, pelas estradas ainda sem calçamento de muitas ruas e estradas vicinais, entregando pães; de casa em casa, de sitio em sítio, chegando muitas vezes à sede de fazendas distantes. Isso o fazia, na maioria das vezes, voltar do trabalho já no cair da tarde (...).

O tempo voa e já maduro cismou de tentar a sorte e experimentar outros ares, mais distantes. Sempre gostou de mato, como ele mesmo diz: o nego falava: vamos em tal lugar? Tem mato? Perguntava. Tem. Ao que ele prontamente respondia: Então vamos. De outra feita, recorda, fui à barra do Garças para pescar, em 1967. (...). Nesta oportunidade Tio Pedro chegou a comprar dois jogos de bateia e doar a um garimpeiro que o retribuiu com umas pedrinhas (...).

Foi nas suas andanças pelo Mato Grosso que a vida dura e de provações fizeram-se sentir sobre os ombros deste aventureiro. E isso acabou revelando-lhe o quanto estava preparado para os desafios que enfrentaria. Verdadeiro sertanista em terras ainda pouco exploradas e habitadas somente por indígenas Xavante, com quem travou diálogos e vivências de alteridade dignas de registro e ensaio de um experiente antropólogo.

Hoje, com 83 anos de idade Pedro Alpino Netto revive com brilho nos olhos aqueles tempos e longas histórias cujos personagens principais foram ele, o índio Jon, os garimpeiros e os fazendeiros pelos confins daquela região por onde permaneceu por um bom par de anos. Quando voltou desta aventura, já era um homem feito, trazendo na velha mochila que levou, à exceção das lembranças, quase nenhum vintém do que levou. Estar vivo, são e salvo, foi, sem dúvida, o maior presente para a família que o recebeu de braços abertos.

Aportou por Brasilândia no ano de 1976, com 38 anos de idade logo após o falecimento do prefeito Paulo Simões Braga (1932-1975), quando o vice-prefeito Gentil Ferreira de Souza (1934-2012), assumiu a administração Municipal. Como a vocação que lhe reservara o destino foi a vida rural, foi por aí que iniciou sua trajetória em Brasilândia dedicando-se a trabalhar como administrador de fazenda, tendo permanecido por vários anos, empregado como gerente, da fazenda Buriti,  de onde colecionou o apelido Pedro Buriti.

O apelido carinhoso de Tio Pedro, foi talhado anos depois, pela empresária Maria de Fátima Servilha Barbosa, esposa do saudoso Isac Honorato Barbosa (1946-2010), que se esmerou em aproximar Tio Pedro de uma jovem conhecida sua, o que conseguiu lograr êxito (...). Sempre muito educado e polido no tratamento com os outros, despertou também a simpatia das moças da cidade, entre elas aquela que viria a ser a sua esposa: Creuza Aparecida de Andrade Alpino.

Ela trabalhava como caixa do açougue do Donato Ferreira dos Santos (1940-2015). O então administrador Pedro Buriti nesta época entregava carne neste açougue onde ela trabalhava, porém nunca havia colocado reparo naquela moça. Um dia desses, depois de comprar carne, colocou deitou os olhos sobre o rosto daquela moça que sempre o atendia e não havia percebido seus predicados e formosura. Foi quando dela enamorou-se.

O casamento ocorreu em Marília no dia 5 de maio de 1978. Ele com 40 anos, e ela com 19 anos, para a alegria dos pais da noiva, Joaquim Borges de Andrade (1919-1994) e Maria Demundina da Silva. Foi ao lado da esposa que Tio Pedro viu nascer dessa feliz união os seus três diletos filhos: Danielle, Douglas e Dayane (...).

Após a venda da fazenda Buriti, anos depois, Tio Pedro, em razão de suas habilidades profissionais, conseguiu emprego na Prefeitura Municipal de Brasilândia na função de operador de máquinas, tendo como seu superior Joaquim Pinto Nunes (1954-2000), popular Maritaca. Sempre as voltas com patrolas e caminhões basculantes rasgando as estradas do município, pernoitando muitas vezes ao relento em acampamentos improvisados a quilômetros de distância da sede do município. O que sempre fez com o maior gosto e presteza.

Foram as administrações públicas que se sucederam, comandadas pelos prefeitos Neuza Paulino Maia (1937-2017),  José Cândido da Silva e Marilza Maria Rodrigues do Amaral (1947-2009), entretanto, que fizeram aflorar outro dom que o Tio Pedro possuía: o de se transformar em Papai-noel todos os anos. Era quando ele vestia com o maior zelo e rigor a farda que lhe fora doada por Mauro Alves de Oliveira (1948-2015) que era membro da Loja Maçônica Vigilantes de Brasilândia, e seguia em comitiva oficial do município distribuindo presentes, agasalhos e brinquedos para as crianças nos bairros, sítios e fazendas.

Aquilo era a maior alegria para os moradores que viviam distantes na zona rural. Ao lado dos discursos da secretaria de Promoção Social da época e os prefeitos que se faziam presentes nestes eventos para anunciar obras e serviços realizados por suas administrações, lá se encontrava o papai-noel, o preferido das crianças mais interessadas nas bolas e bonecas distribuídas do que nos discursos de palanque.

Uma rápida olhada nas fotos da época, e o dedo do octogenário Tio Pedro aponta e reconhece ali a sua cabeleira e barba de algodão branco e a clássica vestimenta vermelha que usou por tantos anos. Recorda o tempo que esses eventos eram comandados pelo professor José Quintino de Souza, que era o mestre de cerimônia nestas ocasiões. O caminhão ia à frente anunciando, o Quintino com um alto falante anunciando: Papai Noel chegou! E tinha moleque que corria acompanhando e acenando para ganhar presente, lembra sorrindo.

A fumaça dos churrascos que Tio Pedro comandou e foi mestre, promovidos por entidades filantrópicas de Brasilândia, e também em Marília são lembranças que afloram. É como se o cozinheiro de mão cheia que era estivesse ao redor do churrasco sendo preparado para festas de aniversários, amigos da maçonaria, rapazes do alojamento do primeiro posto de atendimento do Banco do Brasil.

Só para ter uma ideia da fama culinária do Tio Pedro basta dizer que o famoso Capitão Jota (João Paes de Lima) sempre lhe franqueou a entrada em qualquer lugar devido a fama de bom assador de carne que era. Da mesma forma seu talento demonstrado no esporte amador, quando foi goleiro do time de futebol de campo da Portuguesinha e o MAC, de Marília, e jogador do BAC e do União, em Brasilândia.

A tarde declina e uma lágrima teimosa e furtiva ameaça rolar pelo rosto daquele que ainda não contou nem a metade das histórias que guarda no peito. A esposa e os filhos olham para o Tio Pedro, já com rosto de Vovô Pedro, e seus olhares se iluminam cheios de agradecimento e felicidade por poderem contar com sua presença e ter trilhado juntos tantos quilômetros de estrada. Da mesma forma os amigos, entre eles este escrevinhador ouvinte que igualmente se ilumina com a luz que desprende daquele – Pedro Alpino Netto -, que se encontra a nossa frente.












P/S  Fotografias e a história completa desta entrevista concedida pelo Sr. Pedro Alpino Netto ao autor em 13.Jul.2021, se encontra no Volume III-Assistência, da coleção História e Memória de Brasilândia/MS.

 

Brasilândia/MS, 24 de agosto de 2021.
Dia da Infância e Dia do Artista.

3 comentários:

  1. Linda homenagem 🙏🏻🙏🏻🙏🏻

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  2. Linda história que vivemos junto com tio Pedro Buriti! Saudade eterna desse amigo e vizinho!

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  3. Dr Carlito parabéns
    Por escrever a linda história do tio Pedro buriti
    E por escrever as histórias de tantos outros
    Deus abençoe sempre sua vida o senhor também é um grande guerreiro

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