Edilson Fernandes
Lopes, meu amigo Fera, adeus.
Carlos Alberto
dos Santos Dutra
A história do nosso país é construída de migrantes que cruzam o Brasil, de Norte a Sul, e do Centro Oeste ao Sudeste. Homens e mulheres que deixam sua terra natal para buscar a sorte, emprego e felicidade.
Aquela família era uma delas. Foi quando os olhos do pequeno
Edilson Fernandes Lopes se abriram lá na distante Caetité, no alto sertão do
estado da Bahia, no dia 8 de maio de 1960.
Tinha a
honra de nascer na mesma terra que sua mãe -- dona Yeda Dolores Fernandes Lopes --,
havia nascido e para onde voltara, depois de ter casado com Ataíde Lopes na
vizinha Panorama/SP, cinco anos antes. Para a alegria dos avós maternos,
Amphilóphio Fernandes da Silva e Laudemira Gomes Moraes Fernandes, o menino e seus
irmãos cresciam fortes e saudáveis.
Para quem
vem do Nordeste, parada obrigatória, quando não definitiva, é São Paulo. E lá
se encontrava o jovem Edilson em sua adolescência e juventude, bebendo e provando os apelos
luminosos e perigos de uma metrópole, verdadeira terra das oportunidades. A procura do sucesso, entretanto, nem sempre é igual e acessível a todos, exigindo esforço sobre-humano para
vencer os desafios e exigências do cotidiano de uma grande cidade.
É, mas a
história do menino Adilson estava apenas começando. Envolvido com certas
amizades da noite paulistana, no ano de 1986, uma fatalidade o joga no rol dos
proscritos sendo obrigado a deixar sua São Paulo passando a ser
hóspede temporário de um estabelecimento prisional.
Sentença injusta, um mês após, resiliente, intenta fuga, passando desde então a viver na clandestinidade. Com o passar dos anos, estabelecido em Brasilândia, revelou-se exímio mecânico, depois funileiro.
Homem irreverente e que sempre disse o que pensava a todos; não era de bajular engravatados, tendo também um bom coração. Era capaz de
tirar a roupa do corpo para ajudar um irmão que lhe cruzasse o caminho.
Avizinhei-me
dele no antigo bairro Cohab, hoje Tomaz de Almeida, nascendo uma amizade sólida
e verdadeira. Sempre visitados por clientes e amigos, nunca deixou de colocar
sobre a brasa um pedaço de carne ou um peixe que estava sempre à espera do recém-chegado ao lado da cerveja. E
para aqueles que o conheciam-na essência e intimidade também lhes era ofertado graciosamente
o que também procuravam.
Por seus predicados e humanidade, convidei-o para ser meu padrinho de casamento religioso em cerimônia reservada que ocorreu na igreja matriz da Paróquia Cristo Bom Pastor sacramento presidido pelo Pe. Lauri Vital Bósio.
Consolidou-se, assim, uma amizade e sintonia que me permitiu no ano 2008, já como advogado, depois
de várias tentativas promovidas por terceiros, de conseguir, via judicial,
liberá-lo do pesado encargo que o impediu por 22 anos de poder exercer sua
cidadania plena, tirar documentos e não ter que se esquivar todas às vezes de blitz policial nas estradas.
Decisão que
desde 2003 já existia e que o amigo Fera desconhecia que rezava: --Declarada extinta a
pena imposta ao réu, por ter o Estado decaído do direito de executá-la
(Prescrição). E, assim, foi possível entregar tal carta de alforria em mãos para que sua alegria fosse
perfeita e abrisse as portas de seu coração para o seu futuro.
Pouco tempo
depois, lá estava ele em Campo Grande, com sua empresa aberta, com CNPJ e tudo,
prestando serviços de artesanato, o que fez por vários anos. Depois, estabelecendo-se no
estado do Paraná, abre uma empresa de modulados de madeira onde revela todo o
seu lado criativo e artístico, despontando ali um futuro promissor.
Sim, deixava para trás o amigo Fera, os velhos tempos de isolamento social, do refúgio nas músicas de Janis Joplin e Raul Seixas, eternos, onde o enfrentamento ao preconceito sempre falava mais alto e alimentou sua autoestima por anos.
Quantas vezes apresentou-se no portão de minha casa,
com uma trouxa de roupa nas costas dizendo que ia embora e que não dava mais
para aguentar a pressão. Depois de uma longa conversa e um abraço, conseguíamos dissuadi-lo
de tal ideia e recomeçar.
Foi neste
tempo, no ano de 2000, que a poesia “Eis o Homem” foi redigida em sua homenagem tendo sido publicada em jornais e livros. Sua reprodução aqui, na data de seu passamento, é uma singela lembrança que
perpassa também o coração das filhas Daniele e Eliene, irmãos, mãe, sobrinhos, e todos os
amigos que nutriam estima e amor por ele:
"O rosto
ainda traz o brilho da juventude que não o deixou de todo. Irreverente e
símbolo de 'problema', arrebata as angústias e sensibiliza-se com a flor.
Poeta excluído, bebe as dores e contradições intestinas do mundo.
Dedicado ao trabalho, curte as sobras que a vida lhe proporcionou.
Transforma-se em “fera” para sobreviver. Pisam-lhe o rosto com ares de caridade. Roubam-lhe os sonhos e o sustento da família. Hostilizam sua fé e debocham de sua sorte.
Consciente e sereno, entretanto, rompe com a vida normal e se lança ao espaço. Em asas de liberdade, voa mais longe que a morte e saboreia resignado fragrâncias de cumplicidade.
Causa admiração este homem que há tempo já devia ter deixado de ser, o resto que lhes permitiram.
Causa admiração este homem que não sendo pária, junta-se à massa e a pinta em cores de horizonte, para além de muitas noites.
Causa admiração sua coragem de sorrir e acreditar no amanhã.
Mesmo que lhe não lhe estendam a mão, mesmo que
lhe neguem o pão. Mesmo que lhe digam não!"
Descanse em
paz amigo, irmão e compadre, nosso guerreiro Fera.
Brasilândia/MS, 31 de março de 2023.
Descansa em paz meu primo, cumpriu sua missão.
ResponderExcluirMe emocionei com essa homenagem de um grade amigo .
Linda homenagem merecida Parabéns Dr Carlito pelo trabalho e dedicação
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