sábado, 11 de março de 2023

  

O povo Ofaié e a manjedoura de seu renascimento.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


Francisco Rodrigues Xehitâ-ha, líder Ofaié e o diretor de Meio Ambiente da Cesp, Fernando Ferreira Camargo (Foto: Arquivo Dutra, 1994).

Duas datas podem ser lembradas no dia 11 de março. A primeira é a data da criação e instalação da Comarca de Brasilândia (criada pela Lei nº 664/86, instalada no dia 11 de março de 1987), e que abrangia na época a jurisdição dos municípios de Brasilândia e Santa Rita do Pardo. Um marco para o amadurecimento jurídico desta região. 

A outra data na qual nos debruçamos sobre o seu significado maior, é a da transferência da comunidade indígena Ofaié para o seu território imemorial que ocorreu dez anos depois, em 11 de março de 1996 e que garantiu aos primi ocupandi finalmente um pedaço de suas terras ancestrais. Igualmente um marco para o reconhecimento ontológico desta comunidade. 

Jogados de um lado para o outro, desde quando estas terras e seus rios passaram a ser visitados pelos bandeirantes, monções paulistas, linhas telegráficas, postos de atrações, fortes militares, missões religiosas, bugreiros e suas batidas chamadas dadas, e grandes extensões de fazendas..., este povo indígena não sucumbiu. 

Razões de sobra os Ofaié têm para comemorar o dia em que pisaram num cadinho de terra e puderam dizer em alto e bom som, aos quatro ventos: Esta terra tem dono!, como profetizou Sepé Tiaraju em 1753. Depois de muita luta iniciada após o retorno do desterro que a manteve distante por longos oito anos na serra da Bodoquena, eles estavam de volta no centro da história. 

Uma rápida digressão história e lá podemos ouvir um telefonema, no dia 13 de abril de 1994, com informações ainda imprecisas, mas que davam a entender que o líder indígena Ataíde Francisco Rodrigues, o Cacique Xehitâ-ha Ofaié deveria estar presente em Campo Grande no dia 18, onde haveria de acontecer a assinatura de um convênio entre Funai e a concessionária elétrica Cesp. 

A informação vinha da cidade de Presidente Epitácio/SP, de um dos escritórios da Cesp. O Cimi Regional de Campo Grande logo telefona para Brasilândia/MS confirmando a notícia. Rapidamente entramos em contato com Xehitâ-ha, levando a notícia em direção à barranca do rio Paraná, para o assimilar lento da aldeia instalada nas imediações da fazenda Cisalpina. 

Últimos preparativos para a viagem, um carro da Cesp vem buscá-lo e lá está o líder Ofaié sentado à mesa assinando um acordo tido por muitos como  impossível de se realizar. No dia 18 de abril de 1994, portanto, véspera das comemorações do Dia do Índio, em Campo Grande/MS, na sede da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Ataíde Francisco Rodrigues Xehitâ-ha, ao lado do diretor de Meio Ambiente da Cesp, Fernando Ferreira Camargo; do representante da presidência da Funai, Sérgio Moscoso, e a secretária de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso do Sul, Emiko Kawakami de Resende, devolve aos Ofaié sua esperança. 

Foi quando ficou garantido a esta comunidade indígena as condições mínimas para reagruparem-se numa área contígua à Terra Indígena Ofaié Xavante, declarada pela Funai como de posse permanente indígena para efeitos de demarcação (Portaria 264, de 28 de maio de 1992), colocando os últimos caçadores e coletores de Mato Grosso do Sul praticamente dentro de seu antigo território, de onde foram retirados em 1978. 

Passados dois anos, e lá se encontrava a comunidade naquele dia 11 de março de 1996, reunindo entre os seus pertences, todos seus esforços e esperança de retornar a manjedoura de seu antigo território. Chão que seus pais e patrícios conquistaram e fizeram a pé, através de trilheiros, encurtando distância entre os campos e cerrados da Brazil Land Cattle and Packing Company, que aos poucos foram sendo tomados e transformados em sítios e fazendas. 

O olhar, aos poucos vai se distanciando dos palmitos e bacuris. A poeira da estrada agora toma o lugar da suavidade dos rios Verde e Paraná que vai ficando para trás. Ao longe, o rumor das águas da futura hidrelétrica Porto Primavera prenunciava o temporal de uma inundação que a todos atingiria e não tardaria a chegar. E lá se foram os caminhões carregando a mudança dos Ofaié e junto deles suas parcas lembranças. 

A data 11 de março, neste ano celebrada, passados 27 anos de sua origem, representa a vitória de um povo que nunca desistiu, sobretudo os mais antigos que dedicaram a vida por um sonho: o de retornar a sua terra. Antes, porém, tiveram que provar que existiam, tiveram de provar que eram índios e provar que tinham direitos. Foi pelas mãos, sobretudo de um líder, Xehitâ-ha, que este sonho não esmoreceu e se concretizou, depois, ao longo dos anos por meio das demais lideranças que o sucederam. 

Sim, a comunidade indígena Ofaié pode escolher muitas datas para festejar as suas vitórias que foram diárias durante o longo itinerário que empreenderam desde 1986, quando retornaram para sua terra natal. A memória dos que sedimentaram esta estrada é a força e o alimento das novas gerações que permanecem firmes valorizando a cultura e o brio que lhes garante a coragem dos novos rostos para seguir em frente. 

Parabéns Povo Ofaié. Feliz Dia do Retorno a Manjedoura do vosso Renascimento nas margens do Córrego Sete para além do amanhã.

Brasilândia/MS, 11 de março de 2023.

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