sábado, 12 de junho de 2021

 

Em defesa do Cruzeiro - Patrimônio Histórico de Brasilândia.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


Os símbolos municipais são figuras emblemáticas que retratam a história e as características de cada comunidade e traduzem seus elementos mais expressivos, como sua identidade, sua evolução política, administrativa, econômica, seus costumes e tradições.

Aqui em Brasilândia/MS, ao lado da Bandeira, do Escudo, do Hino oficial, e da cor oficial dos prédios públicos, disciplinada em lei, outros símbolos patrimoniais conferem ao município insígnias de importância e nobreza que elevam o espírito cívico de amor a terra e divulgação da história desta terra.

O Painel Cultural montado em material cerâmico no muro da Praça da Matriz que conta a história e a trajetória dos pioneiros que aqui chegaram, é um desses patrimônios, ainda não reconhecido e cujo tombamento história ainda está por se realizar.

Outro ícone da cidade, a Árvore Tamboril, teve melhor sorte: uma lei municipal garantiu de forma inédita, a inscrição daquele belo exemplar centenário que acompanha a história de Brasilândia, como patrimônio histórico da cidade com cláusula de proteção e conservação perpétua.

Um terceiro monumento que ainda carece do reconhecimento oficial como patrimônio histórico de Brasilândia, sem dúvida, é o Cruzeiro, plantado no alto da cidade, ao lado da atual sede da Câmara Municipal, que está a merecer um olhar de atenção mais acurado e de conservação pelos nossos homens públicos.

Símbolo inconteste da anterioridade e construção da comunidade de Brasilândia, o Cruzeiro ali implantado é o marco inabalável e fundante da vila quando ela foi elevada ao status de povoado.

Corria o dia 21 de abril de 1957 e na parte alta de um aglomerado de poucas casas construídas em meio a uma clareira do cerrado, uma cruz de madeira foi erigida e instalada para a realização da primeira missa no lugar.

Construída originalmente em madeira nobre, medindo cerca de 4 metros de altura, sob seus pés, o padre tchecoslovaco John Tomes vindo de Três Lagoas/MS, rezou ali uma missa campal na presença do fundador do lugar, o patriarca Arthur Höffig, seus familiares, autoridades da região e a escassa população que vivia na urbe.

Mais do que expressão religiosa dos pioneiros habitantes do lugar – cidadãos que a partir de 1912 desafiaram o poderio ianque da Brazil Land Cattle and Packing Company para desbravar o vasto sertão habitado, onde viviam os primeiros povos da região -, o marco representa a pilastra da história e do progresso trazido por aqueles que chegaram a esta terra antes habitada somente pelos indígenas Ofaié.

Sob o aspecto histórico, portanto, aquele Cruzeiro se reveste de um particular simbolismo, configurando expressão viva da manifestação cívica do povo brasilandense, mesmo depois de passados tantos anos daquela solenidade.

Segundo informações dos mais antigos, o primeiro Cruzeiro edificado encontrava-se encravado em local mais acima, do lado esquerdo de um carreador entre as chácaras que existiam na parte alta do povoado. O local era muito visitado e donde eram realizadas preces e depositados flores e velas pelos fiéis e religiosos durante as celebrações anuais que ocorriam.

A madeira original desta cruz, passados 30 anos, passou a apresentar sinais de rachaduras e apodrecimento, devido à ação da intempérie e também queimaduras no pé, fruto do constante uso de fogo e o calor das oferendas. No ano de 1989 ela teria sido substituída por outra, na administração do prefeito Prof. José Cândido da Silva.

O novo Cruzeiro teve seu entalhe, então, cunhado pelas mãos do pioneiro Mané Zoada que ajudou a erguer aquele símbolo, ao lado do desbravador Joaquim Cândido da Silva que, ajudado por Isaías Nunes da Silva e Noel Euzébio de Lima, lapidaram com esmero a nova cruz de madeira ali instalada no alto da cidade.

Marco atávico da cultura local é um ícone que se impõem à memória e ao reconhecimento público daquilo que o cristianismo e a fé representaram de forma visível para esta comunidade nos primeiros anos.

Este local, ponto turístico e de referência histórica, uma vez tombado como bem patrimonial da cidade, com certeza, irá cumprir o lugar que merece, recuperando a nomenclatura da antiga Praça dos Fundadores idealizada pelo então vereador Prof. José Cândido da Silva em 1981 e criada pela então prefeita Neuza Paulino Maia em 1984 naquele lugar.

A preocupação com aquele símbolo e seu entorno, logo passou a ser do interesse de muitos cidadãos da comunidade. Em 1989, por exemplo, já havia quem se manifestasse através da imprensa local preocupado com a falta de planos para a preservação da mata nativa nas proximidades da cidade.

A nota publicada fazia menção ao desmatamento que já se verificava na região: Já destruíram o bosque do Cruzeiro, marco inicial de Brasilândia e que poderia ter sido mantido como ponto histórico do município.

E perguntava: Não seria importante preservarmos algumas áreas para a posteridade? Poucas cidades tem a sorte de contar ainda hoje com essa dádiva da natureza.

Que o espírito ecológico recaia sobre nossos homens públicos, concluía a nota escrita há 30 anos pelo Informativo Agulha que circulou encartado no pioneiro Jornal de Brasilândia no dia 11 de dezembro de 1989.

Vinte anos após este alerta, eis que se ventila na cidade que o marco da fundação do município – o monumento do Cruzeiro --, localizado ao lado da sede da Câmara Municipal, seria removido para dar lugar à construção de uma creche ou outro órgão público, o INSS, chegou-se a dizer.

Na época, a imprensa deu espaço ao posicionamento contrário manifestado pela ONG Instituto Cisalpina que dirigiu correspondência ao prefeito da época observando que o local tratava-se de uma área institucional cujo mapa da planta baixa da cidade apontava que ali estaria reservado para a construção de uma praça, o que não fora concretizado em gestões passadas.

A despeito da má conservação do monumento ali instalado, lembrava a associação na época, o Cruzeiro é um bem público e sob ele pesa o princípio da intangibilidade, o que em Direito Público quer dizer que os bens públicos são gravados pelo princípio da inatacabilidade.

Ou seja, depois de tombados para o patrimônio histórico, esses ícones passam a serem bens que não se pode tocar, tamanha a sua importância e utilidade comum ao patrimônio de uma comunidade.

Por essa razão a sensibilidade aqui é chamada aos governantes, mormente aos vereadores que podem apresentar Projeto de Lei, inscrevendo aquele marco fundante da municipalidade no rol do patrimônio histórico de Brasilândia.

Isso porque, é consenso de que, aquele espaço onde deveria existir ali uma praça, a Praça dos Fundadores, ele é o berço da civilização local, signo que plasmou campos e rios, terras e gentes, com a marca do sentimento de urbanidade e respeito aos antepassados, sob a égide da fé.

O evento histórico ali presenciado em tempo passado espalhou, pelos braços simbólicos daquela cruz, desde a parte mais alta da cidade - pode-se supor - divinas mensagens e preces em favor daquele povo reunido a seus pés, que confiou a Deus o seu crescimento e felicidade.

Para a comunidade em geral, restaurar o Cruzeiro e construir uma praça ao seu redor é sinal de sensibilidade cultural e respeito à memória dos primeiros habitantes. Isto porque, há 64 anos, eles guardam na lembrança de que ali, praticamente Brasilândia nasceu.

Bem como registrou o Hino oficial da Cidade Esperança: Marco na história do povo. Junto ao cruzeiro e a praça. O trabalho e o futuro; orgulho de nossa raça. Sim, o Cruzeiro e a Praça dos Fundadores é um monumento que faz parte da liturgia cultural e simbólica desta cidade. E por isso deve ser revitalizado e preservado para as gerações que nos sucederão.


Brasilândia/MS, 12 de junho de 2021.

Placa encontrada num entulho da cidade, que não soçobrou no tempo e na lembrança dos pioneiros, hoje se encontra preservada no acervo da Casa da Cultura de Brasilândia.


Minuta de Projeto de Lei de Tombamento para o Patrimônio Histórico do Cruzeiro de Brasilândia/MS.

 

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