Marçal de Souza Tupã-I, o adeus que ainda Vive
Carlos Alberto dos
Santos Dutra
Adeus Marçal de
guerra,
Que lutava por
terra, eram tempos difíceis.
Adeus Marçal de
sonhos,
Guarani de fibra, voz afiada em
riste,
A desafiar poderosos.
Adeus Marçal de
Souza,
Como tantos silvas,
pereiras, santos,
Anônimos e
esquecidos.
Adeus Marçal do
Papa, da mídia,
Da palavra e do mutirão,
Da enfermaria, da
tribuna e dos tribunais.
É, amigo Nhãndeva,
segura firme neste microfone. E grita. Brada aos ventos a injustiça que temos. E
a que falta aos pequenos. A terra que não temos, o pão que não comemos. É,
amigo Kaiowá, teus irmãos ainda lutam. Paulito e Marta,
ainda ontem partiram, Falaram que iam ao teu encontro. Como outros que já se
foram, antes do tempo e depois.
É, amigo Mbyá,
irmão de longe,
Que também se soma
em coro, na dor.
Ainda que as
portas se fechem,
Ainda que juízes
te arquivem
Nos porões do
esquecimento.
Yvy Maraney é blasfêmia aos
ouvidos do latifúndio. Incomoda lhes saber que tua memória vive. Que tuas
ideias comovem. Tua lembrança fere
e questiona a nossa Ordem. E desnuda a hipocrisia, cultivada dia-a-dia, nos
discursos sem alarde.
Adeus Marçal desse
mundo. Nem um julgamento decente te damos. Adeus Marçal dessa terra, nem um
monumento à tua altura fizemos. Adeus
Marçal Guarani, a espera é longa, mas não tarda. Logo o ajuste de contas os
espreita, na esquina senil da vida. Donos do mundo e
das coisas, nos apossamos. Donos das pessoas e da vida, as compramos. Donos da
Lei, da Moral e da Justiça, as decretamos para que os outros a cumpram.
Marçal de
Souza Tupã-I tu ainda vives. Podem extinguir e arquivar processos de nanquim e celulose. Porém,
não podem calar a carne. E a verve da tua
voz. Aquela que vem de longe, com o sabor das matas, e dos campos e das
aldeias. A voz do Pirakuá Guarani ao São Lourenço Guató; do Boa
Esperança Ofaié à Aldeinha Terena; do Tarumã Kadiwéu ao Panambi Kaiowá; e tantos tekoha com suas lutas. E suas changas que se somam
na esperança.
Marçal de Souza vive. E tal qual um pa-í Kaiowá e Ñhanderu Nhandeva maneja seu chocalho dos sonhos, à semelhança de um Sepé Tiaraju, permanecendo uma estrela de maior brilho. Não mais como sonho, mas como
realidade construída. Não pelos homens, ditos doutos e letrados, mas pelas mãos
de teus patrícios, parceiros. Irmãos que
manuseiam a terra, desafiam a morte e ousam cantar liberdade.
Publicado originalmente no jornal Diário MS, Dourados-MS, 24 de novembro de 2003; A Tribuna, Campo Grande/MS, 23-29 de novembro de 2003, Jornal da Cidade, Brasilândia-MS, 21 de março de 2003, e em DUTRA, C.A.S. Uma flecha no coração de Hans Kelsen, Brasilândia-MS: Edição do Autor/Clube de Autores, 2009, p. 10. Sobre Marçal de Sopuza Cf. Marçal Guarani: um paradigma de vida e morte indígena no Brasil | Cimi
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