sábado, 6 de setembro de 2025

 

Marçal de Souza Tupã-I, o adeus que ainda Vive

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

 








Adeus Marçal de guerra,
Que lutava por terra, eram tempos difíceis.
Adeus Marçal de sonhos, 
Guarani de fibra, voz afiada em riste, 
A desafiar poderosos.
Adeus Marçal de Souza,
Como tantos silvas, pereiras, santos,
Anônimos e esquecidos.
Adeus Marçal do Papa, da mídia, 
Da palavra e do mutirão,
Da enfermaria, da tribuna e dos tribunais. 


É, amigo Nhãndeva, segura firme neste microfone. E grita. Brada aos ventos a injustiça que temos. E a que falta aos pequenos. A terra que não temos, o pão que não comemos. É, amigo Kaiowá, teus irmãos ainda lutam. Paulito e Marta, ainda ontem partiram, Falaram que iam ao teu encontro. Como outros que já se foram, antes do tempo e depois.
 
É, amigo Mbyá, irmão de longe,
Que também se soma em coro, na dor.
Ainda que as portas se fechem,
Ainda que juízes te arquivem
Nos porões do esquecimento.
Yvy Maraney é blasfêmia aos ouvidos do latifúndio. Incomoda lhes saber que tua memória vive. Que tuas ideias comovem. Tua lembrança fere e questiona a nossa Ordem. E desnuda a hipocrisia, cultivada dia-a-dia, nos discursos sem alarde.
 
Adeus Marçal desse mundo. Nem um julgamento decente te damos. Adeus Marçal dessa terra, nem um monumento à tua altura fizemos. Adeus Marçal Guarani, a espera é longa, mas não tarda. Logo o ajuste de contas os espreita, na esquina senil da vida. Donos do mundo e das coisas, nos apossamos. Donos das pessoas e da vida, as compramos. Donos da Lei, da Moral e da Justiça, as decretamos para que os outros a cumpram.


Marçal de Souza Tupã-I tu ainda vives. Podem extinguir e arquivar processos de nanquim e celulose. Porém, não podem calar a carne. E a verve da tua voz. Aquela que vem de longe, com o sabor das matas, e dos campos e das aldeias. A voz do Pirakuá Guarani ao São Lourenço Guató; do Boa Esperança Ofaié à Aldeinha Terena; do Tarumã Kadiwéu ao Panambi Kaiowá; e tantos tekoha com suas lutas. E suas changas que se somam na esperança. 


Marçal de Souza vive. E tal qual um pa-í Kaiowá e Ñhanderu Nhandeva maneja seu chocalho dos sonhos, à semelhança de um Sepé Tiaraju, permanecendo uma estrela de maior brilho. Não mais como sonho, mas como realidade construída. Não pelos homens, ditos doutos e letrados, mas pelas mãos de teus patrícios, parceiros. Irmãos que manuseiam a terra, desafiam a morte e ousam cantar liberdade.

 

Publicado originalmente no jornal Diário MS, Dourados-MS, 24 de novembro de 2003; A Tribuna, Campo Grande/MS, 23-29 de novembro de 2003, Jornal da Cidade, Brasilândia-MS, 21 de março de 2003, e em DUTRA, C.A.S. Uma flecha no coração de Hans Kelsen, Brasilândia-MS: Edição do Autor/Clube de Autores, 2009, p. 10. Sobre Marçal de Sopuza Cf. Marçal Guarani: um paradigma de vida e morte indígena no Brasil | Cimi

 

 

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