sábado, 17 de abril de 2021

 

Dona Antônia Pereira da Costa, uma lembrança, uma história.

Carlos Alberto dos Santos Dutra

 


O dia corria calmo. O telefone toca. É uma senhora de voz grave que me dirige a palavra pela primeira vez. Falava-me que queria agradecer as palavras de consolo e alento dirigidas à família por ocasião do falecimento de seu esposo, Hélio Katsumi Kobayashi falecido no dia 21 de março de 2019.

Falava que minhas palavras haviam tocado o seu coração e que queria me conhecer, pois, segundo ela, eu deveria ser uma pessoa especial com quem teria o máximo prazer em conversar.

Minha esposa já tinha me falado desta gentil senhora que, certa vez, dedicou-lhe um bom par de horas para contar-lhe os segredos da vida, sua história e seus sonhos. Tratava-se, sim, de uma pessoa onde nossos ouvidos podiam descansar como se numa rede estivesse, ao som dos pássaros no fim de uma tarde outonal.

Pois essa senhora, no dia de ontem, deixou a cidade de Brasilândia para sempre. Dona Antônia Pereira da Costa, conhecida pelos mais íntimos como Tonica, não resistiu à investida cruel da Covid-19 e rapidamente partiu, sem mesmo poder se despedir da família e dos amigos.

Aquela foi a ultima vez que ouvi sua voz e suas palavras, e lembro que havia lhe prometido visitá-la. Não o fiz. E como lamento não ter podido vê-la. Não para receber suas homenagens pela admiração que todos nós dispensávamos ao seu amado Hélio Kobayashi, mas para poder igualmente beber na fonte de sua sabedoria, bom gosto e simplicidade.

Nascida na cidade de Paranaíba no dia 15 de setembro de 1932, seu pai chamava-se Antônio Rangel Gusmão e sobre sua mãe, que morreu de parto após ela nascer, só sabia que se chamava Maria. Era uma família de quatro irmãos, dois meninos e duas meninas; ela era a caçula, lembra a neta Michelle.

E a menina cresceu, cheia de sonhos e encantos com a vida que despertava. A infância passou-a na cidade natal, e desde cedo mostrou gosto pela Educação, passando a dar aulas para as crianças nas fazendas com apenas 15 anos de idade.

Muito determinada, demonstrando traços de uma natural elegância e fina formação, associada à vocação para o magistério como professora de alfabetização rural, também ensinava etiqueta e crochê para filhas de fazendeiros que eram preparadas para se casar.

O sonho de ser professora só se realizou quando ela deixou Paranaíba e foi morar com seus padrinhos em São José do Rio Preto, onde iniciou e concluiu seus estudos formando-se professora.

Conheceu seu Hélio Kobayashi quando foi morar em Andradina para ensinar a filha mais velha do ‘Rei do gado’ , Antônio Joaquim de Moura Andrade, contava ela com muito orgulho. 

Quando a jovem Tonica colocou os olhos sobre aquele jovem balconista que trabalhava na farmácia do irmão mais velho, Hydetian Kobayashi, um novo tempo para ela abria-lhe as portas da felicidade.

A vida dá muitas voltas na caminhada que empreendemos. No seu caso o sonho mais antigo era abrir uma butique. Já tinha experiência, pois havia trabalhado vendendo roupas e atendendo mulheres em casa quando se mudou para Três Lagoas. 

Nesta época, recorda a neta Michelle,  quando meu avô foi se aventurar como garimpeiro no Amazonas e passava meses sem vir pra casaminha avó teve que sustentar a casa e os dois filhos, Alberto e Theotonio, um estudando para engenharia e outro para concurso público do Estado.

Esta guerreira, desde que chegou a Brasilândia na década de 1990, também foi uma engajada cidadã. Fotografias antigas revelam seu rosto presente desde a fundação Rotary Club local ao lado do esposo, participando e depois assumindo a presidência da Casa da Amizade em 1999 tornando-se presidente de honra da entidade por muitos anos.

No foro íntimo, dona Antônia era uma legítima matriarca e gostava de ser informada sobre tudo que ocorria a sua volta, sobretudo no âmbito da família, onde ela era a senhora do lar. Segundo a neta Michelle, em todas as situações, mesmo quando nós fingíamos fazer o que ela determinava, a palavra final sempre era dela.

Sempre foi uma lady, desde a juventude, até para cozinhar. A neta relembra que morou com seus avós dos seis aos trinta e três anos e confessa: só vi minha avó parar de cozinhar de calçado de salto, quando suas pernas já não a obedeciam mais por causa da osteoporose e descalcificação adquirida com os anos e as longas jornadas carregando pesadas malas de roupas para vender.

Guerreira de coroa, minha avó era uma muralha que estava sempre ao lado do meu avô em tudo; mestre zelosa criou os filhos e os netos ensinando-lhes a serem firmes e honestos. Também foi sempre muito caridosa. 

Deixam saudade os aniversários e festas comemorativas, cujas mesas estavam sempre cheias de coisas gostosas, um carneiro recheado assado inteiro com o melhor tempero do mundo, as quatro saladas, duas refrescantes e duas cremosas, o Gohan (arroz japonês) que não podia faltar...

Ah. Vó Antônia, mãe Antônia, tia Antônia, amiga Antônia. É só saudade nesse vazio que você deixou.

E essa doença maldita que nos tirou o direito de consolar e ser consolados, sem o direito de nos despedir, tudo tão frio e solitário.  Doença que nos roubou o bem mais precioso e acabou inclusive com os planos que todos temos em relação à morte, queixa-se a família. 

Sem dignidade alguma, enrolada em um plástico impermeável foi colocada em um buraco: ‘área dos mortos por Covid19’. Nem o direito de repousar ao lado do marido e do filho no túmulo ela teve...

Por aqui a dor vai permanecer por muito tempo. Embora isso não seja mais importante. Porque sua alma, temos convicção, descansa nos braços do Pai e sob os cuidados da Mãe Celeste. Fique em Paz dona Antônia Pereira da Costa.

... 

Como bem nos confidenciou o querido amigo e mestre Mário Nelson da Silva numa síntese perfeita do que foi e representou esta senhora para Brasilândia: Dona Antônia, a Grande Dama foi reunir-se com o Esposo Dr. Hélio Kobayashi, e o Filho Alberto ‘Koba’ na Casa Celestial. A Elegância e a Inteligência da Senhora Antônia, lhe conferia o ar e postura de Nobreza que marcou o seu tempo na Sociedade brasilandense. Deus a tenha!

Brasilândia/MS, 16 de abril de 2021.




Com informações gentilmente cedidas por Michelle Alves de Oliveira Quintino.



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