terça-feira, 7 de junho de 2022

Dona Maria, Mãe Cândida de Jesus Diogo.

Carlos Alberto dos Santos Dutra.


Existem mulheres que seu olhar nos confunde. Sobretudo quando transparecem estar revestida de uma aura dourada de santa. Dona Maria tinha esse aspecto e semelhança. Não aquelas santas rosadas, de gesso, intocadas, que vemos nos altares. Nossa Maria, ao contrário, não era de pedra, era de carne e osso, tinha o corpo franzino, braços esguios e percepção cujas imagens lhe pareciam povoadas de sombras. E mesmo assim seu olhar iluminava.

No seu nome, já observamos na tradução o espírito que ela fora concebida. Além de Maria, nome sagrado e que encarna todas as mães e mulheres do mundo, ela também era Cândida: de aspecto brando, de coloração clara, roupas muito alvas, sempre muito franca e de natureza sincera. E como se não bastasse seu nome ainda informava não ser uma cândida qualquer: era Cândida de Jesus, à semelhança da Imaculada, mãe e filha do Salvador.

Pois foi essa mulher, Maria Cândida que, ao casar com o jovem Sebastião, fez a santidade descer dos céus e avizinhar-se na terra. Inicialmente na cidade de Ouro Verde-SP onde plantaram roça para sobreviver e constituíram ali uma família de doze filhos - Luzia, Joaquim, José, Linda, Leontina, Lourdes, João, Sara, Aparecida, Jair, Lúcia, e o caçula, na época, Jorge Justino Diogo.

Foi, entretanto pelas mãos da carpintaria exercida pelo esposo que aquele casal venceu a pobreza, enfrentou as dificuldades da vida, criou e alimentou os filhos. Tarefa que coube essencialmente a esposa, dona Maria Cândida, que exerceu seu sacerdócio com paciência e afinco, buscando forças do Alto para bem educar seus rebentos no amor e na dignidade. 

Mudaram-se para Brasilândia em 1972, paraíso onde dona Maria Cândida e o esposo viram rebentos novos florirem - Mariana e Luiz - completando a felicidade daquela família. Residindo inicialmente na fazenda Rochedo, onde o senhor Joaquim Medeiros foi um bom patrão e administrador, sempre correto no pagamento,  lembra Jorge, na época com apenas 3 anos de idade, e foram tocando a vida.

Em meio às andanças do marido sempre construindo mangueiros e currais pelas fazendas, requisitado que era pelos bons serviços praticado, lá estava dona Maria Cândida, mulher forte, na porta da casa, fitando o horizonte, domando os desafios do dia a dia, verdadeira matriarca, heroína na defesa de seus filhos.

Mulher religiosa e de retos princípios cristãos participou dos primeiros passos de sua comunidade de fé tendo acompanhado o marido nas reuniões da Comissão de Construção da Nova Igreja Matriz da Paróquia Cristo Bom Pastor no ano de 2001, quando um vendaval destruiu a antiga igreja exigindo o envolvimento e a contribuição de todos os paroquianos na reconstrução do templo.

Mulher simples e lutadora, depois da morte do marido em 2003, permaneceu morando na mesma casa onde construiu seus sonhos, mesmo sentindo cada vez mais a casa vazia pela ausência e a partida dos filhos que um a um foram seguindo seu rumo: casando, mudando, falecendo. Dor que só as mães sentem quando a ordem natural se inverte, pois os pais não deviam enterrar seus filhos.

E ela sobreviveu. Venceu a doença e a perda da visão. E o que parecia ser o final de seus dias, foi o que lhe deu motivo para recomeçar. Na verdade ela nunca desanimou. Diante de aparência tão frágil, escondia-se ali uma sólida fortaleza. Via-se ali a matriz e o cerne de fibra nobre, à semelhança da madeira aplainada pelo esposo em velhas porteiras de fazendas de outrora, que resistiu o vento e a chuva. Deste material essa senhora parecia ter sido construída.

A casa se encontra praticamente vazia. A visão, agora são apenas sombras e nuvens. E em meio à escuridão, lá estava ela, atenta ao ruído do portão. Diante dos passos do desconhecido ela prontamente anunciava o seu nome, conhecendo o visitante apenas pela bulha do andar, antes mesmo de ouvir suas palavras. Quando um filho chegava seu semblante iluminava. Afinal, foram pesinhos, bracinhos e aqueles corpinhos frágeis e queridos que um dia ela aconchegou um a um em seu colo de mãe... E que agora, crescidos, retornavam.

Oh, que alegria quando a casa estava cheia. Toda feliz, lá estava dona Maria Cândida querendo preparar o alimento para os filhos; afinal, foi o que mais fez durante a vida, na regência da casa. E na ânsia de servir, circula pela cozinha, tateia os armários, tropeça, cai, levanta e continua, pouco se importando com a cicatriz que lhe marca o rosto.

Ah, dona Maria Cândida, agora somos nós seus filhos que sentimos falta do seu aconchego e palavras, às vezes duras de repreensão, justamente quando partes. Saudade desses seus braços consumidos pelo trabalho realizado e que garantiu cada um de nós chegar até aqui. Braços vigorosos que nos sustentaram e envolveram, semeando em nós confiança e amor ao próximo. Ah, esse olhar hoje a esmo, outrora cristalino, foi como um raio, um farol de luz, que sempre nos orientou.

Hoje, dona Maria Cândida de Jesus Diogo, teus filhos, netos, bisnetos e toda uma constelação de familiares que construíste e inspirou, tal qual as estrelas do céu, todos ainda choram a sua partida. Porque foste imprescindível para todos, também para os vizinhos e amigos, que a tinham como uma pessoa que soube, através da simplicidade, edificar as colunas de um templo chamado família, testemunho que lhe darão, com certeza, as chaves do Reino Eterno.

E por ter sido uma alma desprendida e caridosa, que nada acumulou durante a vida a não ser generosidade e bem querer, naquele dia 10 de junho de 2019, passado já três anos, quando se apartou de nós para sempre, entre um soluço e uma lágrima, temos o consolo de saber que fostes carregada no colo para o céu pelos anjos do bom Deus. Descanse em paz nossa santa.

Publicado originalmente em 10 de junho de 2019.


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