terça-feira, 24 de setembro de 2024

 

Ofaié: na memória de Nova Andradina para sempre

Carlos Alberto dos Santos Dutra

 

O que faz um professor empenhar-se tanto na preservação da história? O que faz um pesquisador dedicar-se na busca das origens e marcas de um povo nesta mesma história?

Que chama os encandece ao deitar os olhos sobre as luzes e sombras do trajeto de um povo no tempo e no espaço? Que obstinação? Que causa perdida os impulsiona a se lançar por inteiro pela trilha do querer e de um saber que a maioria se nega a pisar?

São estas e outras perguntas que poderiam ser feitas ao professor e ao pesquisador diante de um acontecimento tão grandioso ao contemplar este Monumento e Placa Ofaié na Praça Brasil e o Espaço Ofaié no Museu Histórico e Cultural Antônio Joaquim de Moura Andrade, na cidade de Nova Andradina/MS inaugurados hoje.

A resposta simples, sintetizando tudo o que vai no coração de cada um dos historiadores, talvez, possa ser dada, não pelos doutos senhores da cátedra, mas por aqueles que sempre estiveram no centro da história, ao meu e ao seu lado.

E eis que a voz surge por lábios e garganta há tanto tempo calados; brota de olhares cabisbaixos e arredios encurralados pelos matos; visíveis por mãos e braços que acenam gestos AGANÍE de silenciosa resistência; revivem pernas e pés rápidos pelas trilhas do abandono fugindo das dadas com a proteção de AGAXOW...

--Esperamos todo este tempo para voltar aqui. E agora cá estamos para dizer que já estivemos aqui, vivemos aqui, morremos aqui. Mas ainda estamos vivos.

--A memória hoje celebrada, nossos velhos não mais estão aqui para dançar de felicidade ao redor do cocho de kauim em guachiré de outrora;

--A memória hoje celebrada, sim, enche os olhos de nossas crianças de alegria e esperança, porque sentiram-se acolhidas e viram o esforço realizado.

--Mesmo sem entender direito, nós também, festejamos a homenagem que nos é conferida, e o nosso coração bate forte, pois estes símbolos demonstram que o tempo do respeito e do reconhecimento à alteridade também aqui chegou. Mas não em todo o lugar.

--Por isso seguimos lutando...

É esse vigor que brota dos protagonistas da história vinda de baixo, que renasce da seiva que alimenta a terra, que pereniza os sonhos e os ideais de justiça, que embala o empenho pelo saber perseguidos pelos professores.

Reconforta a alma saber que a memória e o Saber Indígena pode ser dividido, partilhado e democratizado, revolucionando as estruturas de poder, colocando o dedo na ferida em busca de sua cicatrização.

Parabéns povo Ofaié. Parabéns professor Eduardo Martins. Parabéns UFMS. Parabéns Nova Andradina.   


De Brasilândia para Nova Andradina, 24 de setembro de 2024.



domingo, 22 de setembro de 2024

 

"SABE MOÇO "

(Francisco Alves/Leopoldo Rassier)



 

Sabe, moço

Que no meio do alvoroço

Tive um lenço no pescoço

Que foi bandeira pra mim

Que andei em mil peleias

Em lutas brutas e feias

Desde o começo até o fim

 

Sabe, moço

Depois das revoluções

Vi esbanjarem brasões

Pra caudilhos coronéis

Vi cintilarem anéis

Assinatura em papéis

Honrarias para heróis

 

É duro, moço

Olhar agora pra história

E ver páginas de glórias

E retratos de imortais

 

Sabe, moço

Fui guerreiro como tantos

Que andaram nos quatro cantos

Sempre seguindo um clarim

 

E o que restou?

Ah, sim!

No peito em vez de medalhas

Cicatrizes de batalhas

Foi o que sobrou pra mim

 

Sabe, moço

Que no meio do alvoroço

Tive um lenço no pescoço

Que foi bandeira pra mim

Que andei em mil peleias

Em lutas brutas e feias

Desde o começo até o fim

 

Sabe, moço

Depois das revoluções

Vi esbanjarem brasões

Pra caudilhos coronéis

Vi cintilarem anéis

Assinatura em papéis

Honrarias para heróis

 

É duro, moço

Olhar agora pra história

E ver páginas de glórias

E retratos de imortais

 

Sabe, moço

Fui guerreiro como tantos

Que andaram nos quatro cantos

Sempre seguindo um clarim

 

E o que restou?

Ah, sim!

No peito em vez de medalhas

Cicatrizes de batalhas

Foi o que sobrou pra mim

 

Ah, sim!

No peito em vez de medalhas

Cicatrizes de batalhas

Foi o que sobrou pra mim.



Enviado pelo amigo cacequiense Victor Hugo Noroefé que, como nosotros, distantes, mantém firmes as raízes na pampa gaúcha.

Brasilândia/MS, 20 de setembro de 2024.



sexta-feira, 20 de setembro de 2024

 

Salve o 20 de Setembro, Dia do Gaúcho!

Carlos Alberto dos Santos Dutra


No dia dedicado ao gaúcho, relembro uma passagem deste escrevinhador pela Câmara Municipal de Brasilândia, no dia 19 de setembro de 2005, onde o então neófito vereador Carlito fazendo uso da tribuna no momento das Explicações Pessoais, assim se dirigiu:

"Senhor Presidente. Ocupo esse espaço para falar lá do Rio Grande, meu estado natal, que nessa semana comemora o chamado 20 de setembro, tido como a data de fundação política e administrativa do estado gaúcho.

Saibam os senhores que o Rio Grande do Sul foi o único estado do Brasil que não fez parte dos domínios coloniais de Portugal. Pertenceu a Espanha até 150 anos depois da chamada “descoberta” pelos portugueses.

Foi somente em 1737, que a capitania São Pedro do Rio Grande foi criada. Mas foi o marco da Revolução Farroupilha, que durou 10 anos em 1835, e definiu as cores da bandeira e o contorno geográfico das terras dos antigos habitantes gáuches.

Hoje, vivendo nessa cidade de Brasilândia que honrosamente me adotou, depois de 19 anos, pois aqui cheguei no dia 2 de fevereiro de 1986, sabe, Senhor Presidente, já perdi até o sotaque de gaúcho praticado lá no sul. Perdi o jeito de falar, em especial a charla galponeira lá da pampa que faz divisa, prás bandas do Cacequi, fronteira Oeste com a Argentina e Uruguai.

E nestes dias, lá no sul, há todo o revigoramento da cultura e sentimento telúrico, de volta às raízes. Com gineteadas e bombachas, trovas e fandangos, e o chimarrão macanudo sorvendo de mão em mão, orgulho da nossa tradição. 

E nessa hora, até mesmo a gente que vive distante, fica com saudade e começa a relembrar o passado. E começa a reeducar a língua e o sotaque, que aos poucos vai voltando, se lembrando do guri, o piazito de campanha que fomos ontem e o velho táta que vamos nos transformando com o branquear do velo, do velho capão que insiste em ser borrego. 

Ah! Senhor Presidente e dignos vereadores dessa Casa. Perdoe a minha xucra linguagem. Povo de Brasilândia que nos ouve pelas ondas do rádio e neste Tribuna, peço licença prá enveredar em cancha reta no rumo do sentimento e do coração. 

Com permisso paisano, peço para proferir uma oração muito conhecida no Rio Grande, como uma homenagem a essa cultura gaúcha, também presente aqui em Brasilândia. Mesmo que contem piadas maldosas sobre o gaúcho. Tem muita gente que cultiva os valores do sul a nossa volta, mesmo por aqui.

A homenagem que faço, portanto, é a Oração do Pai Nosso numa versão bem xirua, gaudéria, redigida por um cuéra que vivia lá pelos fundões do rincão de sua pátria gaúcha. A oração chama-se Prece do Gaúcho e diz mais ou menos assim: 

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e com licença Patrão Celestial. Vou chegando, enquanto cevo o amargo das minhas confidências, porque ao romper da madrugada e ao descambar do sol, preciso camperear por estas invernadas e repontear do Céu a força e a coragem para o entrevero do dia que passa. 

Eu bem sei que qualquer guasca bem pilchado, de faca rebenque e esporas, não se afirma nos arreios da vida, se não se estriba na proteção do céu. Ouve Patrão Celestial, a oração que te faço. Tomara que todo mundo seja como irmão. Ajuda-me a perdoar as afrontas e não fazer aos outros o que não quero para mim. 

Perdoa-me Senhor, porque rengueando pelas canhadas da fraqueza humana, de quando em vez, quase sem querer, eu me solto porteira afora... Eta potrilho chucro, renegado e caborteiro. Mas eu te garanto, Meu Deus, quero ser bom e direito. 

Ajuda-me Virgem Maria, primeira prenda do céu. Socorre-me São Pedro, capataz da Estância Gaúcha. Pra fim de conversa, vou te dizer, meu Deus, mas somente pra ti: que tua vontade leve a minha de cabresto, pra todo o sempre até a querência do Céu. Amém”. Obrigado, Senhor Presidente.

Brasilândia/MS, 20 de setembro de 2005, Sessão da Câmara Municipal. Publicado no cadernos de Educação Popular do Mandato Popular do Vereador Carlito, 1º vereador eleito pelo PT em Brasilândia/MS.

A "Prece do Gaúcho" é de autoria de Dom Luiz Felipe de Nadal. 

O vídeo é de 1996, Comício Sem Medo de Ser Feliz, onde o então candidato solitário ao pleito naquele ano declamou "Morte do Brigadiano", de Dimas Costa, ao lado de outras manifestações populares numa noite memorável.  

 

O futuro de Brasilândia está no voto
Carlos Alberto dos Santos Dutra


Faltam 15 dias para as eleições. Os carros de som, os adesivos, as bandeiras e as visitas domiciliares se acirram. A entrega de santinhos e as mensagens pelas mídias sociais ocupam mais espaço que os comícios, cada vez mais raros na agenda da cidade. Não como antigamente, mas a dinâmica da campanha continua a mesma, e ainda possui o seu atrativo e a sua força transformadora. 

A princípio, o movimento começou tímido, como se os candidatos estivessem esquentando os motores, enquanto aguardavam a adesão do povo e o patrocínio financeiro dos caciques deputados. E, assim, aos poucos, os candidatos foram arriscando o verbo e ousando avançar para águas mais profundas.

Diferente de eleições passadas, o pleito deste ano apresentou um diferencial: todos concordam que a cidade melhorou e ambos os candidatos fazem todo o esforço para que isso continue. Ou seja, todos os candidatos desejam e pregam que o município avance ainda mais. O que tornou também a eleição mais disputada.

Isso é o que se percebe na fala do povo e no pronunciamento dos candidatos através de suas lives e vídeos enviados aos mais diferentes eleitores. Tais expedientes oportunizam aos candidatos o feedback de seus potenciais eleitores no plano macro, distante do pessoal, viajando no mundo das ideias e das emoções.

O ambiente dos comícios, que antes da Lei 11.300/2006 permitia aos candidatos agraciar os eleitores com comida e bebida, promovendo shows de cantores, hoje perdeu parte do atrativo e o número de pessoas que os frequenta diminuiu drasticamente. Mais produtivas, os candidatos têm optado por transformar seus comícios em reuniões menores, dirigidas para um público alvo mais específico de eleitores.

Ainda assim, este ambiente sonoro e colorido, o calor da mensagem, a força da palavra e o sentimento corporativo das coligações demonstram o diferencial entre os candidatos e o ânimo de seus integrantes, formando uma amálgama de idealismo e sentimento pátrio.


Estar à frente no palanque, entretanto, é uma espécie de termômetro. Só que poucos percebem que ali não é o espaço para aprofundar propostas e projetos. Ali a matemática não conta e tampouco a lógica do raciocínio e das planilhas, o que pode ser mensurado no corpo a corpo. Mede-se o candidato pelo tom da voz e do alcance da verve, pela idoneidade e firmeza com que fala. E isso cativa o eleitorado, sobretudo o pouco letrado que valoriza e aprecia um bom orador. 

Ou seja, o candidato tem a oportunidade de dizer o que seria impensável, e o faz, para conclamar e provocar a massa. Em outras palavras, arrisca-se. É o momento de medir à quantas anda a sua empatia e comunicação com o eleitor. E saber o quanto ele é receptivo ao que o candidato pensa e diz.

A presença no palanque -- onde a primeira impressão é que fica --, é fundamental, pois ali o candidato começa a delinear a direção de seu discurso demarcando o campo e os passos que dará diante do grupo a que faz parte. E tem de serem rápidos, porque a urna os espreita logo ali no dia 6 de outubro, domingo da eleição. Chegado este dia, não há tempo para mais nada, a não ser confiar no que realizou e o consolo de que fez o melhor que pode.

Em que pese possa ter havido, de ambas as partes, alguma desídia e acusação disso ou daquilo em desfavor de alguém, ao eleitor inexoravelmente caberá a decisão. Ao candidato a Vereador e a Prefeito, nesta hora, tudo vale a pena se a alma não é pequena, parafraseio aqui meu poeta preferido, Fernando Pessoa.

Tudo acontece com o objetivo de arregimentar simpatizantes, não à custa da animosidade com os opostos, criada e alimentada pela mídia e opinião pública, e tão pouco com a execrável peste da democracia, a compra de votos, mas de escolher o que vai ao coração e reta intenção de cada um desses que se propõem a administrar a res publica.

Em contrapartida, aos poucos os discursos vão se tornando cada vez mais semelhantes e o caminho das coligações locais passam a trilhar a novidade comum a todos, uma vez que ela é gestada no coração de um mesmo povo, de uma mesma comunidade que deseja olhar para frente. Na linha do horizonte os projetos se assemelham; divergem apenas no modus operandi e nos fins últimos, quiçá.

De um lado, há os candidatos que se apresentam como alternativa para avançar em face do modelo atual que se encontra em curso. É quando o povo ouve as palavras da filha dileta desta terra, vendo saltar aos olhos e no pulsar do coração, sua vontade pueril de cuidar e bem zelar esta casa, a sua casa, a nossa casa, a nossa querida Brasilândia. Bastantes objetivos também seus vereadores coligados, defendem as propostas que os embala neste sonho varonil.

Dizem seus nomes, seus números, e pedem voto para a Prefeita Márcia Amaral e o Vice Fábio Toledo. Tudo em razão desta coligação estar composta por trinta e nove candidatos a vereador, repletos de projetos e sonhos, sobretudo os novatos, em busca de mudanças estruturais, fazendo a cidade avançar no âmbito do desenvolvimento com um novo rosto e uma nova aura. 

Mas o tempo urge, sem delongas. Embora algum candidato bem que tenha tentado espichar seu discurso e tempo no palanque, para ganhar alguns minutos a mais em favor da coligação Avança Brasilândia, lá vão eles confiantes, tendo em mãos o belo e consistente programa de governo, desfraldando suas bandeiras e levando adiante o lema motivador: Márcia Amaral, [agora] é a vez dela!

Do outro lado, na voz do palanque e dos discursos, a tônica também é avançar, e ainda mais, com a continuidade do sucesso da atual administração, a segurança jurídica e o equilíbrio financeiro vivido pela municipalidade e o aspecto asséptico implantado pela administração que finda. Executivo, aliás que administrou como se uma empresa o município fosse e primou por uma gestão hermética, com ajuste fiscal, e não deixando nada faltar. 

Os números do êxito alcançado por uma administração que nos últimos dois mandados conquistou níveis de excelência nunca vistos por estas bandas, garante à candidata majoritária à Prefeitura de Brasilândia, a filha da terra, Néia e ao Vice Dr. Jurandir, postularem o voto da assiduidade, confiante no trabalho realizado, com o lema: Agora é Néia: Juntos faremos mais!

Em síntese, na linguagem popular, ambos os candidatos venderam bem o seu peixe. Sem muito dourar a pílula, foram honestos e trabalharam com a verdade, pois afinal, os números não mentem e é preciso ter os pés no chão. Esmeraram-se, pois, em dizer o que farão se eleitos forem, dentro de critérios de razoabilidade, dotação orçamentária, e reta intenção do coração. 

Fiéis ao perfil democrático e participativo assegurado pela Constituição Federal, a chapa dos sonhos de cada corrente ideológica está sendo posta à prova. E seguem em frente, arrancando aplausos e incertezas por onde passam, imprimindo discursos que busquem ressonância positiva, dissipe dúvidas e encha os corações do povo de expectativas concretas.

(...)

É uma pena, entretanto, que a sociedade local não tenha alcançado nível de maturidade suficiente para democratizar a disputa através da promoção de um debate entre os candidatos, à semelhança de um já ocorrido em Brasilândia, promovido pelo SIMTED, anos atrás, o que contribuiria em muito para o aprofundamento de questões que, em ambas as candidaturas, permaneceram obscuras ou não foram abordadas o suficiente, e que fogem ao entendimento comum do povo. 

Povo, aliás, em grande parte dele, que se mantém como mero espectador, o que não é comum na democracia e tampouco recomendado para a cidadania dos tempos modernos atuais.

Maior engajamento e consciência crítica seriam salutares e positivos, pois permitiria aos eleitores -- mais do que acenar bandeiras ou trabalhar como cabos eleitorais --, manifestarem-se como protagonistas da decisão que irá escolher o caminho que a cidade irá tomar a partir do ano que vem. Sem um debate esclarecedor, de alto nível, a maioria ainda se encontra apática e desinteressada.

Desacostumada à participação, assim permanecerá até o dia da eleição. Restam 15 dias, pois, para o cidadão sacudir a poeira e dar a volta por cima e intimar os candidatos a dizer a que vieram, antes que a sábia decisão seja prolatada -- com responsabilidade --, por sua excelência o cidadão, através do voto.

Brasilândia/MS, 20 de setembro de 2024.
21º aniversário de fundação da ASSOBRAA.

 

Fonte: Com adaptações do original publicado em http://dutracarlito.com/bate-papo.html

em 07.Set.2016.

Foto: https://www.facebook.com/marciaamal

https://www.facebook.com/neiaassistentesocial

 

 

 





domingo, 15 de setembro de 2024

 

A fumaça e a morte lenta que nos espera

Carlos Alberto dos Santos Dutra



A morte, com o passar dos anos, nos acostumamos com ela. Sobretudo a morte dos outros. Ainda que sejam nossos parentes e amigos, a idade e o tempo nos torna indiferentes diante dela. Passado o elemento surpresa, secundado pelo sentimento de dor, pela perda do ente querido, em menos de uma semana, já estamos tocando a vida em frente, pois, afinal, existe muita coisa que precisamos fazer ainda enquanto estamos vivos.

A mãe-terra há tempo vem dando sinais de que o mundo não é mais o mesmo. Os anos também passaram  para ela, e como nós, ela também envelheceu. Mais que isso, por força das mudanças climáticas, vê exaurida sua força e sua capacidade de renovar-se, lançando sobre a crosta terrestre, sinais de alerta a seus habitantes. Pois já não é mais possível responder os apelos, cada vez mais exigentes dos padrões de vida requeridos por todos em todos os cantos do planeta.

Assim como acontece com nossos familiares e amigos, que todos os dias estão se despedindo de nós, desencarnando da condição humana ressurgindo para outro plano, quiçá mais espiritual que este em que vivemos, a mãe-terra e a força de seu ventre e braços dão sinais visíveis a olho nu, de seu cansaço e nos joga na cara intempérie e gestos de adeus. Como um viandante que, depois de uma longa jornada, sente o fôlego lhe faltar, externando um grito silencioso de alerta e despedida.

A fumaça que está cobrindo as cidades do Brasil e do mundo é fruto e consequência da ação desesperada dessa mãe-terra, cujo vagido em favor de seus rebentos, percebe que seu ventre, em agonia, está estéril e ela impedida de procriar. Deu seus ramos e sua sombra; deu seus frutos e raízes na intenção de ver seus filhos alimentados e protegidos. Águas correntes, límpidas e abundantes, para a dessedentação da fauna e flora exuberantes. E ainda assim, não contentou a todos.

A fumaça está carregada de partículas que desprendem dos filhos-árvores, esturricados pelas labaredas do fogo e a crueldade das chamas que tudo devora motivada pela sede do lucro e o ter sempre cada vez mais. E avança aos poucos, adentrando nossas casas, contaminando a saúde e tirando a vida do que há de mais precioso dentro delas: as pessoas que amamos.

Ainda que possamos agradecer a Deus por nos encontrar distantes das chamas que engolem florestas, plantações e animais, ao vê-los em fuga desvairada em busca de um lugar seguro e uma gota de água sequer para aplacar a sede e o calor infernal que lhe sobem pelas patas, na tela da TV, nos revolta o estômago.

O calor e a fumaça, ainda assim, são pacientes e avançam, desde o romper da aurora até o declínio do sol, e seguem invadindo o corpo de seus filhos-brotos roubando-lhes o ar de suas vias respiratórias. Célere, a onda de calor e fuligem logo ganham os pulsões, contaminam o sangue e embotam o modo de ser e pensar da humanidade. Quando nos damos conta, cá estamos usando máscaras, ou na fila de um hospital em busca de alivio para nossa dor terminal e tratamento médico, que pouco ou nada poderá mudar o caos instaurado em nossa alma e organismo.

Ainda não nos acostumamos o bastante com a morte. Neste país abençoado por Deus, nunca tivemos entre nós os  horrores incontroláveis de uma guerra, quando somos todos vítimas impotentes diante de um mal maior. Lição que ainda deverá ser aprendida, se houver tempo. A fragilidade do meio ambiente e o cuidado com a vida, nunca foi levado a sério, apesar do alerta dos ambientalistas contra gestores moucos, senhores da ganância e do capital.

Experimentados em buscar cada vez mais o chamado crescimento econômico e as vantagens tecnológicas da civilização que tornam a vida cada vez mais confortável só para menos de um terço da população do planeta, viramos as costas para o grito dos demais e o socorro que a mãe-terra há tempo vem bradando sob a bandeira das mudanças climáticas, pedindo um basta ao progresso insano que não respeita a vida e coloque um freio na soberba e loucura dos homens, antes que o fogo e a fumaça nos mate a todos.

 

Brasilândia/MS, 15 de setembro de 2024. 

Rogai por nós Nossa Senhora das Dores.

Dia de Nossa Senhora das Dores, também chamada de Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora da Soledade, Nossa Senhora das Angústias, Nossa Senhora da Agonia, Nossa Senhora das Lágrimas, Nossa Senhora das Sete Dores, Nossa Senhora do Calvário, Nossa Senhora do Monte Calvário, Mãe Soberana e Nossa Senhora do Pranto.

 

Foto: Incêndio interdita Rodovia Marechal Rondon por horas entre Castilho e Andradina - Hojemais de Três Lagoas MS

sábado, 14 de setembro de 2024

 

As eleições, as ideologias e a asa quebrada

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Ela sempre teve orgulho de suas asas. Fortes e majestosas, aqueles braços lhe permitiam equilíbrio ao voar. Onde quer que seus sonhos a levassem, lá estavam eles e suas plumas, lhe garantindo chegar lá.

Embora destoassem na cor e por vezes divergissem nos motivos e alinhamento, ainda assim seguiam em frente, dando rumo ao trajeto planejado. Tinha convicção de que era importante para a sobrevivência e o voo daquele pássaro-cidade que empreendia a missão de semear esperança aos que se encontravam abaixo e lhe acenavam.

Nos últimos anos, entretanto, uma dessas asas foi perdendo o vigor, sentindo-se mais fraca, a ponto de tornar impossível o prazer de voar.  Padecendo de uma fragilidade sistêmica, a capilaridade foi escasseando, e aos poucos foi secando, a ponto de quebrar ao menor movimento.

Foi o que bastou para comprometer a dinâmica do voo, fazendo com que as asas da felicidade andassem em desalinho, por vezes em círculo, desnorteadas, precipitando-se sobre os penhascos, ou dando voos rasantes em campo aberto até chocar-se contra os arbustos.

A alegoria apresentada acima serve para demonstrar, de forma singela, o quão importante é o equilíbrio das forças políticas e as ideologias que norteiam uma administração pública. Ainda que distintas, na condução e governança de uma Cidade, de um Estado, ou de um País, elas representam as pilastras da Democracia. Seja na composição de seus ministérios e secretariados, seja na representação dos diversos segmentos sociais no corpo  legislativo de seus parlamentos.

Em nível local, nas eleições municipais que se aproximam, impossível não perceber o que facilmente o olhar paulofreiriano de um pedagogo poderá constatar. Ou seja, o voo da Democracia, por estas terras, voa com dificuldade, pois está com uma de suas asas quebrada.

Isso porque nem todos os setores e forças políticas partidárias se fazem representar no certame. Não há como não perceber uma lacuna e ausência de representação no tecido social do campo da esquerda entre os 49 candidatos que concorrem às eleições proporcionais do dia 6 de outubro próximo.

Para uma cidade que já elegeu Vereadores, Vice-prefeito e Prefeito, notadamente do campo da esquerda, por exemplo, não apresentar nenhum nome, sequer para à Câmara Municipal, sinaliza debilidade, quando não, descrédito no pensamento daqueles que militam os movimentos sociais, sindicatos e associações que postulam espaço, onde todos possam participar, mormente os segmentos organizados e propositivos da sociedade.

Os sintomas deste pássaro ferido de morte, entretanto, não nasceu hoje. Tendência que começou já há alguns anos, nas eleição de 2016, a última com a participação do Partido dos Trabalhadores  (que elegeu apenas 1 vereador), pode ser citada como um exemplo disso. Foi a partir desta época – com o declínio de Dilma, do PT e a ascensão de Temer, do MDB --,  que as demais siglas de centro e de direita começaram a ampliar seus espaços e influência sobre o eleitorado brasileiro e, por conseguinte, também o brasilandense: PSDB, PP, PDT, PEN, DEM, e PROS que elegeram naquele ano 1 vereador cada, e o MDB elegendo 2 vereadores.

Nos anos que se seguiram, a pluralidade partidária permaneceu cada vez mais reduzida por aqui. Em 2020, nas proporcionais, elegeram-se 3 do MDB, 2 do DEM, 2 do PSDB, 1 do PODE e 1 do PSD. Embora a ideologia da chamada esquerda nunca tenha sido o forte nestas terras, há de se lembrar que a partir de 1988 ela começou a ter representatividade, predominantemente pelo PT em Brasilândia. Período em que foram lançadas as primeiras sementes e possibilidades para a construção de uma cultura mais crítica frente às administrações públicas que se sucederam.

Os mais antigos ainda guardam na memória quando, naquele ano histórico, o saudoso Joélio dos Santos Lima disputou a Prefeitura de Brasilândia, pelo Partido dos Trabalhadores, numa acirrada disputa com José Cândido da Silva, pelo PTB, que foi eleito, e Patrocínio de Souza Marinho, pelo MDB, que ficou em segundo lugar. Foi o ano também que Brasilândia inscreveu o seu maior número de candidatos a Vereador: 71, sendo que 11 desses candidatos pertenciam ao PT.

Depois de 21 anos de ditadura militar, impossível não festejar e abrir as asas da liberdade nas disputas eleitorais pelo interior do Brasil afora. Após a morte de Tancredo e a promulgação em 5 de outubro de 1988, da Constituição Cidadã, por Sarney, a redemocratização tomou corpo no Brasil inteiro. E as liberdades individuais passaram a ser reconhecidas como um direito de todos, sobretudo das agremiações partidárias e organismos sociais.

Liberdade que garantiram às asas do pássaro-cidade de nossa parábola, poderem voar alto, livres e até onde a vista alcançasse. Ano em as ideias puderam serem apresentadas no rosto dos pioneiros da esquerda de Brasilândia daquela época: Irineu, Raul, São Paulino, Zé Bigode, Jair Cecílio, Maria da Glória, Maria da Graça, Dalvina, Amaral, Luiz Veiga, Jorge Vieira, e os demais que se seguiram. Todos eles permanecem como fonte de inspiração para os novos candidatos, suas bandeiras e causas. Porque hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.

Reviver, ressignificando esse tempo, quiçá em pensamento,  ainda é preciso. Sonhos comprometidos com a justiça social que voem alto, independente do alinhamento e envergadura de suas asas: isso é tudo o que precisa nosso pássaro-cidade para manter-se em equilíbrio, dando oportunidade e proteção a todos, para além do horizonte dos sonhos e seus planos de governos.

Brasilândia/MS, 14 de setembro de 2024.

 

Fonte: Dutra, C.A.S. História e memória de Brasilândia/MS, Volume 5-Poderes, Brasilândia, 2022, pág. 153s. Disponível: História e Memória de Brasilândia/MS Volume 5 - Poderes, por Carlos Alberto dos Santos Dutra - Clube de Autores 

Lula entrevista Irineu Brito. Cf. https://www.youtube.com/watch?v=D0WYZVMN6hs

Foto: Criança, indígena, negro, mulher, operário e pessoa com deficiência: quem são as pessoas que passaram a faixa para Lula | Brasil 247 

Sobre a frase atribuída a Che Guevara Cf. https://veja.abril.com.br/coluna/cacador-de-mitos/as-frases-que-eles-nao-disseram

 

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

 

As eleições municipais e seus Vice-Prefeitos

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Falar de Vice é sempre um desafio. Isso porque Vice é uma palavra emblemática, e que já se encontra no imaginário coletivo como de pouca importância ou de relevo secundário. A história tem confirmado isso.

Desde o tempo de priscas eras, fomos nos acostumando com esse personagem que passou pela história, na figura de vice-reis, vice-presidentes, vice governadores, vice-prefeitos. E eles sempre em segundo plano.

No campo fático, a experiência mais próxima que temos pode ser percebida ao lembrar que esses senhores, Vice-prefeitos, depois de eleitos, com raras e honrosas exceções, só davam o ar da graça em inaugurações e festividades, ou para colocar na algibeira seus salários no final de cada mês. Pouco ou nada influenciando nas administrações as quais ajudaram a eleger.

Porém, não era para ser assim, pois a história nos mostra também o quão importante foram os Vices em períodos recorrentes, e nos diversos níveis de governo. Em termos de Brasil, por exemplo, dos 39 presidentes da República que tivemos, oito foram Vices que assumiram o posto de Presidente pela linha sucessória: Floriano Peixoto, Nilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, Itamar Franco e Michel Temer.

No campo dos Governadores, nos reportando somente ao nosso Estado, temos o exemplo de Ramez Tebet, que foi Vice de Wilson Barbosa Martins e que assumiu como governador de Mato Grosso do Sul de 1986 a 1987.

Em Brasilândia, o nome do Vice-prefeito também por diversas vezes ascendeu, pela via da sucessão. Os mais antigos estão lembrados: Marques Neto e Paulo Simões Braga, que foram substituídos por Gentil de Souza. E o Prefeito Adilson Alves que foi substituído pelo seu Vice, Fernando Mendes, que administrou Brasilândia por quatro anos.

Tudo isso para demonstrar que o cargo de Vice-prefeito tem relevância, sim, sobretudo por ser o responsável para dar continuidade ao projeto de desenvolvimento iniciado pelo Prefeito que encabeçou a chapa majoritária que o elegeu.

Neste ano de 2024, nas eleições que se aproximam, o cargo de Vice-prefeito oferece ao eleitorado a escolha de dois nomes que estão necessariamente ligado ao nome dos que concorrem a Prefeito: Prefeita Aurineia de Almeida Halsback, com o nome de Néia na cédula, pelo 15 do MDB, e Prefeita Márcia Regina do Amaral Schio, com o nome de Márcia Amaral, na cédula, pelo 45 do PSDB.

Por mais que tenhamos simpatia por este ou aquele candidato a Vice, não é possível fazer votações separadas para Vice-prefeito de um lado e de outro.

Outro fato que chama a atenção é os Vices das chapas das duas mulheres concorrentes serem homens. O que, se por um lado, revela um despertar para o protagonismo feminino que ascende e brilha por estes campos e cerrados; por outro, revela o quanto a sociedade ainda deva avançar.

Entre os candidatos a Vice, um deles já tem experiência legislativa, pois já foi vereador na cidade de Sidrolândia/MS. Desde 2021 é servidor público municipal em Brasilândia e atua como médico. Trata-se do três-lagoense Dr. Jurandir Cândido da Silva, de 57 anos que concorre pela mesma sigla da candidata a Prefeita Néia, do MDB. É comunicativo e conhecedor dos escaninhos da política, sobretudo no campo da Saúde, onde pretende continuar atuando. 

É amplamente conhecido e querido por todos pelo dedicado trabalho realizado junto à população na prestação da assistência médica como ginecologista e obstetra no Hospital Dr. Júlio César Paulino Maia em nossa cidade. É, sem dúvida, uma promessa que pode dar continuidade aos avanços que a atual administração que finda em 31 de dezembro imprimiu nos últimos oito anos. 

O vice da candidata Márcia, é Fábio Toledo Leite da Silva, que é morador de Brasilândia há muitos anos. Tem 61 anos de idade e é produtor rural, concorrendo pelo Partido Progressista que, juntamente com o PL, o Podemos e o PSDB/Cidadania, caminham juntos e se encontram coligados. 

Natural de Fernandópolis/SP, é sua primeira investidura na política partidária. Já esteve à frente do Sindicato Rural de Brasilândia, sendo uma liderança influente junto à Famasul e larga experiência na implantação de projetos e gestão no mundo do agronegócio. Bem relacionado nos escalões governamentais, manifestou-se abertamente em favor do atual Governador Eduardo Riedel nas eleições de 2022, referendando a proposta vitoriosa de fazer o MS crescer. É o que deseja agora para Brasilândia.

Nas mãos destes dois valorosos cidadãos de nossa cidade está o destino da Vice Prefeitura de Brasilândia para os próximos quatro anos. Deles depende o empenho e a dedicação que exigirá ser exclusiva para as funções do cargo, como sugere a Lei Orgânica do Município, mormente o artigo 40 que prevê: 

§ 1º- O Vice-prefeito, além de outras atribuições que lhe forem atribuídas por lei complementar, auxiliará o Prefeito sempre que por ele convocada para missões especiais; § 2º- A investidura do Vice-prefeito em Secretaria Municipal não impedirá as funções previstas no parágrafo anterior”. 

E o artigo 43, que prevê: “O Prefeito e o Vice-prefeito não poderão, sem licença da Câmara Municipal, ausentar-se do Município por período superior a 15 dias, sob pena de perda do cargo, e sempre será substituído pelo Vice-prefeito na sua ausência”, entre outras exigências e atribuições do cargo.

Obedecido o Norte da Carta Magda do Município e a Constituição Federal, a Prefeita que vier a ser eleita, seja com o vigor e habilidade de seu Vice médico, seja com a criatividade e força de seu Vice agropecuário, ela haverá de recolher o que tiver plantado no exigente e esperançoso coração do povo brasilandense. A colheita está, portanto, em suas mãos.


Brasilândia/MS, 9 de setembro de 2024.

  

Fonte: Dr. Jurandir Cândido (@drjurandircandido) • Fotos e vídeos do Instagram; (4) Facebook; Fabio Toledo (@ofabiotoledo) • Fotos e vídeos do Instagram; (4) Facebook

Fotos: Candidatos a Vice-prefeito em BRASILÂNDIA - no MS em 2024 | Tribuna PR

 

 

 

 

 

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

 

Juntos e Misturados, um novo jeito de ser Ofaié

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 









A antropologia sempre buscou entender a partir de seus contextos as diferenças havidas entre os povos, desde Malinowski, classificando os povos, ou pela língua, com o auxílio da linguística, ou pelo grau de integração e ocupação de seus territórios ao longo do tempo, sob o olhar da história e da geografia social, e outras disciplinas afins.

Ambas as ciências, contudo, são unânimes em considerar os povos originários como fruto de uma cultura milenar, consuetudinária e que se perpetuou séculos afora, desafiando impérios que os subjugaram com a chegada dos chamados desbravadores, descobridores e senhores do mar e o hálito de pólvora dizimador.

A sobrevivência dos povos originários em terra brasili, portanto, só foi possível através da fuga das dadas de caça ao bugre embrenhando-se nos matos. Os que ousaram enfrentar a ambição bandeirante escravocrata que fazia o trajeto Tietê, Paraná e Pardo em direção às minas de Cuiabá, seus corpos, suas flechas e suas almas não empecilho  para o extermínio de mais de cinco milhões de indígenas e os mais de 200 dialetos diferentes que aqui viviam.

Hoje, num pontinho minúsculo do imenso e incandescente cerrado sul-mato-grossense, eis que um destes grupos sobreviventes ergue os braços e a voz para fazer chegar o seu canto e grito, antes de AGANIÍE e hoje de VITÓRIA, até o mais longínquo dos rincões. 

O olhar para o alto, no horizonte, e o peito ereto, prenhe de dignidade. E o cocar na cabeça de uma mulher indígena. Eis a imagem e o símbolo moderno da resistência Ofaié. E lá está ela, como se num turbilhão de vozes que representa: semeia e enche, com orgulho, os pulmões da mata, inspirando o aroma e sabor que vem do alto, de AGAXOUW, e que lhe diz: juntos e misturados, você chegou aqui!

Foi como se uma réstia de luz do passado pairasse sobre os rios, campos e matas, refletindo corpos rijos e passos firmes de antigos guerreiros, conselheiros e lideranças de outrora, sempre com pressa, descortinando caminhos, nos desvão da sorte, driblando a morte, lhes inflamando a alma. Tudo lhes dá força para festejar.

Juntos e misturados foi o jeito que essa comunidade sobrevivente encontrou para celebrar a marca que lhe devolveu a vida e a esperança depois do desterro. Afinal, foram anos de convivência forçada com os patrícios Guarani que os Ofaié foram contornando, a semelhança de um rio, a lembrança dos encontros belicosos narrados pelos mais antigos.

E assim foram superando, em silêncio, a dor de ver seus filhos, aos poucos, sendo raptados por bugreiros, sertanistas e tribos hostis que levavam suas crianças para o curral dos senhores das vilas e fazendas, transformando-os em trabalhadores braçais, apagando em cada um deles a memória de seus pais.

Juntos e misturados foi o jeito que essa comunidade Ofaié sobrevivente encontrou para celebrar a vitória. E lá estão eles transformando e ressignificando a resiliência que carregou no bornalzinho JACÁ, desde quando deixou Bodoquena e a Reserva Kadiwéu. 

Vencendo distâncias, a pé e de trem, no rumo do ribeirão Boa Esperança e córrego Sete, eis que eles voltavam para sua terra natal, Brasilândia/MS, de onde a remoção forçada promovida pela FUNAI, em 1978, os apartou de vez de seu território, enchendo de lágrimas os seus rostos.

Foi a partir deste retorno, portanto, que a esperança viu reacender a brasa que nunca adormeceu. Vento que nunca deixou de soprar sobre o seu toco de vela de ZÉ TÁ, de  ALFREDO, TOMÉ e ATAÍDE, de terna lembrança. 

Graças a eles o bastão da corrida foi sendo repassado às gerações seguintes, despertando nos mais jovens a mesma coragem de seus ancestrais para continuarem a luta e com força para vencer.

E lá estão eles e elas, estirando seus arcos, manejando a lança, confeccionado seus colares, pintura e bordados, com a mesma ciência e arte de um PEREIRINHA e ARÊ; de EDUARDINHO e APARECIDA, e outros hábeis artesãos.

E lá estão elas e eles, redesenhando a história, através de figuras num pedaço de papel, JOÃO CARLOS, ARLINDO, MARCOS, SEBASTIÃO, JOSÉ, e tantas outras mulheres como MARILDA, ensinando, ensinando, ensinando estudantes não índios a serem mestres e doutores do jeito de ser Ofaié.

Juntos e misturados, representa ponto de chegada para a comunidade Ofaié e Guarani que convive hoje em harmonia na Aldeia ANODHI. Uma caminhada construída por mãos muito jovens, o que representa alento e esperança. E lá estão SILVANO, ELIZÂNGELA, JOSÉ, RAMONA, ROSALINA, e tantos outros professores, que semeiam flores de saber indígena ao redor da escola Ofaié E-INIECHEKI, repleta de práticas inovadoras, métodos criativos, gestos inclusivos e pedagogia multicultural.

Festejar o Junto e misturados somos mais fortes, e o Dia da Resistência Ofaié, na aldeia ANODHI, no dia de hoje, pode ter muitos outros significados que perpassam a alma deste povo que festeja com jogos, danças, palestras, e feira de artesanato. 

O atual cacique MARCELO tem razões de sobra também para comemorar esta data juntamente com os amigos e parceiros atuais -- SESAI, FUNAI, Prefeitura Municipal, Estado de Mato Grosso do Sul, UFMS e parceiros mais antigos, naqueles tempos de chumbo quando todos negavam estender a mãos ao índio.

CIMI, ADVENIAT, OXFAM, CEDAMPO,  e agora, empresas mais recentes como a FIBRIA, hoje SUSANO entre outras tantas solidárias à trajetória dos Ofaié. 

O significado maior que embevece a todos, em especial a este escrevinhador AXAIRAI, sem dúvida, é o novo jeito de ser do povo Ofaié que neste evento reafirma a máxima: Sou o que sou, sem deixar o que foram meus ancestrais

Parabéns comunidade OFAIRANI.

Brasilândia/MS, 5 de setembro de 2024.



terça-feira, 3 de setembro de 2024

Homenagem aos 90 anos da Paróquia Nossa Senhora das Vitórias.

Diác. Carlito Dutra


Meus amigos cacequienses
Quero hoje festejar
Mesmo longe quero saudar
Esta Paróquia querida
Foi ela que trouxe a vida
A esse rincão teatino
Lhe apontando um destino
Ao povo que ali vivia
Trouxe bênção e alegria
Nossa Senhoras das Vitórias
Faz parte da nossa história
Desde o tempo de nossos pais
Desde a águas batismais
Casamentos, romarias
As capelas, que alegria
Desde o Padre Vitorino
Eu ainda era menino
De costas o padre rezava
Em latim, e eu adivinhava
As palavras, que saudade
Trazendo luz à cidade
Desde o padre Tramonti
Da Capela que foi fonte
De um lugarejo pacato
Era o tempo do Curato
Até que um dia chegou
E residente ficou
Padre Gallas, como Cura
Que enfrentou com bravura
Gaúcho de Cerro Largo
Que assumiu sem-embargo
Como Pároco primeiro
Desta terra, pioneiro
Da fé e das construções
Incendiou os corações
Deixando feliz o povo
Imprimindo sangue novo
Até chegar Padre Horn
José Luiz, altar mor
Dessa paróquia também
Vindo a cavalo ou de trem
Sempre alegre e acolhedor
Foi grande semeador
Nosso pais podem lembrar
De minha parte, posso falar
Foi no ano que eu nasci
Quando um gaúcho de Itaqui
Padre Pedro Vitorino
Batizou este menino
No tempo de Dom Hermeto
Que de mãos dadas em dueto
Começou a construção
Casa Canônica, irmão
Também as irmãs chegaram
Notre Dame edificaram
A Escola Paroquial
Padre Vitorino jovial
Também olhou o cidadão
Participou da emancipação
Do torrão de Cacequi
E muitos, ainda guri
Viram o padre falar
Num discurso anunciar
A cidade emancipada
Alegrando a gauchada.
Até chegar o Padre Quirino
De Veranópolis, o destino
Nos trouxe sua bondade
Carisma e fraternidade
Foi neste tempo que surgiu
Diocese de Bagé floriu
Desmembrou-se de Uruguaiana
Dom José Gomes, hosana
É o bispo da Diocese
Dá início a uma Catequese
Juntos aos ferroviários
Com o trabalho solidário
De um padre que vai e vem
Que pelas linhas do trem
Padre Cláudio Mascarelo
Com seus santinhos singelos
E sua mala misteriosa
Deixava a gente curiosa
Cada vez que ele chegava
Lembro que ele almoçava
Lá na vó, no Entroncamento
Grandes homens de talento
E assim passaram os anos
Veio o Concilio Vaticano
E Padre Quirino inovou
Missa em português rezou
Deixando o latim para trás
No rosto do povo olhou
Que entusiasmado cantou
Um novo tempo de graça
Fez desfiles pelas praças,
Desobrigou da batina
A paróquia ainda menina
Até receber o novo padre
Padre Hermes, esse confrade
De costumes mais antigos
Foi bom padre, bom amigo
Gaúcho de Livramento
Que de Deus foi instrumento
Tempo de Ângelo Mugnol
Bispo que foi um farol
De luz para minha vocação
Devo a ele gratidão.
De malas para o Seminário
Eis que chega um emissário
De Deus, Padre Botton
Um homem que tinha o dom
De ser simples e profundo
De conversar com o mundo
Um líder e sentinela
Um construtor de capelas
Tudo feito em mutirão
Bíblia e caniço na mão
O restante era a palavra
Quando a paciência reinava
Um grande transformador
Tantas CEBs com amor
Ministros, comunidade
Ah, padre que deixou saudade
Foram tantos benfeitores
Padres, religiosas, senhores
Que merecem ser lembrados
Padre Figueiró, Padre Maurício
Padre Artêmio, Padre Amauri
Padre Saulo, Padre Macke
Padre Piveta, entre outros. 
E o atual, valoroso Padre Antônio Tascheto.

Homenagem também às vocações cacequienses:
Irmã Verônica, Irmã Maria Francisca,
Irmã Elaine, Diácono Carlito Dutra, Padre Elpídio entre outros.

E as Congregações Femininas e Masculina que marcaram o coração de várias gerações de cacequienses e tantos outros que nesta pajada, por questão de tempo e espaço, não puderam ser nominados.
Deus os abençoe. Deus seja louvado.
 
De Brasilândia/MS para Cacequi/RS, setembro de 2024.
90 anos da Paróquia Nossa Senhora das Vitórias.