As eleições, as ideologias e
a asa quebrada
Carlos Alberto dos Santos
Dutra
Ela sempre teve orgulho de
suas asas. Fortes e majestosas, aqueles braços lhe permitiam equilíbrio ao voar. Onde
quer que seus sonhos a levassem, lá estavam eles e suas plumas, lhe garantindo
chegar lá.
Embora destoassem na cor e
por vezes divergissem nos motivos e alinhamento, ainda assim seguiam em frente,
dando rumo ao trajeto planejado. Tinha convicção de que era importante para
a sobrevivência e o voo daquele pássaro-cidade que empreendia a missão de
semear esperança aos que se encontravam abaixo e lhe acenavam.
Nos últimos anos,
entretanto, uma dessas asas foi perdendo o vigor, sentindo-se mais fraca, a
ponto de tornar impossível o prazer de voar.
Padecendo de uma fragilidade sistêmica, a capilaridade foi escasseando, e
aos poucos foi secando, a ponto de quebrar ao menor movimento.
Foi o que bastou para
comprometer a dinâmica do voo, fazendo com que as
asas da felicidade andassem em desalinho, por vezes em círculo, desnorteadas, precipitando-se sobre os penhascos, ou dando voos rasantes em campo aberto até
chocar-se contra os arbustos.
A alegoria apresentada acima serve para demonstrar, de forma singela, o quão importante é o equilíbrio das forças políticas e as ideologias que norteiam uma administração pública. Ainda que distintas, na condução e governança de uma Cidade, de um Estado, ou de um País, elas representam as pilastras da Democracia. Seja na composição de seus ministérios e secretariados, seja na representação dos diversos segmentos sociais no corpo legislativo de seus parlamentos.
Em nível local, nas eleições municipais que
se aproximam, impossível não perceber o que facilmente o olhar paulofreiriano
de um pedagogo poderá constatar. Ou seja, o voo da Democracia, por estas
terras, voa com dificuldade, pois está com uma de suas asas quebrada.
Isso porque nem todos os
setores e forças políticas partidárias se fazem representar no certame. Não há
como não perceber uma lacuna e ausência de representação no tecido social do campo da
esquerda entre os 49 candidatos que concorrem às eleições proporcionais do dia 6 de outubro próximo.
Para uma cidade que já
elegeu Vereadores, Vice-prefeito e Prefeito, notadamente do campo da esquerda, por
exemplo, não apresentar nenhum nome, sequer para à Câmara Municipal, sinaliza debilidade, quando não, descrédito no pensamento daqueles que militam os movimentos sociais,
sindicatos e associações que postulam espaço, onde todos possam
participar, mormente os segmentos organizados e propositivos da sociedade.
Os sintomas deste pássaro
ferido de morte, entretanto, não nasceu hoje. Tendência que começou já há
alguns anos, nas eleição de 2016, a última com a participação do Partido dos Trabalhadores
(que elegeu apenas 1 vereador), pode ser citada como um exemplo disso. Foi a
partir desta época – com o declínio de Dilma, do PT e a ascensão de Temer,
do MDB --, que as demais siglas de
centro e de direita começaram a ampliar seus espaços e influência sobre o
eleitorado brasileiro e, por conseguinte, também o brasilandense: PSDB, PP, PDT,
PEN, DEM, e PROS que elegeram naquele ano 1 vereador cada, e o MDB elegendo 2
vereadores.
Nos anos que se seguiram, a
pluralidade partidária permaneceu cada vez mais reduzida por aqui. Em 2020, nas
proporcionais, elegeram-se 3 do MDB, 2 do DEM, 2 do PSDB, 1 do PODE e 1 do PSD.
Embora a ideologia da chamada esquerda nunca tenha sido o forte nestas terras,
há de se lembrar que a partir de 1988 ela começou a ter representatividade, predominantemente pelo PT em Brasilândia. Período em que foram lançadas as primeiras sementes e
possibilidades para a construção de uma cultura mais crítica frente às
administrações públicas que se sucederam.
Os mais antigos ainda
guardam na memória quando, naquele ano histórico, o saudoso Joélio dos Santos Lima
disputou a Prefeitura de Brasilândia, pelo Partido dos Trabalhadores, numa acirrada
disputa com José Cândido da Silva, pelo PTB, que foi eleito, e Patrocínio
de Souza Marinho, pelo MDB, que ficou em segundo lugar. Foi o ano também
que Brasilândia inscreveu o seu maior número de candidatos a Vereador: 71,
sendo que 11 desses candidatos pertenciam ao PT.
Depois de 21 anos de ditadura militar, impossível não festejar e abrir as asas da liberdade nas disputas eleitorais pelo interior do Brasil afora. Após a morte de Tancredo e a promulgação em 5 de outubro de 1988, da Constituição Cidadã, por Sarney, a redemocratização tomou corpo no Brasil inteiro. E as liberdades individuais passaram a ser reconhecidas como um direito de todos, sobretudo das agremiações partidárias e organismos sociais.
Liberdade que garantiram às
asas do pássaro-cidade de nossa parábola, poderem voar alto, livres e até onde a
vista alcançasse. Ano em as ideias puderam serem apresentadas no rosto dos pioneiros da esquerda de Brasilândia daquela época:
Irineu, Raul, São Paulino, Zé Bigode, Jair Cecílio, Maria da Glória, Maria
da Graça, Dalvina, Amaral, Luiz Veiga, Jorge Vieira, e os demais que se seguiram. Todos eles permanecem como fonte de inspiração
para os novos candidatos, suas bandeiras e causas. Porque hay que
endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.
Reviver, ressignificando esse tempo, quiçá em pensamento, ainda é preciso. Sonhos comprometidos com a justiça social que voem alto, independente do alinhamento e envergadura de suas asas: isso é tudo o que precisa nosso pássaro-cidade para manter-se em equilíbrio, dando oportunidade e proteção a todos, para além do horizonte dos sonhos e seus planos de governos.
Brasilândia/MS, 14 de
setembro de 2024.
Fonte: Dutra, C.A.S. História e memória de Brasilândia/MS, Volume 5-Poderes, Brasilândia, 2022, pág. 153s. Disponível: História e Memória de Brasilândia/MS Volume 5 - Poderes, por Carlos Alberto dos Santos Dutra - Clube de Autores
Lula entrevista Irineu
Brito. Cf. https://www.youtube.com/watch?v=D0WYZVMN6hs
Sobre a frase atribuída a
Che Guevara Cf. https://veja.abril.com.br/coluna/cacador-de-mitos/as-frases-que-eles-nao-disseram
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