domingo, 19 de fevereiro de 2023

 

Feliz Aniversário Professora Judite Penha

Carlos Alberto dos Santos Dutra


Contemplo no Facebook a alegria do amigo Kinha (Hilkias Penha Júnior), seus filhos e netos ao lado de sua adorável mãe e avó, dona Judite, festejando seus 91 anos de vida (comemorado no dia 18 de fevereiro último). Uma bênção de gratidão e motivo para celebrar tamanha graça, presença e luz. 

Sempre damos parabéns nestas ocasiões, mesmo quando pouco conhecemos o aniversariante. Mas neste caso peço licença poética, em especial aos familiares, para homenagear esta nonagenária senhora através de uma lembrança que guardo de seu saudoso esposo.

Não. Não a conhecia em profundidade, mas a beleza que meus olhos viram num tempo pretérito, merece ser lembrada e partilhada, assim como o voo de uma borboleta suave e bela que brinda com caricias uma flor que toma a forma do rosto desta mulher. 

Corria o ano de 1997, (portanto, quem tem menos de 26 anos ainda não havia nascido), e lá encontramos uma senhora de aparência jovem e muito decidida, de nome Judite, caminhando com passos firmes em direção à escola Adilson Alves da Silva. Era professora substituta da disciplina de História e lecionava naquela época em Brasilândia/MS, lembra minha esposa Vilma, que também era professora neste educandário. 

Não por acaso estas duas professoras eram vizinhas e residiam no mesmo bairro Thomaz de Almeida que, nos seus primeiros anos, reunia profissionais de várias áreas do conhecimento humano e atividade laboral. 

Com o tempo, os filhos procuram trazer os pais para mais perto de si. O que aconteceu com minha mãe, que a trouxe do Rio Grande do Sul, anos depois, aconteceu também com o amigo Kinha que, por zelo e cuidado, trouxe seus pais de Guaimbé/SP para morar em Brasilândia. 

Foi numa manhã chuvosa, enquanto eu e minha esposa nos dirigíamos para Marilia/SP, que comentamos: --não podemos esquecer de fazer uma visita para o seu Hilkias e dona Judite. Tratava-se de um vizinho que durante cinco anos vivia praticamente ao lado do meu quarto, pois a parede de minha casa era o muro que separava os dois terrenos. E mesmo assim, fomos sempre adiando essa visita, e o tempo foi passando. 

O enfarte que o acometeu paralisou-lhe o lado direito fazendo necessário o seu retorno à cidade de Guaimbé/SP de onde viera. Sua partida comoveu a todos no bairro pois tratava-se de um casal muito querido na cidade. 

Resolvidos meus assuntos em Marília, no caminho de volta para casa, entro na pequena, porém, simpática Guaimbé. O papel com o número do telefone que tinha no bolso, perdi. Resolvo então perguntar para alguém. Num banco da praça central da cidade, encontro dois senhores idosos. Mal menciono o nome de seu Hilkias e rapidamente sou informado do local exato de sua residência. Logo a dois quarteirões dali. 

E cá estou eu adentrando o portão da casa, onde logo avisto dona Judite que vem ao meu encontro sorridente e bela. Seu Hilkias Penha, sentado em uma cadeira de rodas, me recebe emocionado e com lágrimas nos olhos. Falando com desenvoltura, queixava-se somente do braço direito que ainda não lhe obedecia de todo, mas já com grandes progressos no restante do corpo. 

Sente-se uma aura de felicidade no seu olhar. Aquele casal em harmonia era como se vivessem num paraíso que inspirava paz e felicidade. Seu Hilkias diz que em breve poderá caminhar. Dona Judite sorri. E com certeza isto acontecerá, pois sua disposição era notável. 

Fala com alegria e manifesta saudade dos moradores de Brasilândia. Num breve momento, vejo-me diante de um homem que desconhecia. Minha mulher sempre falava que, quando eu estava fora de casa -- pois eu estava sempre viajando --, ele, seu Hilkias, seguidamente vinha à minha casa. 

Sempre prestativo, lá estava ele a consertar uma torneira estragada, um ventilador que não ventilava, uma máquina de costura que não costurava. Um dia chegou a matar uma cobra que ameaçava as crianças no quintal. --É, eu dizia, sem prestar muita atenção. --Que bom. Sempre muito ocupado eu estava. 

Minhas filhas passavam horas colhendo flores no pátio ao lado, sob os cuidados de seu Hilkias. Pé ante pé, por várias vezes, ele veio até meu escritório (e eu sempre ocupado frente ao computador). Ele vinha, como legítimo advogado dos pequeninos, pedir para eu deixar as crianças brincar no seu pátio. Ele deliciava-se em vê-las brincando e conversando sobre seu mundo encantado. --Essas meninas, são vida para mim, confessou-me um dia. 

Essas imagens assombram-me por instantes. Enquanto ele esforça-se em contar os efeitos e os sintomas do enfarte -- em resposta a um questionamento meu sobre uma dorzinha no braço esquerdo que julguei sentir enquanto dirigia no percurso para cá --, vi-me diante de um homem renovado e confiante. Falamos ainda sobre as novidades políticas de Brasilândia, a nova prefeita, etc., enquanto a tarde declinava. 

A poucos metros de mim, este senhor esteve durante anos. E eu me pergunto: --Fui visitá-lo talvez uma vez, quem sabe, duas? Agora sou eu que sinto vontade de chorar... E de vergonha. Trezentos quilômetros daqui para frente nos separam. 

Dona Judite, portando-se sempre como uma dama gentil e prestativa, nos mostra as dependências da casa. Seu Hilkias continua falando lá da área e brinca dizendo que em breve já poderá dirigir, pois tem de fazer fisioterapia duas vezes por semana em Lins/SP. Sua lucidez, sua sede de viver era algo contagiante e que inquietava a todos, exemplo para os mais jovens. -- Quero trabalhar, diz ele sério e convicto. 

Homens dessa envergadura, concordo com o poeta alemão Bertolt Brecht, são imprescindíveis. Enquanto me distancio pela estrada, em direção a Brasilândia, um suspiro profundo embarga o peito. As lágrimas dificultam a visão. E percebo que este amigo, ainda assim, apesar de minha falha, fora bondoso comigo e brindara-me com uma grande lição de humanidade. 

Deu a mim (e a quem ler este texto), a oportunidade de perceber que ainda há tempo para resgatar o abraço perdido, o afeto contido, o aperto de mão... Nos fez ver que ainda há tempo de romper barreiras, e abrir clareiras em busca do irmão... Obrigado seu Hilkias. Feliz Aniversário professora Judite! 

 

Foto: Shirlei Nogueira/Facebook, 14.08.2016.

Fonte: DUTRA, C.A.S. Ao amigo, senhor Hilkias. O mendigo das estrelas, crônicas brasilandenses. São Paulo, Scortecci, 2005, pág. 129.

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