Os Ofaié e o “Paraíso” em construção
Carlos Alberto dos Santos Dutra
Para uma instituição crescer e ser reconhecida, seja ela pública ou privada, é preciso muito esforço e empenho de seus dirigentes. O olhar ad intra, ou seja, de quem está dentro, nem sempre coincide com o olhar ad extra, ou seja, o olhar de quem vê a realidade de fora.
Não obstante, a
formação, os interesses e as perspectivas de vida, às vezes, comprometem também
o olhar de quem está inserido numa realidade comum. Mais exigente para uns, imediatistas; mais flexíveis para outros, programáticos.
A recente matéria
publicada pela jornalista Lúcia Morel, do Jornal Campo Grande News, sob
o título: Com pequenas populações, Guatós e Ofaiés vivem ‘Paraíso’ dos
indígenas em MS, pode ser mote para ilustrar a nossa reflexão.
A ideia de Paraíso,
de imediato, pode assustar o leitor e levá-lo a entender que tudo está às
mil maravilhas com os povos indígenas Ofaié e Guató da reportagem. Também
pode contrariar, igualmente, o olhar de algumas das 33 famílias que vivem no
interior da Aldeia Anodi, em Brasilândia.
Porém, já no
subtítulo da matéria o periódico ressalva que aquilo que chamou de Paraíso,
era, não menos que consequência de uma luta: essa realidade só é possível
porque comunidades são organizadas e não param de buscar apoio. Denuncia, também, pelo contraste, a precariedade em que vivem maior parte das
populações indígenas do Brasil.
Os Ofaié (e não
Ofaiés, como o periódico grafa), aparentemente estariam fora do círculo
de miséria e violência que acomete outros povos de Mato Grosso do Sul, segunda
maior população indígena do país. Ao destacar a situação confortável em que se
encontram, pela obtenção de recursos úteis à sua subsistência, a etnia de Brasilândia,
e os patrícios Guató, de Corumbá, o jornal observa que tudo foi conquistado por povos
que já sofreram bastante para estar onde estão.
No caso dos Ofaié,
são mais de 50 anos de luta e 30 anos de espera pela demarcação de suas terras
tradicionais, quando foram jogados de um lado para outro, sendo aos poucos
dizimados e dados como extintos, pelo próprio órgão oficial, desde 1978.
Não obstante, em
hipótese alguma o olhar otimista manifestado por algum membro desta comunidade indígena,
ressaltando ganhos e conquistas, pode ser entendido como demérito para a beligerância
daqueles que historicamente deram a vida para o soerguimento desse povo.
Assim como as novas gerações
Ofaié que se sucederam, desde Zé Tá, Tomé Xião, Alfredo
Cuembe, Ataide Xehitâ-ha, José Koi, Rosalina Martins, até o atual cacique
Ofaié, Marcelo da Silva Lins, esta comunidade sempre permaneceu em alerta,
reivindicando direitos e melhorias para o seu povo, tendo a Imprensa como aliada.
As vitórias
conquistadas por este povo que viveu meio século no sofrimento e desterro, sim,
merecem ser comemoradas. É este olhar que as palavras do professor Silvano
de Moraes de Souza, da Escola Municipal Ofaié E-Iniecheki, revelam.
Escola que hoje, acaba de conquistar a sua estadualização.
Ao lado do progresso obtido no campo da Educação, não descuida o professor de também denunciar
os problemas sociais de sua comunidade: a demarcação efetiva e a homologação
de suas terras, identificadas em 1992, ainda não aconteceram (...).
Neste ponto sua fala pedagógica se aproxima das reivindicações do atuante cacique Ofaié, pois a comunidade -- continua o professor --, ainda aguarda a colocação dos marcos físicos pela
Funai (hoje, Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que é a última
etapa da demarcação antes da homologação pelo presidente da República.
Sobre a questão
fundiária, o cacique Ofaié, Marcelo da Silva Lins, completa informando através de
publicação no Facebook, que o processo está suspenso, ainda precisa terminar
o processo de demarcação e em seguida fazer levantamento de benfeitorias para
pagamento aos proprietários e depois ir pra homologação.
Depois de tantos anos de luta e percalsos, para além de olhares e perspectivas que divirjam, todos haverão de concordar que esta etnia se encontra cada vez mais fortalecida.
É hora, portanto, da comunidade Ofaié novamente se unir em torno de suas lideranças para envidar esforços
e buscar solução para seus problemas, entre eles, a ampliação da rede de
internet na aldeia que precisa ser otimizada e a construção de novas moradias
pois há um défice habitacional gritante na Aldeia Anodi, entre outras carências.
Sim, o Paraíso
pode ser uma miragem, um lugar distante, inatingível para uns; ou uma utopia,
um lugar palpável, possível de ser construído e alcançado. Para tanto, ainda assim, como escreveu
o poeta amazonense Thiago de Melo: é preciso avançar de mão dada com quem vai no mesmo
rumo, mesmo que distante ainda esteja de aprender a conjugar o verbo amar. Toda
força ao Povo Ofaié!
Brasilândia/MS, 13 de
fevereiro de 2023.
Fonte: https://www.campograndenews.com.br/buscar?q=ofai%C3%A9
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