segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

 

Os Ofaié e o “Paraíso” em construção

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 Ofaié na Serra da Bodoquena/MS (Foto: Dutra, 1986)

Para uma instituição crescer e ser reconhecida, seja ela pública ou privada, é preciso muito esforço e empenho de seus dirigentes. O olhar ad intra, ou seja, de quem está dentro, nem sempre coincide com o olhar ad extra, ou seja, o olhar de quem vê a realidade de fora.

Não obstante, a formação, os interesses e as perspectivas de vida, às vezes, comprometem também o olhar de quem está inserido numa realidade comum. Mais exigente para uns, imediatistas; mais flexíveis para outros, programáticos.

A recente matéria publicada pela jornalista Lúcia Morel, do Jornal Campo Grande News, sob o título: Com pequenas populações, Guatós e Ofaiés vivem ‘Paraíso’ dos indígenas em MS, pode ser mote para ilustrar a nossa reflexão.

A ideia de Paraíso, de imediato, pode assustar o leitor e levá-lo a entender que tudo está às mil maravilhas com os povos indígenas Ofaié e Guató da reportagem. Também pode contrariar, igualmente, o olhar de algumas das 33 famílias que vivem no interior da Aldeia Anodi, em Brasilândia.

Porém, já no subtítulo da matéria o periódico ressalva que aquilo que chamou de Paraíso, era, não menos que consequência de uma luta: essa realidade só é possível porque comunidades são organizadas e não param de buscar apoio. Denuncia, também, pelo contraste, a precariedade em que vivem maior parte das populações indígenas do Brasil.

Os Ofaié (e não Ofaiés, como o periódico grafa), aparentemente estariam fora do círculo de miséria e violência que acomete outros povos de Mato Grosso do Sul, segunda maior população indígena do país. Ao destacar a situação confortável em que se encontram, pela obtenção de recursos úteis à sua subsistência, a etnia de Brasilândia, e os patrícios Guató, de Corumbá, o jornal observa que tudo foi conquistado por povos que já sofreram bastante para estar onde estão.

No caso dos Ofaié, são mais de 50 anos de luta e 30 anos de espera pela demarcação de suas terras tradicionais, quando foram jogados de um lado para outro, sendo aos poucos dizimados e dados como extintos, pelo próprio órgão oficial, desde 1978.

Não obstante, em hipótese alguma o olhar otimista manifestado por algum membro desta comunidade indígena, ressaltando ganhos e conquistas, pode ser entendido como demérito para a beligerância daqueles que historicamente deram a vida para o soerguimento desse povo.

Assim como as novas gerações Ofaié que se sucederam, desde Zé Tá, Tomé Xião, Alfredo Cuembe, Ataide Xehitâ-ha, José Koi, Rosalina Martins, até o atual cacique Ofaié, Marcelo da Silva Lins, esta comunidade sempre permaneceu em alerta, reivindicando direitos e melhorias para o seu povo, tendo a Imprensa como aliada.

As vitórias conquistadas por este povo que viveu meio século no sofrimento e desterro, sim, merecem ser comemoradas. É este olhar que as palavras do professor Silvano de Moraes de Souza, da Escola Municipal Ofaié E-Iniecheki, revelam. Escola que hoje, acaba de conquistar a sua estadualização.

Ao lado do progresso obtido no campo da Educação, não descuida o professor de também denunciar os problemas sociais de sua comunidade: a demarcação efetiva e a homologação de suas terras, identificadas em 1992, ainda não aconteceram (...).

Neste ponto sua fala pedagógica se aproxima das reivindicações do atuante cacique Ofaié, pois a comunidade -- continua o professor --, ainda aguarda a colocação dos marcos físicos pela Funai (hoje, Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que é a última etapa da demarcação antes da homologação pelo presidente da República.

Sobre a questão fundiária, o cacique Ofaié, Marcelo da Silva Lins, completa informando através de publicação no Facebook, que o processo está suspenso, ainda precisa terminar o processo de demarcação e em seguida fazer levantamento de benfeitorias para pagamento aos proprietários e depois ir pra homologação.

Depois de tantos anos de luta e percalsos, para além de olhares e perspectivas que divirjam, todos haverão de concordar que esta etnia se encontra cada vez mais fortalecida. 

É hora, portanto, da comunidade Ofaié novamente se unir em torno de suas lideranças para envidar esforços e buscar solução para seus problemas, entre eles, a ampliação da rede de internet na aldeia que precisa ser otimizada e a construção de novas moradias pois há um défice habitacional gritante na Aldeia Anodi, entre outras carências.

Sim, o Paraíso pode ser uma miragem, um lugar distante, inatingível para uns; ou uma utopia, um lugar palpável, possível de ser construído e alcançado. Para tanto, ainda assim, como escreveu o poeta amazonense Thiago de Melo: é preciso avançar de mão dada com quem vai no mesmo rumo, mesmo que distante ainda esteja de aprender a conjugar o verbo amar. Toda força ao Povo Ofaié!

 

Brasilândia/MS, 13 de fevereiro de 2023.

 

Fonte: https://www.campograndenews.com.br/buscar?q=ofai%C3%A9


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