quinta-feira, 15 de junho de 2023

 

A política, a mordaça e os intocáveis

Carlos Alberto dos Santos Dutra



 A Câmara Federal aprovou no dia 14 último projeto de lei que torna crime falar mal de político, blindando-o de qualquer crítica. Tudo em nome do movimento anti-discriminação conquistado pelos setores desprotegidos da sociedade brasileira e que agora é abarcado também pelos políticos em seu favor.

 

E isso tem razão de ser. Numa rápida digressão histórica, recapitulemos que ONTEM, após os anos de ditadura militar, através da via política e sindical, o país avançou nas garantias individuais e direitos trabalhistas, organizações sociais e dignidade humana.

 

Período em que houve consideráveis avanços nos benefícios e na segurança jurídica alcançada neste período, sobretudo com a promulgação da CF/88. Grande parte da população, antes excluída e invisível aos olhos das políticas públicas passaram a ser respeitadas e consideradas pelas administrações.

 

Porém, para outra parcela da população, economicamente mais abastada em sua redoma, esses avanços nunca foram bem-vistos e bem-vindos. Através de seus representantes e capital político sempre alimentaram a tentativa de inverter a ordem dessa pirâmide, subvertendo-a ainda mais para seu benefício.

 

HOJE, ainda que por curto período, após o país ter vivido e sentido na pele o viés ditatorial, fascista, obscurantistas e misógino da política que tomou de assalto o comando maior da nação, eis que a sociedade respira mais aliviada os ares de democracia que voltam a nortear o rumo dos muitos brasis que aqui convivem.

 

Não era de se estranhar que tirassem proveito também os políticos de todos esses avanços, sobretudo os relacionados às garantias individuais, direitos e vantagens conquistadas, uma vez que a legislação (criada por eles mesmos) já lhes garantem privilégios institucionais incomensuráveis como:

 

Salário maior do que o Presidente; duas ajudas de custo, uma no início e outra no final do mandato, no mesmo valor do salário; auxílio-moradia ou uso de apartamento funcional; atendimento médico e odontológico particular; cota parlamentar; serviço gráfico da Câmara; verba de gabinete, além de poder contratar funcionários para trabalhar em seu gabinete, em Brasília ou no seu estado de origem. O que totaliza R$ 168.600,00 mensais para cada deputado e R$ 1 bilhão por ano só para manter a Câmara Federal.

 

Agora a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei (de autoria da filha do ex-deputado Eduardo Cunha, deputada Dani Cunha, do União Brasil, do Rio de Janeiro) que propõe tornar crime a discriminação de pessoas que exerçam cargos políticos, ministros do Poder Judiciário e detentores de cargos comissionados. 


Trata-se de uma medida onde o corporativismo, sem dúvida, falou mais alto, quando 252 deputados (contra 163) no plenário ampliaram suas garantias para o terreno pessoal, benefício que traz reflexo no exercício do múnus público que exercem. 

Na verdade, a proposta é uma capa de proteção para políticos, parlamentares e magistrados. Criminaliza quem afrontar ou denunciar suas mazelas impondo uma mordaça na democracia. São pessoas que já são ultraprotegidas na sociedade, já têm segurança própria, já têm série de benefícios e privilégios – foi dito, e agora recebem o beneplácito legal que os torna intocáveis. Benesse que protege não somente os altos cargos, mas também os cargos subalternos comissionados. 

Como escreveu o jornalista Mauro Paulino: Todos foram pegos de surpresa, foi feito na surdina, por trás dos panos e colocado em votação dessa forma que vimos. Então, é algo a ser muito bem analisado pelo Senado e que demonstra, mais uma vez, como esse Congresso tenta se auto proteger o tempo todo, completa.

A pena prevê de 2 a 4 anos de prisão e multa para quem discriminar pessoas consideradas politicamente expostas em virtude do cargo e do trabalho que desempenham. Pela lei, estarão acima da lei: ministros de Estado; presidentes, vices e diretores de autarquias da administração pública indireta; indicados para cargos de Direção e Assessoramento Superior; ministros do Supremo Tribunal Federal e de outros tribunais superiores; o procurador-geral da República; integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU); presidentes e tesoureiros de partidos políticos; governadores e vice-governadores; prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. 

Para confirmar se uma pessoa se enquadra ou não nas hipóteses do projeto, o texto diz que deverá ser consultado o Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente (CNPEP), disponibilizado pelo portal da transparência. O projeto também alcança pessoas jurídicas das quais participam pessoas politicamente expostas, além de familiares e estreitos colaboradores. Pelo texto, os familiares são os parentes, na linha direta, até o segundo grau, o cônjuge, o companheiro, a companheira, o enteado e a enteada.

 Brasilândia/MS, 15 de junho de 2023.


Foto: https://sismmar.com.br/site/justica-suspende-votacao-da-lei-da-mordaca-em-curitiba/;

Fonte: https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/06/14/mauro-paulino-projeto-que-torna-crime-discriminar-politicos-e-corporativismo-explicito.ghtml

https://www2.camara.leg.br/comunicacao/assessoria-de-imprensa/guia-para-jornalistas/direitos-dos-deputados

https://www.camara.leg.br/noticias/971621-aprovado-projeto-que-tipifica-crimes-de-discriminacao-contra-pessoas-politicamente-expostas-acompanhe


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