Onde está nosso Meio Ambiente que estava aqui?
Carlos Alberto dos
Santos Dutra
Há 20 anos, no dia
24 de outubro de 2003, pelo esforço do sr. Maurinho
Caetano um rol de 554 cidadãos
brasilandenses redigiram um sólido documento – uma Carta Aberta – que foi entregue à então estatal Companhia Energética de São Paulo-CESP. Passado duas
décadas, no dia consagrado mundialmente ao Meio Ambiente, nada mais justo do que rememorar
este texto (publicado aqui na íntegra) que encerra beleza e também o sentimento
de muitos que aqui vivem, uma vez que suas reivindicações urgem e jamais foram atendidas.
“Nós abaixo
relacionados, brasileiros e brasilandenses, cidadãos desse país verde e
amarelo, pais e filhos dessa terra, vimos, através desta Carta Aberta, manifestar
nosso desejo, puro e honesto, porque brota da mais profunda identidade que
temos com a natureza, com os nossos rios e as nossas matas. Somos urbanos e
rurais, somos oleiros e agricultores, somos pescadores e pecuaristas, somos
médicos e professores, comerciantes e homens públicos, associações e
sindicatos, jovens e adultos, e nos dirigimos à Companhia Energética de São
Paulo, com esse pedido de atenção, consideração e respeito.
“Somos sabedores
de que com a evolução dos tempos e o avanço da tecnologia, a nova realidade
imprimiu ao homem esforço maior na luta pela sobrevivência. Apesar de todo o
crescimento tecnológico e o progresso, também promovemos transtornos
individuais e coletivos irreversíveis à natureza. Em nome do progresso fomos
capazes de mudar o curso dos rios, construir pontes e barragens, romper
viadutos, conquistar o espaço e modificar o meio ambiente alheio. Em
contrapartida, também provocamos perdas irreparáveis a nós mesmos. Perdemos o
nosso habitat natural, perdemos a nossa identidade, e até mesmo nossos vizinhos
–os mananciais, a fauna e a flora-- que faziam parte de nossa família, foram
levadas pelas águas para bem distantes de nós.
“Se, por um lado
houve prejuízos, por outro houve benefícios e avanços na qualidade de vida de
muitos, na geração de energia, na geração de renda, na expectativa de futuro
para nossa cidade. Por isso não somos contra o progresso. Muito antes pelo
contrário, somos a favor de toda ação e política responsável para o bem do meio
ambiente em que vivemos. Porque não podemos nos esquecer que somos responsáveis
pelo futuro que haveremos de construir para os nossos filhos. As futuras
gerações, sem dúvida, hão de nos cobrar o preço de nossas opções, acertadas ou
não. No caso particular da intenção da CESP em transformar a área das Fazendas Cisalpina
e Flórida em Reserva Particular do Patrimônio Natural, queremos manifestar
nossa opinião sincera: a de que não concordamos. E vamos dizer o porquê.
“Porque queremos ter o direito constitucional de ir e vir. Queremos ter o direito de continuar a praticar as antigas caminhadas até o rio Verde e Paraná, como fazíamos antigamente. Desde 1912, e depois na década de 1950 quando o pescador e comerciante italiano, um dos primeiros posseiros na região, João Augusto André (nome que foi dado ao Porto anos mais tarde), e muitos outros começaram a construir os primeiros ranchos de pesca ao longo do rio Paraná, a identidade do brasilandense, foi se firmando como um povo eminentemente ribeirinho, cativo da natureza e amante do rio. Natureza que foi amassada no barro e na argila que deu sustentação às nossas casas. Distanciá-lo do rio é decretar a morte de seus sonhos.
Se a CESP transformar aquela área em RPPN
estaremos impedidos de ter acesso aos rios Verde e Paraná, bem como o município
não poderá desfrutar do potencial turístico da região, não poderá desenvolver
atividades científico-pedagógicas e iniciativas econômicas que poderiam
beneficiar a população local. Pedimos que as Fazendas Cisalpina e Flórida sejam
transformadas em uma área protegidas de domínio público, do tipo Unidade de
Conservação, numa das modalidades de Unidade de Uso Sustentável, que contemple
os anseios da população de Brasilândia permitindo o desenvolvimento de
atividades educacionais, científicas e recreativas, compatibilizando a
conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos
naturais. Isso garantiria, por exemplo, o acesso responsável e fiscalizado à
pontos de pesca amadora no interior da área e ao longo dos rios Verde e Paraná,
na margem do lago da hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta.
“A participação da comunidade, através de um Conselho Municipal de Meio Ambiente e o apoio de entidades defensoras do meio ambiente seriam aliados na preservação dessa natureza que tanto amamos. Porque muito trabalho precisa ainda ser realizado. A área desse complexo Cisalpina/Flórida ainda carece de uma fiscalização efetiva. O abandono da área por vários meses, infelizmente, alimentou a esperança de alguns poucos de que a área pudesse voltar ao domínio dos antigos pecuaristas que mantinham ali seus gados livres e sem qualquer custo, configurando-se esse ato numa séria ameaça à fauna ali existente. Sabidamente as queimadas praticadas nesse período favorecem o surgimento de novas pastagens transformando-se o local num belo convite àqueles que desejam invadir a área somente em benefício próprio.
Os animais, regularmente alimentados, foram
deixados à mercê da sorte. O corte das arvores frutíferas em lugares não
atingidos pela inundação, descuidou-se a empreendedora, que eles fariam falta à
alimentação dos animais trazidos de diversos lugares e ali reunidos. Passada a
febre dos projetos e pesquisas sobre a fauna silvestre, dos servos, catetos e
onças pintadas e seus colares sinalizadores, a dura realidade mostrou animais
deixando a reserva em busca de alimento. Os animais agora se alongam em debandada
pelos campos alheiros, distantes da área, por duas vezes esse ano em chamas,
fugindo do fogo em agonia espetacular, sendo facilmente capturados ou abatidos.
“Com essa carta
hipotecamos nosso desejo e responsabilidade de somar esforços no sentido de
superar o descaso e a ineficiência dos que têm feito vistas grossas para o
problema da matança de animais no interior dessa nossa reserva. Não queremos
proibir as pessoas de visitar essa reserva, maravilha da natureza, com seus
córregos, croas de mata atlântica e tuiuiús livres no ar. Queremos que essa
atividade seja regulamentada. E, de mãos dadas com os poderes públicos e a
iniciativa privada e responsabilidade social, delibere ações que coíbam
qualquer abuso e insubordinação. q) Nossa intenção com essa carta é
sensibilizar a Companhia Energética de São Paulo – CESP e os demais
interlocutores como Prefeitura Municipal de Brasilândia, IBAMA, Ministério
Público, Corpos de Bombeiros e Polícia Militar Ambiental convidados pela
Divisão de Implantação e Manutenção dos Programas Ambientais da CESP para a
reunião do dia 24 de outubro de 2003 a realizar-se no Reassentamento João André.
“De olho no meio ambiente sustentável, nos investimentos turísticos e de geração de renda possíveis para o município de Brasilândia, e no lazer e bem-estar do povo brasilense, nós, da área urbana e rural, dos reassentamentos Porto João André, Pedra Bonita, Santana e Santa Emília, pedimos um olhar de humanidade também para o povo de Brasilândia. O potencial da pesca profissional responsável e sem a depredação ao meio ambiente, por outro lado, é outra forma de devolver aos ribeirinhos parte do rio que lhes foi subtraído. A garantia de acesso aos rios Paraná e Verde, para aqueles que nasceram e cresceram nas margens do rio é um imperativo existencial. Sabe-se hoje que o acesso de barco à pescadores da margem paulista do rio Paraná é livre, enquanto que aos brasilandenses o acesso por terra lhes é negado. Bem nos informa os biólogos que o rio Verde não é um rio de pesca; ele é uma “maternidade”, local de desova e criadouro dos peixes que, adultos descem em direção ao rio Paraná.
Porém os
brasilandenses que não tem acesso por terra a esse rio ficam privados da pesca
e tendo de assistir parte de seus peixes serem levados para o estado vizinho. Do
lado paulista, queixam-se os brasilandenses, os pescadores foram indenizados,
receberam barcos de borda alta, apropriados para a pesca e aprovados pela
Capitania dos Portos. Outra queixa é a de que do lado paulista as margens do
rio Paraná não foram respeitadas pela empreendedora, nem a área de preservação
ambiental, pois na margem do rio foram construídos clubes e áreas de lazer,
enquanto que Brasilândia não teve semelhante tratamento. Considere-se que o
setor de lazer e turismo do município de Brasilândia foram os únicos não
relocados, sendo que as únicas opções – o Iate
Clube Rio Verde e o Changrilá Clube
--, hoje se encontram submersas.
“Por esses motivos
e no intuito de ampliar o debate e garantir a participação da comunidade de Brasilândia
nas decisões sobre o destino do complexo Cisalpina/Flórida, vimos através dessa
Carta Aberta apresentar à Companhia Energética de São Paulo as seguintes
reivindicações:
1) O reconhecimento, como interlocutor, os segmentos
representativos da comunidade de Brasilândia – suas entidades
não-governamentais e poderes públicos --, para representar e opinar sobre os
interesses da comunidade brasilandense, na administração e fiscalização da
futura Área de Conservação;
2) A construção de um Posto para a Polícia Militar
Ambiental na margem da Rodovia, dentro da área, para fiscalização e orientação
aos turistas;
3) A criação de uma área de lazer e turismo na
Fazenda Florida para receber os visitantes e turistas, sendo a administração e
fiscalização do acesso realizado pelo município e organismos ambientais;
4) Cercar totalmente a área da reserva, com telas de
alambrado, com postes de concretos, não permitindo assim a saída de animais
silvestres da reserva e tampouco a entrada de caçadores, pescadores ou gado vacum;
5) Reconstruir a antiga MS-40, cercando de alambrado
com acesso à fazenda Florida, construindo locais de passagem para os animais
silvestres no longo da rodovia;
6) Construir uma rede de energia elétrica da Fazenda
Cisalpina até a Fazenda Florida para atender o turista;
7) Construção de um local de embarque e desembarque
para acesso ao lago, para pescadores;
8) Implantar um pesqueiro, com demarcação de uma área
de pesca para pescadores amadores, que irão com suas famílias, pescar e
apreciar as belezas do lago, de barco, a partir do final da antiga rodovia na
Fazenda Flórida;
9) Demarcação de uma área para criação de peixes em
cativeiro, na Fazenda Florida no final da antiga rodovia;
10) Criar um corredor de visitação ecológica, dentro
do complexo Cisalpina/Flórida, sem agredir o meio ambiente já existente,
distribuindo ao longo do percurso pontos de alimentação de animais silvestres,
onde os mesmos poderão ser avistado pelos visitantes;
11) Reconstrução do BL-15 (ao longo do rio Verde até o
rio Paraná), o que permitirá a acesso a esses rios para prática da pesca
amadora;
12) Construir uma cerca de alambrado com postes de
concretos ao longo da BL-15;
13) Demarcar uma área nas proximidades do Rio Paraná,
próximo ao antigo Iate Clube Rio Verde,
garantindo assim aos pescadores e turistas que hoje já frequentam o local, uma
melhor infraestrutura para a sua atividade, bem como energia elétrica até o
local;
14) Reintegrar
o pescador profissional no rio Paraná garantindo-lhes a doação de barcos
autorizados pela marinha brasileira a navegar no rio Paraná;
15) Garantir
apoio aos ribeirinhos para possam frequentar cursos de formação na área de
guias turísticos, com o fornecimento de bolsas de estudos”.
Em que pese
algumas das propostas elencadas estejam equivocadas e mereçam ser atualizadas,
em hipótese alguma retira o mérito da iniciativa pioneira que, na época, ao
lado da ong Instituto Cisalpina,
mobilizou significativo segmentos da comunidade brasilandense, o que configura
fato relevante a ser realimentado no horizonte das reivindicações neste dia em
que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente.
Brasilândia/MS, 5
de junho de 2023.
Foto: Encontro das águas dos rios Verde e Paraná, visto do mirante do Iate Clube Rio Verde (Arquivo Dutra, 1988). Fonte: Dutra, C.A.S. Queremos o nosso rio. A reação dos ribeirinhos. In História e Memória de Brasilândia/MS, Vol. 2-Patrimônio, pág. 149.
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