segunda-feira, 26 de junho de 2023

João Batista Marques, o tempo e a história

Carlos Alberto dos Santos Dutra

 


 

Tive a grata satisfação de reencontrar o senhor João Batista Marques, o grande memorialista de nossa vizinha Panorama/SP, cidadão que muito sabe, trabalhou e escreveu sobre nossa cidade de Brasilândia/MS, sobretudo a história de seu berço e nascedouro que brotou das margens do rio Paraná, no Porto João André.

 

E lá o encontro em sua residência, sob o peso da idade, em meio a uma centena de livros numa imensa biblioteca que ocupa parte significativa da sala em sua casa, e onde o visitante inesperado pode deitar os olhos sobre a mesa de centro do ambiente e encontrar espalhados ali diversos livros de autoria deste ilustre personagem, e que lhe causa maior alegria e orgulho poder falar sobre cada uma de suas obras.


Depois de tirarmos uma foto com a entrega de um exemplar do 2° volume do livro História e Memória de Brasilândia que lhe ofertei, falo bem próximo ao seu ouvido (pois ele resiste ao uso do aparelho auditivo) e lhe digo que o seu nome faz parte da história de Brasilândia. Ocasião em que recordamos a data em que ele esteve em Brasilândia, no ano de 2012, durante o lançamento do livro O território Ofaié pelos caminhos da história, quando sua presença muito honrou nossa cidade naquele dia 24 de abril.


O texto abaixo é um pequeno registro, porém, de relevância histórica e etnográfica que traduz e assume, igualmente, singela homenagem em vida a este escritor, historiador e memorialista de Panorama/SP: 

“A mão estendida sobre os olhos buscam alcançar a outra margem do rio. Uma leve brisa sobre as ruas empoeiradas do povoado de Panorama, as poucas casas, ainda de madeira, aos poucos vão surgindo no lugar. O ventre da terra ainda guarda na lembrança os indígenas Ofaié, chamados Xavantes que ali viveram até 1930.

João Batista Marques, caminha pelas ruas da cidade, levando nos ombros seus 75 anos de vida e vivências (hoje com 84 anos). Encontro-o na feira, num domingo de sol, vendendo seus livros e falando com o povo. Entretenho-me com ele falando sobre minhas dúvidas e desejo de conhecer um pouco mais sobre a história de João Augusto André, personagem que deu nome ao porto da margem direita do rio Paraná no, hoje, município de Brasilândia, em Mato Grosso do Sul.

Seu recente livro, “E o burgo se moderniza”, publicado pela Editora Jóia, de Dracena/SP em 2011, explica-me que é o terceiro que publica, enquanto faz uma prece silenciosa ao Senhor Deus de todos os deuses agradecendo a graça recebida, isto é, por conseguir terminar este terceiro livro, pela saúde razoável e pelo prazer que tem sentido no viver do dia a dia (...) [1].

E não por acaso, o seu livro que me cai nas mãos, gentilmente doado pelo autor, apresenta no Prólogo as informações que andava buscando. As terras onde hoje se localiza a cidade de Panorama foram inicialmente habitadas pelos índios das tribos Ofaié Xavantes, isto até os anos 1930 do século passado; com a chegada dos brancos à região, ou seja, os ‘civilizados’ que vieram para colonizar estas terras houve muitos conflitos, mas as carabinas papo amarelo manejadas pelos brancos falaram mais alto que os arcos e flechas manejados pelos indígenas [2].

Sabe-se que no ano de 1945, o sr. Quintino de Almeida Maudonnet, empresário de tradicional família campineira, informado por amigos, que a Cia. Paulista de Estradas de Ferro tinha planos de estender os seus trilhos até a divisa do Estado de São Paulo com Mato Grosso, decidiu formar uma sociedade para comprar a Fazenda São Marcos Evangelista com m/m 2,700 alqueires junto ao ribeirão das Marrecas, margeando o Rio Paraná, terras devolutas cuja posse era do Sr. José D´Incáo, farmacêutico em Presidente Wenceslau, Alta Sorocabana.

Sobre esse fato, informa João Batista Marques, que sete anos antes, a tal fazenda chamava-se Fazenda Marrecas e serviu de abrigo à família do Sr. Avelino Bobato, esposa e onze filhos que chegaram à Panorama para trabalhar. A Fazenda Marrecas que pertencia ao Sr. José D’Incáo, nas mãos da Imobiliária Campineira, transformou-se em Fazenda São Marcos Evangelista [3].

O pesquisador, aqui, deseja ir mais à fundo sobre o tal ribeirão das Marrecas. Havia sido informado, por outras fontes, da existência de uma missão capuchinha no lugar e que havia sido responsável pela catequização dos indígenas Ofaié, mencionados no início da colonização de Panorama.  Para isso, entretanto, é preciso retroceder e voltar no tempo cronológico quase meio século. E é o livro do Sr. João Batista Marques que nos confirma e tal informação, tendo-a obtido da boca do Sr. Benedito Felix, nascido em 1903 e que aos 14 anos de idade andou por aqui acompanhando um grupo de pescadores da cidade de Jaú [4].

A foto é de 1914 e mostra a Missão do Ribeirão das Marrecas. Assim conta o citado senhor que veio a falecer no ano de 2000 [e] estava lúcido de memória: Andava alardeando nos bate-papos com os amigos, ter descido o Rio Paraná no ano de 1917 e encontrado na Margem esquerda do Ribeirão das Marrecas, várias tábuas e uma caixa de madeira com pregos já enferrujados. Perguntava ele quem seria que teria passado por aquele local, se pergunta o aprendiz de historiador.

A chegada das Missões Franciscanas em Panorama, quase um século depois deste fato, no ano de 2009, esclarece o mistério guardado pelo rio. Os frades capuchinhos acamparam à margem esquerda da Marreca no ano de 1913, para catequizar um bando de índios Xavante que viviam dispersos pelas matas, e para isso trouxeram  integrantes da tribo da aldeia Ofaié Xavantes, localizada na margem direita do rio Verde, pouco acima do Rio Paraná [5].

Para enriquecer a informação, o autor teve o cuidado de reproduzir uma foto da primeira capela da Missão, e na página 15 a fotografia de um grupo de 18 indígenas Ofaié acompanhados de autoridades (o prefeito de Valinhos, o sr. Joaquim Félix e um tal de velho Paraíba que ciceroneou o grupo na viagem que realizaram na região.

Sobre o aldeamento Ofaié na margem do rio Verde, os missionários capuchinhos mantiveram contato ainda por algum tempo, prestando-lhe, sobretudo assistência à saúde nos casos de maleita que vitimava os indígenas com a ocupação cada vez mais intensa das bordas dos rios Paraná, Verde e Pardo, no então, sul de Mato Grosso. Relacionaram-se, inclusive, com funcionários do Serviço de Proteção aos Índios-SPI e com o etnólogo alemão naturalizado brasileiro Curt Nimuendajú [6].

Um grupo de italianos provindos de Vercelli, terra do arroz na Itália, liderados pelo Sr. Luigi Cantone implantaram a empresa Cisalpina Agrícola S.A., que, em verdadeira quebra de braço com a Cacex, reguladora das importações na época, recebeu o apoio da empresa Panorama S.A., e recebeu um grande número de implementos agrícolas, que mereceu a cobertura da mídia, e atraiu a atenção para a futura cidade (...). Mais gente se deslocou para Panorama ajudando o seu desenvolvimento. Infelizmente a iniciativa do Sr. Luigi Cantone fracassou por culpa das enchentes que alagavam as várzeas de Mato Grosso e as máquinas acabaram imprestáveis [7].

Pessoas como João Batista Marques, aparentemente comuns, podem passar despercebidas, nas praças, nas feiras e ruas da cidade. Guardam, porém, a memória dos dias que vão passando, ou já passaram, e que ainda carecem ser ouvidas e registradas. As páginas dos livros, infelizmente, nem todos observam, mas o carinho, o respeito e a dedicação com que os acontecimentos são retratados e eternizados nas laudas do tempo é motivo de orgulho...”, e merecedor de nossa homenagem.


Brasilândia/MS, 26 de junho de 2023.

  


Da esquerda para a direita: Prof. José de Souza Koi (Cacique Ofaié); Prof. Francisco Aparecido Lins (Secretário Municipal de Educação); Jorge Daniel Silva Oliveira (Vereador Presidente da Câmara); Dr. Antônio de Pádua Thiago (Prefeito Municipal); Carlos Alberto dos Santos Dutra (Escritor); Adilson Aspet (Diretor da Fundação de Cultura de MS); Prof. Dr. Giovani da Silva (Historiador) e João Batista Marques (Escritor convidado e palestrante).




Fonte: https://panoramanoticia.blogspot.com/2014/04/escrito-joao-batista-marques-lanca-seu.html

Publicado em: [1] - Publicado em http://carlitodutra.com/joao-batista-marques-o-tempo-e-a-historia, em 28.Out.2013; http://www.agorams.com.br/jornal/2013/10/joao-batista-marques-o-tempo-e-a-historia-por-carlos-a-s-dutra/, em 29.Out.2013; http://fronteiraagora.com.br/portal/joao-batista-marques-o-tempo-e-a-historia, em 29.Out.2013; http://www.tribunams.com.br/colunista/se-me-deixam-falar/joao-batista-marques-o-tempo-e-a-historia-por-carlito-dutra, em 31.Out.2013; e http://www.jornaldiadia.com.br/news/noticia.php?Id=6277#.UnkSd6BTvow, em 29.Out.2013.

Disponível em: DUTRA, C.A.S. Diálogos Impertinentes e crônicas de adeus. Brasilândia, Edição do Autor, 2020, pág. 102. https://clubedeautores.com.br/livro/dialogos-impertinentes-e-cronicas-de-adeus

 



[1] - Marques, João Batista. E o burgo se moderniza. Dracena/SP, Editora Joia, 2011, p. 205.

[2] - Idem, p. 1.

[3] - Marques, João Batista. E o burgo se moderniza. Dracena/SP, Editora Joia, 2011, p. 1.

[4] - Idem p. 7.

[5] - Idem, p. 7-8.

[6] - Dutra, Carlos Alberto dos Santos. O território Ofaié pelos caminhos da história. Editora Life, Campo Grande/MS, 2011, p. 

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