Clemente Cardoso Farias e seu Curral do Conselho.
Carlos
Alberto dos Santos Dutra
A história deste cidadão brasilandense ainda está para ser contada. Sempre alegre, brincalhão e contador de histórias, muitas delas apregoadas como embuste, nunca deixava de encher o ambiente de alegria e encantamento onde se encontrava. Mais do que uma história, há quem diga que ele era mesmo uma lenda viva dos tempos áureos da simplicidade e do contato direto entre os cidadãos na ânsia de resolver os problemas mais simples da convivência humana.
Clemente Cardoso Farias era assim, e seu jeito e trejeitos foram elementos marcantes de sua personalidade, sobretudo pelo tipo de atividade que desenvolvia na comunidade. Era o responsável pelo recolhimento de animais que nos tempos primeiros da vila Brasilândia andavam soltos pelas ruas e pistas, colocando em risco a vida das pessoas e veículos que por elas transitavam.
Como funcionário do Departamento municipal de Limpeza Urbana-DMLU, havia criado o tal de Curral do Conselho, local para onde os animais recolhidos por ele eram levados e que depois de um bom conselho dado ao proprietário do animal apreendido, o animal era liberado. Tornou-se figura folclórica na cidade que aos poucos foi se acostumando vê-lo montado em seu cavalo, de posse de todos os arreios e traias necessários à sua atividade, sempre sorridente e acenando para a população.
De quando em vez, apeava do animal e, sentado numa esquina ou em algum boteco atendendo ao chamado de algum amigo, ficava horas contando causos e mais causos, muitos deles inacreditáveis, mas que alegravam os dias da emergente Cidade Esperança.
No ano de 1999, o jornalista Ray Santos fotografou-o ao lado de seu instrumento de trabalho, o cavalo Sansão, verdadeira relíquia da qual zelava mais que a si mesmo.
A expressão Curral do Conselho pode ser desconhecida para muitos. Para o senhor Clemente Cardoso não. Figura simpática e comunicativa era servidor público municipal responsável pelo tal órgão da administração municipal, sendo o encarregado de recolher os animais (bovinos, equinos, muares, caprinos, etc.) soltos nas ruas, e que acabam depredando o patrimônio público e privado, trazendo risco à saúde e aos veículos que trafegam nas vias públicas. Segundo o Código de Postura do município, os animais apreendidos deviam ser removidos para um local apropriado, ali ficando à disposição de seus proprietários.
Mas seu Clemente até que gostava deste serviço, sendo considerado um exemplo de cidadão. Amado e querido por todos, era um típico cowboy e tinha como parceiro fiel o seu cavalo alazão conhecido por Caboclo do qual somente se apartava quando estava de folga do serviço. De igual modo, o seu traje era o mesmo que vestia diariamente, o que fazia há muitos anos.
No exercício desta profissão ele confidenciou ao jornalista que havia brigado com muita gente para conseguir tirar os animais das ruas de Brasilândia, inclusive, outros companheiros que tentaram fazer o mesmo: chegou a apanhar de chicote de donos de animais. –Mas comigo não! Comigo as coisas são diferentes e com jeitinho e diálogo conseguimos acabar com o problema em Brasilândia, confidenciou orgulhoso.
Muito respeitado, gozava de prestigio junto à população brasilandense, inclusive com as autoridades. Passou por vários prefeitos e falava com orgulho do trabalho que realizava. Antigamente a vaca desfilava nos jardins e nas ruas de Brasilândia. Hoje isso não existe, explica com satisfação. –Pergunte para o Maurinho Caitano, ele me ajudou muito e por diversas vezes tinha gente brava querendo bater na gente.
O repórter pergunta para o senhor Clemente sobre o que ele mais gostava, e ele enfático responde sorrindo: --Da minha muié e das minhas filhas, é claro! Brinca. Nos anos 1998, amigo da então prefeita Marilza do Amaral e de vários vereadores, era comum vê-lo com sua peixeira afiada cortando carne, assando churrasco e servindo a todos com um largo sorriso no rosto, o que lhe foi sempre peculiar.
Morador antigo da barranca do rio Paraná veio para a zona urbana de Brasilândia há muitos anos e recorda com saudade dos velhos tempos, inclusive das acirradas campanhas políticas que aconteciam especialmente em Panorama/SP do outro lado da margem do rio.
O jornal menciona também que o nosso personagem lembrava do tempo da chamada 'Capitura' e conta estórias fantásticas da região, e com detalhes, sobre diversos acontecimentos como brigas que envolveram posseiros e políticos poderosos da região.
Seu Clemente era assim: um homem de muitas estórias e fez história em Brasilândia. Sempre lembrado entre risos, por sua fama de contar lorotas, fábulas e invenções. Diziam os amigos que seu cavalo andava sempre de cabeça baixa, por sentir vergonha das mentiras que seu dono apregoava.
Nascido em 26 de setembro de 1939 e faleceu esquecido no dia 9 de junho de 2017, três meses antes de completar 78 anos. Um homem simples, do povo, mas que gozava da amizade, carinho e prestígio de um autêntico brasilandense. A este brasilandense e seus familiares, as nossas homenagens póstumas.
Brasilândia/MS, 04 de outubro de 2022.
Fonte: História e Memória de Brasilândia/MS - Volume IV – Desenvolvimento. Capítulo 2 – O Mundo
Urbano e Rural que nos rodeia, pág. 232-234.
Foto: Jornal de Brasilândia, 1999; e Jornal Dia a
Dia, 1998 / Colorizado por Remini e My Heritage.
Link: Para baixar a versão em PDF do Volume 4 da coleção História e Memória de Brasilândia/MS: https://www.dropbox.com/s/2yfvi3uwsiax1qb/Hist%C3%B3ria%20e%20Mem%C3%B3ria%20de%20Brasil%C3%A2ndia-MS%20V4-Desenvolvimento.pdf?dl=0
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