quarta-feira, 5 de outubro de 2022

 Quem tem medo dos inteligentes?

Carlos Alberto dos Santos Dutra

 



Em tempo de obscurantismos, terraplanismos e satanismos empedernidos, nunca é demais refletir sobre o futuro da cultura brasileira e para onde caminha a inteligência política de seus cidadãos. O texto abaixo recebi de um amigo, pela internet. Diz que é para pensar... E repassar. 

Hoje virou moda receber a informação e rapidamente repassá-la. Das duas, uma: ou estamos com muita pressa, sem tempo para pensar no assunto e, num clique, passamos adiante a bola; ou queremos célere, inundar o mundo a nossa volta com ideias novas que a cada instante surgem e nos motivam a ser cada vez mais... menos inteligentes.  

O fato teria se passado com o célebre político britânico Winston Leonard Spencer Churchill (1874-1965) quando, ainda jovem, acabara de pronunciar seu discurso de estreia na Câmara dos Comuns e foi perguntar a um velho amigo parlamentar, amigo de seu pai, o que tinha achado do seu primeiro desempenho naquela assembleia de vedetes políticas. 

O velho pôs a mão no ombro de Churchill e disse, em tom paternal: Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é imperdoável. Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter conquistado no mínimo, uns trinta inimigos. O talento assusta, concluiu.  

O jovem que chegara a Deputado aos 25 anos, e seria várias vezes ministro, depois primeiro Lorde do almirantado e finalmente primeiro ministro, como líder do Partido Conservador inglês, protagonista da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, este historiador, Prêmio Nobel da Literatura em 1953, ouvia ali, nesse tempo pretérito, uma das melhores lições de abismo que aquele velho sábio podia dar ao seu pupilo que recém iniciava a próspera e, ao mesmo tempo, difícil carreira diplomática. 

A maior parte das pessoas encasteladas em posições políticas -- consola-me o amigo desconhecido --, é medíocre e tem um indisfarçável medo da inteligência. Isso lá na Inglaterra. O que não diríamos aqui, em terra brasilis.  

Não é demais lembrar a famosa trova do jurisconsulto Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923), contemporâneo de Churchill: Há tantos burros mandando / em homens de inteligência, / que às vezes fico pensando / que burrice é uma ciência

Há de se convir, portanto que, de um modo geral, os medíocres são mais obstinados na conquista de posições. Sabem ocupar os espaços vazios deixados pelos talentosos displicentes que não revelam o apetite do poder. 

Mais que isso: há de se considerar que esses medíocres ladinos, oportunistas e ambiciosos, têm o hábito de salvaguardar suas posições conquistadas com verdadeiras muralhas de granito por onde talentosos não conseguem passar.  

Em todas as áreas encontramos dessas fortalezas estabelecidas, as panelinhas de embusteiros, solertes e trampolineiros; inexpugnáveis à legião dos lúcidos. Dentro desse raciocínio, comparado ao Elogio da Loucura, de Desidérius Erasmus Roterodamus (1469-1536) e seu espírito enciclopédico que tentou definir um humanismo desligado de qualquer polêmica religiosa, pode-se dizer que somos forçados a admitir que uma pessoa precise se fingir de burra se quiser vencer na vida.

Assevera-me o camarada que é pecado fazer sombra a alguém até numa conversa social. Assim como um grupo de senhoras burguesas bem casadas, boicota automaticamente a entrada de uma jovem mulher bonita no seu círculo de convivência, por medo de perder seus maridos, também os encastelados medíocres se fecham como ostras, à simples aparição de um talentoso jovem que os possa ameaçar.  

Eles conhecem bem suas limitações; sabem como lhes custa desempenhar tarefas que os mais dotados realizam com uma perna nas costas, enfim, na medida em que admiram a facilidade com que os mais lúcidos resolvem problemas, os medíocres os repudiam para se defender. É um paradoxo angustiante. Infelizmente temos de viver segundo essas regras absurdas que transformam a inteligência numa espécie de desvantagem perante a vida. 

O atual confronto de mediocridades presentes na eleição presidencial deste ano é uma demonstração disso. Como diria Nelson Falcão Rodrigues (1912-1980): finge-te de idiota e terás o céu e a terra...


Brasilândia/MS, 05 de outubro de 2022.


Fonte: Jornal MS Notícias, Bataguassu-MS, em 12 de abril de 2006. In DUTRA, C.A.S. Retalhos do Dia a Dia, Brasilândia/MS, Edição do Autor, 2010, pág. 255s.

Foto: https://www.ibccoaching.com.br/portal/comportamento/politica-voce-quem-faz/


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