Dona Dirce Marçal e sua Casa Encantada.
Carlos Alberto dos Santos DutraExistem
lembranças na nossa vida que atravessam a distância e os anos. Uma
delas guardo desde o dia em que cheguei nesta cidade. Em frente a
Praça da Matriz, uma casa mantinha presa o olhar de admiração de
uma jovem, minha esposa, que dela se afeiçoou.
Corria o ano de 1986 e a casa foi colocada à venda, mas o valor do imóvel excedia em muito as economias do casal missionário que na época se encontrava hospedado na Casa Paroquial localizada em frente.
Anos depois a casa foi vendida. Mas a imagem e lembrança daquela espécie de casa encantada permaneceram. E, por algum motivo especial, o coração do imóvel despertava congraçamento e alegria, também conforto e nostalgia a quem por ali passasse.
Foi quando soube que para lá havia mudado a família da dona Dirce Teresinha de Lima Ferreira, moradores antigos da zona rural de Brasilândia e que aqui deitaram raízes, trabalharam a terra, criaram filhos e netos, e conquistaram o respeito e a admiração de todos.
Nascida em 4 de agosto de 1938, na cidade de Araçatuba/SP, dona Dirce era filha de Jerônimo e Lioneta, casal de pioneiros lavradores que construíram o seu pequeno lar no interior da fazenda Santa Adélia, na sua terra natal.
Cheia de graça a menina, ela era a primeira filha de uma família de 12 irmãos. Prendada desde criança, aos 16 anos, entretanto, sofreu sua primeira dor, quando perdeu a mãe que faleceu de parto, vendo-se transformada muito cedo em senhora do lar, cabendo a ela a nobre tarefa de cuidar do pai e seus 11 irmãos menores.
Uma vida de responsabilidade que trilhou no percurso de toda sua juventude, sem contudo, tirar-lhe a alegria de viver. Dom que o céu lhe concedeu, através do exemplo vivido, conquistou a beleza e o conhecimento na arte da culinária, o que veio a aperfeiçoar anos mais tarde, quando mais uma vez viu-se só.
No ano de 1960, aos 22 anos, ela conheceu aquele que seria o seu companheiro para toda a vida. Tratava-se de João José Ferreira, também homem do campo, com quem casou, indo morar na Fazenda Santa Paula, no mesmo município de Araçatuba.
Foi em meados de 1964 que ela e o esposo mudaram para a Fazenda Pedra Bonita, quando Brasilândia ainda nem havia nascido. Nesta época o casal já carregava na bagagem a companhia de dois presentes de Deus, suas duas primeiras filhas: Maria Aparecida e Maria Helena.
Foi ali, como administrador da Fazenda Pedra Bonita, depois de substituir o senhor Tobias Molgora, que o esposo de dona Dirce adquiriu o apelido de João da Pedra, tornando-se muito conhecido e referência nos negócios de produtos agrícolas na cidade.
Foi ali que o casal venceu os desafios da vida no campo, em meio a índios e trabalhadores braçais, por longos anos, nunca desanimando. Construíram laços de amizade com os demais moradores da antiga propriedade da família Megid que se extendia desde a antiga Tora Queimada até onde a vista alcança, ao longo da margem direita do rio Paraná.
Ah, como o tempo voa...
A chegada do menino Marcos Antônio Ferreira e, depois, o caçula João José Ferreira Júnior, completou a satisfação da família trazendo um novo brilho para o casal batalhador. Resolveram, então, mudar para a cidade.
A mudança para o centro da cidade deu-se no ano de 1989, mas o coração e os hábitos de trabalhadores de origem simples, eles trouxeram juntos com seus pertences, virtudes nobres que jamais se apartaram. E lá estava a mãe matriarca, dona Dirce, zelando pela saúde e sustento da família enquanto o pai, seu João, dedicava-se ao pequeno comércio que instalara na esquina da antiga Avenida Panorama.
Antes de completar 10 anos que a família se encontrava residindo na cidade, no dia 12 de junho de 1998, o esposo João José Ferreira, o seu João da Pedra faleceu. E lá encontramos dona Dirce viúva, em sua casa encantada, novamente, sem medo da vida, caminhando corajosa e escrevendo sua história.
História que os felizes rebentos: 4 filhos, 6 netos e 10 bisnetos ajudaram ela desenhar, palavra por palavra, enquanto a cobriam de beijos e abraços, reunindo-se felizes nos encontros de família. Todos hão de recordar com orgulho e alegria daquela que foi uma generosa, educada e brilhante senhora.
Dona Dirce faleceu no dia 18 de outubro de 2020, aos 82 anos de idade, deixando uma família rica em virtude e gratidão, todos cheios de saudades, e muito brio pela dignidade e grandeza desta doce guerreira.
Ela que, durante os últimos anos de vida, brindou a cidade com o seu maior dom: maravilhosas refeições de festas, juntamente com suas irmãs, soube dar sabor a vida. Imanava dela sempre gestos comedidos de simplicidade e generosa profundidade que marcava a todos que dela se aproximavam.
Ainda hoje quando passo em frente da antiga casa que guardou nas paredes seus sonhos e realizações, vejo familiares ali reunidos. Percorro os olhos em direção ao frontispício daquele lar em busca das flores que ela ali semeou...
E parece que sinto, como uma inspiração que vem do céu, no murmúrio das vozes em forma de canção, o quanto o coração de dona Dirce se alegra ao ver aquela casa, de novo, repleta de filhos, netos e bisnetos, em reunião de família, que era o seu maior desejo e alegria.
Contemplo tudo e vejo que a felicidade, ainda que doa a saudade, ela está de volta. O tempo pode dizer que não é época de flores, mas o bálsamo, a mansidão e a força de dona Dirce, sim, ainda permencem naquele lar...
Corria o ano de 1986 e a casa foi colocada à venda, mas o valor do imóvel excedia em muito as economias do casal missionário que na época se encontrava hospedado na Casa Paroquial localizada em frente.
Anos depois a casa foi vendida. Mas a imagem e lembrança daquela espécie de casa encantada permaneceram. E, por algum motivo especial, o coração do imóvel despertava congraçamento e alegria, também conforto e nostalgia a quem por ali passasse.
Foi quando soube que para lá havia mudado a família da dona Dirce Teresinha de Lima Ferreira, moradores antigos da zona rural de Brasilândia e que aqui deitaram raízes, trabalharam a terra, criaram filhos e netos, e conquistaram o respeito e a admiração de todos.
Nascida em 4 de agosto de 1938, na cidade de Araçatuba/SP, dona Dirce era filha de Jerônimo e Lioneta, casal de pioneiros lavradores que construíram o seu pequeno lar no interior da fazenda Santa Adélia, na sua terra natal.
Cheia de graça a menina, ela era a primeira filha de uma família de 12 irmãos. Prendada desde criança, aos 16 anos, entretanto, sofreu sua primeira dor, quando perdeu a mãe que faleceu de parto, vendo-se transformada muito cedo em senhora do lar, cabendo a ela a nobre tarefa de cuidar do pai e seus 11 irmãos menores.
Uma vida de responsabilidade que trilhou no percurso de toda sua juventude, sem contudo, tirar-lhe a alegria de viver. Dom que o céu lhe concedeu, através do exemplo vivido, conquistou a beleza e o conhecimento na arte da culinária, o que veio a aperfeiçoar anos mais tarde, quando mais uma vez viu-se só.
No ano de 1960, aos 22 anos, ela conheceu aquele que seria o seu companheiro para toda a vida. Tratava-se de João José Ferreira, também homem do campo, com quem casou, indo morar na Fazenda Santa Paula, no mesmo município de Araçatuba.
Foi em meados de 1964 que ela e o esposo mudaram para a Fazenda Pedra Bonita, quando Brasilândia ainda nem havia nascido. Nesta época o casal já carregava na bagagem a companhia de dois presentes de Deus, suas duas primeiras filhas: Maria Aparecida e Maria Helena.
Foi ali, como administrador da Fazenda Pedra Bonita, depois de substituir o senhor Tobias Molgora, que o esposo de dona Dirce adquiriu o apelido de João da Pedra, tornando-se muito conhecido e referência nos negócios de produtos agrícolas na cidade.
Foi ali que o casal venceu os desafios da vida no campo, em meio a índios e trabalhadores braçais, por longos anos, nunca desanimando. Construíram laços de amizade com os demais moradores da antiga propriedade da família Megid que se extendia desde a antiga Tora Queimada até onde a vista alcança, ao longo da margem direita do rio Paraná.
Ah, como o tempo voa...
A chegada do menino Marcos Antônio Ferreira e, depois, o caçula João José Ferreira Júnior, completou a satisfação da família trazendo um novo brilho para o casal batalhador. Resolveram, então, mudar para a cidade.
A mudança para o centro da cidade deu-se no ano de 1989, mas o coração e os hábitos de trabalhadores de origem simples, eles trouxeram juntos com seus pertences, virtudes nobres que jamais se apartaram. E lá estava a mãe matriarca, dona Dirce, zelando pela saúde e sustento da família enquanto o pai, seu João, dedicava-se ao pequeno comércio que instalara na esquina da antiga Avenida Panorama.
Antes de completar 10 anos que a família se encontrava residindo na cidade, no dia 12 de junho de 1998, o esposo João José Ferreira, o seu João da Pedra faleceu. E lá encontramos dona Dirce viúva, em sua casa encantada, novamente, sem medo da vida, caminhando corajosa e escrevendo sua história.
História que os felizes rebentos: 4 filhos, 6 netos e 10 bisnetos ajudaram ela desenhar, palavra por palavra, enquanto a cobriam de beijos e abraços, reunindo-se felizes nos encontros de família. Todos hão de recordar com orgulho e alegria daquela que foi uma generosa, educada e brilhante senhora.
Dona Dirce faleceu no dia 18 de outubro de 2020, aos 82 anos de idade, deixando uma família rica em virtude e gratidão, todos cheios de saudades, e muito brio pela dignidade e grandeza desta doce guerreira.
Ela que, durante os últimos anos de vida, brindou a cidade com o seu maior dom: maravilhosas refeições de festas, juntamente com suas irmãs, soube dar sabor a vida. Imanava dela sempre gestos comedidos de simplicidade e generosa profundidade que marcava a todos que dela se aproximavam.
Ainda hoje quando passo em frente da antiga casa que guardou nas paredes seus sonhos e realizações, vejo familiares ali reunidos. Percorro os olhos em direção ao frontispício daquele lar em busca das flores que ela ali semeou...
E parece que sinto, como uma inspiração que vem do céu, no murmúrio das vozes em forma de canção, o quanto o coração de dona Dirce se alegra ao ver aquela casa, de novo, repleta de filhos, netos e bisnetos, em reunião de família, que era o seu maior desejo e alegria.
Contemplo tudo e vejo que a felicidade, ainda que doa a saudade, ela está de volta. O tempo pode dizer que não é época de flores, mas o bálsamo, a mansidão e a força de dona Dirce, sim, ainda permencem naquele lar...
Publicado originalmente em 23 de
outubro de 2020. Também em DUTRA, C.A.S. Quando eu me chamar saudade, Brasilândia/MS, 2021, pág. 92.
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