A aporofobia
oficial e a arquitetura hostil
Carlos Alberto dos Santos Dutra
Segundo a Imprensa, o presidente alegou que a medida contraria interesse público e pode
gerar insegurança jurídica.
O veto, que ainda pode ser derrubado pelo Congresso, foi despachado pelo
presidente, terça feira dia 13 de dezembro último, e publicado no Diário
Oficial da União (DOU) no dia seguinte.
Após a divulgação do
veto, o padre Júlio Lancelotti se
manifestou através de publicações no Instagram: 'Aporofobia em ação. Vamos lutar para que o veto seja derrubado. A luta
continua', escreveu em posts.
Tudo começou em 2021 quando a Prefeitura
de São Paulo tinha instalado paralelepípedos sob o viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, na zona leste da capital
paulista, e o padre Júlio foi até o
local quebrar a marretadas as pedras que
impediam o abrigo de pessoas em situação de rua.
O PL pedia uma alteração no
Estatuto da Cidade para vedar o emprego em espaços públicos de arquitetura hostil, que é descrita no
texto da lei como técnica caracterizada
pela instalação de equipamentos urbanos e realização de obras que visam afastar
pessoas indesejadas.
Entre os exemplos apontados
estão espetos e pinos metálicos pontudos;
pavimentações irregulares; plataformas inclinadas; pedras ásperas e
pontiagudas; bancos sem encosto, ondulados ou com divisórias.
O alcance social e humano da iniciativa preconizada
pelo trabalho assistencial desenvolvido pelo padre Júlio Lancellotti, com a população em situação de rua na maior
cidade do país é inconteste. De maneira
muito amorosa, acolhe, alimenta e cuida daqueles, cuja vida não tem sido nada
generosa, escreve a psicóloga Antiella
Carrijo Ramos.
Padre Júlio é
inspiração num Brasil que acaba de retornar ao mapa da fome e os direitos
humanos seguem sendo, fortemente, violados. O padre tem chamado a atenção e nos
primeiros dias de fevereiro protagonizou um ato simbólico, com marretadas
arrancou as pedras que a prefeitura de São Paulo havia colocado embaixo de um
viaduto para impedir que moradores de rua ocupassem o espaço. A velha e
conhecida ‘arquitetura da exclusão’.
Em três atos, observa a trabalhadora da Assistência Social em
Santa Cruz do Rio Pardo/SP, -- as pedras,
as marretadas e as flores --, padre
Júlio nos ensinou que mesmo cansado é preciso seguir em frente, ser resiliente,
se manter indignado com a opressão e ser exemplo concreto de uma prática social
que busque o bem da coletividade. Depois que as imagens das marretadas
viralizaram na rede, me deparei com muitas outras situações que provam que as
pedras daquele viaduto não são únicas e isoladas. Elas fazem parte de
estratégias políticas que buscam esconder aqueles que são considerados
indesejáveis para sociedade. O que os olhos não veem, o coração não sente!
A declaração o religioso que mais uma vez nos ensina, tem alcance pedagógico. Nos mostra que a prática de manter os pobres longe dos
olhos (...) e o
ódio em relação aos despossuídos, agora tem nome: aporofobia. O termo
criado pela filósofa espanhola Adela
Cortina traduz uma patologia social que se manifesta na aversão a alguém
que é percebido como diferente. Em grego, a palavra á-poros significa sem
recursos, portanto, o termo significa rejeição
ou aversão aos pobres.
O comportamento de hostilidades que o país revelou contra si nos últimos anos, capitaneado por uma liderança nacional que, de forma irresponsável, quando não, criminosa, mergulhou o país num breu civilizatório; só serviu para realimentar o preconceito e incentivar o discurso de ódio entre irmãos. Desnudou o racismo que em nós sempre existiu e estabeleceu um novo desafio para as gerações futuras: superar a desigualdade estrutural que nos rodeia e reconstruir o país em novas bases de humanidade. Erradicar a pobreza, sim. Eliminar os pobres, não!
Brasilândia/MS, 16 de dezembro de 2022.
Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/bolsonaro-veta-lei-padre-julio-lancellotti-que-proibe-construcoes-hostis-a-populacao-de-rua/Léo Lopes, 14.Dez./2022; https://www.debatenews.com.br/colunista/antiella-carrijo-ramos/detalhes/o-que-e-aporofobia; https://www.neca.org.br/o-que-e-aporofobia-confira-a-materia-escrita-por-nossa-associada-antiella-carrijo/noticias/
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