sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

 

A aporofobia oficial e a arquitetura hostil

Carlos Alberto dos Santos Dutra









No apagar das luzes deste ano, a lei denominada Padre Júlio Lancellotti aprovada pela Câmara e Senado foi vetada pelo então ainda presidente Jair Bolsonaro. O projeto de lei (PL) 488/2021 proibia a construção de arquitetura hostil em espaços públicos, como paralelepípedos embaixo de viaduto que afastam pessoas de se abrigarem.

Segundo a Imprensa, o presidente alegou que a medida contraria interesse público e pode gerar insegurança jurídica. O veto, que ainda pode ser derrubado pelo Congresso, foi despachado pelo presidente, terça feira dia 13 de dezembro último, e publicado no Diário Oficial da União (DOU) no dia seguinte.

Após a divulgação do veto, o padre Júlio Lancelotti se manifestou através de publicações no Instagram: 'Aporofobia em ação. Vamos lutar para que o veto seja derrubado. A luta continua', escreveu em posts.

Tudo começou em 2021 quando a Prefeitura de São Paulo tinha instalado paralelepípedos sob o viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, na zona leste da capital paulista, e o padre Júlio foi até o local quebrar a marretadas as pedras que impediam o abrigo de pessoas em situação de rua.

O PL pedia uma alteração no Estatuto da Cidade para vedar o emprego em espaços públicos de arquitetura hostil, que é descrita no texto da lei como técnica caracterizada pela instalação de equipamentos urbanos e realização de obras que visam afastar pessoas indesejadas.

Entre os exemplos apontados estão espetos e pinos metálicos pontudos; pavimentações irregulares; plataformas inclinadas; pedras ásperas e pontiagudas; bancos sem encosto, ondulados ou com divisórias.

O alcance social e humano da iniciativa preconizada pelo trabalho assistencial desenvolvido pelo padre Júlio Lancellotti, com a população em situação de rua na maior cidade do país é inconteste. De maneira muito amorosa, acolhe, alimenta e cuida daqueles, cuja vida não tem sido nada generosa, escreve a psicóloga Antiella Carrijo Ramos.

Padre Júlio é inspiração num Brasil que acaba de retornar ao mapa da fome e os direitos humanos seguem sendo, fortemente, violados. O padre tem chamado a atenção e nos primeiros dias de fevereiro protagonizou um ato simbólico, com marretadas arrancou as pedras que a prefeitura de São Paulo havia colocado embaixo de um viaduto para impedir que moradores de rua ocupassem o espaço. A velha e conhecida ‘arquitetura da exclusão’.

Em três atos, observa a trabalhadora da Assistência Social em Santa Cruz do Rio Pardo/SP, -- as pedras, as marretadas e as flores --, padre Júlio nos ensinou que mesmo cansado é preciso seguir em frente, ser resiliente, se manter indignado com a opressão e ser exemplo concreto de uma prática social que busque o bem da coletividade. Depois que as imagens das marretadas viralizaram na rede, me deparei com muitas outras situações que provam que as pedras daquele viaduto não são únicas e isoladas. Elas fazem parte de estratégias políticas que buscam esconder aqueles que são considerados indesejáveis para sociedade. O que os olhos não veem, o coração não sente!

A declaração o religioso que mais uma vez nos ensina, tem alcance pedagógico. Nos mostra que a prática de manter os pobres longe dos olhos (...) e o ódio em relação aos despossuídos, agora tem nome: aporofobia. O termo criado pela filósofa espanhola Adela Cortina traduz uma patologia social que se manifesta na aversão a alguém que é percebido como diferente. Em grego, a palavra á-poros significa sem recursos, portanto, o termo significa rejeição ou aversão aos pobres.

O comportamento de hostilidades que o país revelou contra si nos últimos anos, capitaneado por uma liderança nacional que, de forma irresponsável, quando não, criminosa, mergulhou o país num breu civilizatório; só serviu para realimentar o preconceito e incentivar o discurso de ódio entre irmãos. Desnudou o racismo que em nós sempre existiu e estabeleceu um novo desafio para as gerações futuras: superar a desigualdade estrutural que nos rodeia e reconstruir o país em novas bases de humanidade. Erradicar a pobreza, sim. Eliminar os pobres, não! 

Brasilândia/MS, 16 de dezembro de 2022.

Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/bolsonaro-veta-lei-padre-julio-lancellotti-que-proibe-construcoes-hostis-a-populacao-de-rua/Léo Lopes, 14.Dez./2022; https://www.debatenews.com.br/colunista/antiella-carrijo-ramos/detalhes/o-que-e-aporofobia; https://www.neca.org.br/o-que-e-aporofobia-confira-a-materia-escrita-por-nossa-associada-antiella-carrijo/noticias/

 

 

 

 

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