quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

 

O artigo 142 e o desatino do Presidente

Carlos Alberto dos Santos Dutra



 








Desde o dia 2 de novembro os carros continuam com adesivo dele. Acampamentos em frente aos quarteis permanecem pedindo ele. Comentaristas e âncoras de rádio e TV colocam mais lenha na fogueira defendendo a insanidade dele. É o que se tem visto pelas ruas num país dividido. E tudo por conta de um líder, transformado em mito que incendiou o país. 

E como se não bastasse o caos instaurado, mesmo após a vitória de democracia e consumada as eleições gerais no Brasil, nos chega a notícia atual de que Bolsonaro ainda aposta no artigo 142 para não sair do Planalto. 

Que coisa mais estupida. Nunca o país teve de assistir tamanho devaneio. E tudo isso somado a uma comoção dolosa e tardia de uma massa fervorosamente ignara que faz coro a tal ilusão propagada pelo seu messiânico capitão. 

Mas a verdade, pasmem, é que a alucinação é real: Jair Bolsonaro ainda espera que até 1° de janeiro vai conseguir reverter de alguma maneira a sua saída do Palácio do Planalto. E suas últimas fichas recaem sobre o artigo 142 da Constituição, observa Guilherme Amado, colunista do editorial Metrópoles. 

Mas, afinal o que é o Artigo 142 da Constituição Brasileira? É o dispositivo que trata das funções das Forças Armadas ao qual os chamados patriotas arvoram-se escudando nela suas pretensões absurdas. 

O jornalista tem razão ao dizer que alguns militares, juristas e bolsonaristas têm uma leitura golpista do texto, como se ele autorizasse as Forças Armadas a interferir na política e dirimir conflitos entre os Poderes da República. Equivocados, chegam a dizer que os militares teriam autorização para ser uma espécie de Poder Moderador. 

Peremptoriamente, o Artigo 142 da CF não prevê a intervenção militar, nem federal. Em nenhum momento o caput do artigo fala isso, pelo menos para quem possui o mínimo de entendimento e cursou o ensino básico. 

Não é muito difícil de entender, numa leitura honesta, que a Constituição de 1988 determina que a palavra final para solucionar conflitos e impasses entre os Poderes é do STF. Todo o contrário é desonestidade intelectual.

Acontece que, discordando de tudo e de todo o bom senso, Bolsonaro ainda acha que pode, a depender dos acontecimentos dos próximos dias, convocar os militares para agirem como moderadores da ordem constitucional. 

Em que pese a fantasia, a suposta indevida intervenção do Judiciário no Legislativo e Executivo seria, para o presidente, o motivo para, uma vez convocados, os militares possam impedir a saída de Bolsonaro do Planalto e a posse de Lula. 

A propósito, frisa o colunista: a chance de os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica embarcarem numa dessas é zero. Em que pese o povo venha sendo insuflado e alimentado por Bolsonaro desde 2020, quando fazia declarações com ameaças antidemocráticas, o Exército pareceu mouco a isso. 

'Todo mundo quer cumprir o artigo 142. E, havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil', disse ele em abril de 2020. No entanto, declarações como esta não têm respaldo da Constituição.

O artigo 142 afirma in verbis que as Forças Armadas (…) são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Ou seja, a Constituição não prevê que as Forças Armadas possam ser usadas para rejeitar o resultado da eleição, como prerrogativa de um golpe, nem atuar sem a autorização dos Poderes, confirma a seção Comprova Explica do periódico Metrópoles.

A reportagem entrevistou, entre outros, Wallace Corbo, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio, que afirmou: Ao contrário do que têm pregado apoiadores do presidente Bolsonaro, o artigo 142 da Constituição Federal de 1988, em vigência no Brasil, não tem dispositivos que concedam às Forças Armadas o poder de arbitrar conflitos entre os Poderes ou de fazer qualquer tipo de intervenção militar ou federal.

As Forças Armadas são órgãos de Estado, cuja ação independe das disputas políticas. Logo, apesar de estarem as Forças Armadas subordinadas ao presidente, ambos estão ao alcance da Constituição. Ou seja, a autoridade do presidente é ‘suprema’ perante as demais autoridades militares, mas não diante da ordem constitucional.

Mentes autoritárias, nostálgicas do período militar, buscam na Constituição os instrumentos para destruí-la. Como dizia Thomas Jefferson, a Constituição não é um pacto suicida. Não pode ser usada para a sua destruição, afirmou o professor Wallace Corbo.

Segundo o Metrópoles, ele avalia que o movimento ultrapassou os limites do direito de manifestação e se tornou um ato ilícito. Portanto, configura crime contra o Estado e a ordem constitucional e precisa ser investigado. Cidadãos comuns e autoridades que tenham agido para contribuir com essas manifestações ou se omitido devem ser responsabilizados, afirmou.

Em sua avaliação o professor vai mais longe ao mencionar a Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016) que pode ser aplicada neste caso, dado o fato de as manifestações terem se caracterizado pela propagação do terror social e pelo objetivo de desestabilizar a ordem democrática.

Em entrevista ao Valor Econômico, publicada em 4 de junho de 2020, o ministro Gilmar Mendes, do STF, afirmou ser irresponsável e tese de lunáticos a interpretação de que o artigo 142 legitimaria intervenção das Forças Armadas. Ele ressaltou que o guardião da Constituição é o STF e que as ‘Forças Armadas não são milícias de uma dada facção partidária’.


Brasilândia/MS, 21 de dezembro de 2022.

 

Foto: https://www.facebook.com/photo/?fbid=556749706258042&set=pcb.556747142924965https://www.facebook.com/atreslagoasqueuquero, 06/11/2022. 


Fonte: https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/bolsonaro-ainda-aposta-no-artigo-142-para-evitar-sua-saida-do-planalto; https://www.metropoles.com/projeto-comprova/artigo-142-nao-preve-intervencao-militar-nem-federal-entendahttps://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/pressao-militar-gestou-artigo-vago-da-constituicao-usado-em-atos-pro-golpe.shtmlhttps://www.hojemais.com.br/tres-lagoas/noticia/geral/manifestantes-seguem-firmes-em-frente-ao-exercito-em-tres-lagoas-em-protesto-contra-o-resultado-das-eleicoes

 

 

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